Sob a liderança do Hospital Albert Einstein, um grupo de hospitais incluindo o Sírio Libanês e o HCor começou hoje um ensaio clínico para testar a eficácia da hidroxicloroquina, o medicamento que tem sido apontado como um potencial tratamento para o coronavírus, além de outros remédios com dados promissores. 

O ensaio começou a ser desenhado há três semanas e recebeu ontem à noite a aprovação da Comissão Nacional de Ética e Pesquisa.

O diretor-superintendente de pesquisa do Einstein, Dr. Luiz Vicente Rizzo, disse ao Brazil Journal que o ensaio será feito em conjunto com diversos hospitais privados e com fabricantes de medicamento como o EMS, que produz a hidroxicloroquina no Brasil. 

A previsão é que em até dois meses se chegue a dados conclusivos sobre a eficácia do tratamento. 

Na entrevista abaixo, o Dr. Vicente explica como o estudo será feito, a evolução das vacinas e os reais impactos do vírus.

Ultimamente, tem se falado bastante da hidroxicloroquina como um tratamento eficaz para o coronavírus. Esses dias uma paciente da Prevent Senior parece que foi curada com o uso desse remédio. Como vocês estão vendo a eficácia desse tratamento no Einstein? 

Existe uma razão pela qual você faz pesquisa, porque você não tem certeza. Dizer que você deu [a droga] a um paciente e funcionou ou você dizer que deu pra 100 pacientes no hospital e ninguém morreu, como disse aquele cara de Nova York, do ponto de vista científico quer dizer alguma coisa, mas não muita coisa. Pode ser o fato do hospital dele ser muito bom. 

É importante que essa resposta venha de pesquisas sérias. E por isso estamos começando hoje um estudo que estávamos discutindo há 3 semanas. Mas esse não é um ensaio do Einstein. Estamos capitaneando uma parte desse ensaio, mas fizemos uma grande aliança com o Sírio Libanês, o HCor e mais de 100 UTIs do Brasil (a Rede Brasileira de UTIs). Estamos fazendo um trabalho que foi capitaneado aqui, mas que envolve muitos mais hospitais.

Como vai ser esse ensaio clínico? Vocês vão testar em quantos pacientes?

Vamos testar em muitos pacientes, em diversos tipos de desenhos diferentes. Vamos testar no paciente grave na UTI, no paciente que está entrando e no intermediário. E cada um desses braços será coordenado por um hospital. A ideia, quando resolvemos fazer isso juntos, é dar uma resposta. Não é aparecer. É útil, que é o que a ciência tem que ser. Ciência é colaboração. Montamos um estudo que é em colaboração e que pretende responder o maior número de perguntas no menor espaço de tempo.

Esse ensaio vai testar apenas a hidroxicloroquina?

Não. Vamos testar outros medicamentos também. A hidroxicloroquina não é a única alternativa que existe que tem mostrado dados promissores. 

Quanto tempo estão prevendo para termos dados conclusivos?

Para ter dados conclusivos estamos esperando que leve entre um e dois meses. Mas esse estudo foi desenhado de uma forma inovadora no Brasil e ainda muito pouco usada no mundo. É um estudo adaptativo. Os estudos de modo geral são estudos fechados, onde você entrou num braço e você vai ter que ficar naquele braço. Esse estudo nos dá a flexibilidade, pela sua força estatística, de mudar pacientes de grupos se tivermos respostas melhores. 

É óbvio que amanhã pode surgir uma droga nova em outro lugar, mas temos a flexibilidade de incluir novas drogas promissoras no estudo. Por isso disse que esse é um estudo inovador no Brasil, de modo geral o Brasil não aprova estudos nesse modelo. É a primeira vez que o Brasil aprova um estudo nesse modelo adaptativo.

Como tem sido a carga de trabalho?

Estamos há 3 semanas trabalhando na formatação deste estudo. Ciência tem que ser feita com urgência, mas não a toque de caixa. Nossa equipe tem trabalhado 20 horas por dia literalmente. Tem um grupo de mais de 50 pessoas trabalhando até as 4, 5 horas da manhã nas últimas 3 semanas para formatar esse estudo. Subimos ontem na Comissão Nacional de Ética e Pesquisa e ontem à noite tivemos a aprovação. Existe um esforço muito grande sendo feito no País, as pessoas estão entendendo que é hora de trabalhar e todos nós nos beneficiaremos dos estudos. 

Esses medicamentos que vocês estão começando a estudar são remédios que já existem e já foram aprovados pela Anvisa para outros usos. Se os dados comprovarem que eles têm eficácia, precisa passar novamente pela Anvisa ou já pode começar a ser usado?

Como as medicações já estão aprovados, você pode usar o ‘off label’ com ou sem o embasamento científico. Atualmente, essas medicações já estão sendo usadas sem o embasamento científico, só com base na impressão. As pessoas estão usando… oxalá ela funcione, mas estão usando sem embasamento científico. O que queremos é dar embasamento para isso.

Há estudos clínicos com esses medicamentos sendo feitos no mundo, ou já prontos?

Existem cinco ensaios clínicos em andamento em diversos países e continentes, depositados no clinicaltrial.gov, que é o maior repositório de ensaios clínicos do mundo. O que você tem de relatos na literatura são todos relatos anedóticos, que não foram feitos com objetivos científicos e correm o risco de, numa análise posterior, mostrar que não foi o efeito da droga que curou. Por isso a importância de se fazer a pesquisa completa. Não é possível saber se uma coisa funciona de verdade se você não aplicar o método científico. 

Em relação à vacina, em que pé está o desenvolvimento? Demora muito mais para desenvolver, certo? 

O primeiro ponto é que vacina demora, porque você precisa vacinar o cara, ver se ele ficou bom por um tempo ou se ficou bom pra sempre. O segundo ponto é que a gente sequer sabe se a imunidade serve para alguma coisa nesse vírus. Tem vários parentes desse vírus que você não fica imune nunca. Ele não deixa o sistema imune funcionar. Então a gente ainda não sabe se funcionaria, se seria útil. Tem essa dúvida da eficácia da imunidade para esse vírus, como em qualquer vacina. 

Como vocês estão vendo esse vírus, porque tem várias pessoas, inclusive o presidente, dizendo que é apenas uma gripe. O que você diria para essas pessoas?

Não é apenas uma gripe. É simples assim. Muita gente morre de gripe, morre atropelada, tudo isso é verdade. O fato de que um dia todo mundo vai morrer não muda o fato de que não é só uma gripe. É um negócio sério, que transmite muito rápido, as pessoas que pegam a doença de verdade tem problemas físicos importantes. Uma coisa que não está sendo tratada ainda, mas que vai ser depois é o que acontece com o pulmão de quem sobrevive.

Ninguém parece que sabe muito bem a taxa de mortalidade desse coronavírus. Tem gente que fala que é menos de 1%, outros que é 3%. Como vocês estão vendo?

Não dá pra saber por diversos motivos. O primeiro é que a taxa de mortalidade vai variar de acordo com a qualidade do serviço médico prestado. A Alemanha, por exemplo, tem tido uma taxa de mortalidade muito baixa, assim como a Suíça. Uma grande possibilidade é que a Alemanha é o País que tem mais leito de UTIs por habitantes do mundo. 

Não dá também para simplesmente pegar o número de infectados testados e ver a porcentagem de mortes, porque também tem muitos casos que não são testados…

Isso, na hora que vira uma epidemia isso acontece. Estamos numa fase de doença que se testarmos todo mundo vai acabar o teste na hora que chegar alguém grave e você precisar saber se é isso ou se é outra doença. Essas porcentagens começam a ficar falhas na medida em que você não testa todo mundo. Morrem tantos por cento dos diagnosticados, que são as pessoas com a doença mais grave. Provavelmente é menor a taxa de mortalidade do que essa porcentagem que está aparecendo nas amostragens.