A Cruzeiro do Sul Educacional tem a menor alavancagem do setor, cresce a receita consistentemente acima do mercado, e é uma das poucas companhias de educação superior que tem conseguido expandir sua base de alunos no presencial.
Mas o mercado não quer nem saber.
A ação negocia ao menor valuation do setor, um múltiplo de 3,3x EBITDA e 7,6x o lucro estimado para este ano.
Para efeito de comparação, a Yduqs negocia a 4,4x EBITDA e 10,3x lucro, a Cogna a 4,4x EBITDA e 13,3x lucro, e a Ânima a 3,3x EBITDA e 10,1x lucro.
O desconto da Cruzeiro do Sul tem a ver, em grande parte, com a baixa liquidez do papel, que negocia em média apenas R$ 2 milhões por dia. O free float do papel é de apenas 12,5%, com as famílias fundadoras, os Padovese e os Figueiredo, detendo 23,5% cada. O maior acionista é o GIC, com 40,6% do capital.
“A Cruzeiro do Sul é a empresa mais ‘redondinha’ do setor. Os resultados são consistentes e limpos, ela é a menos alavancada e a conversão de EBITDA em caixa é maior que a dos concorrentes, o que permite pagar dividendos,” disse um analista que cobre o setor. “O grande problema é a baixa liquidez, que fica ainda mais complicado num cenário de-risk do mercado.”
Dos seis analistas que cobrem o papel, cinco têm ‘buy’ e um tem recomendação ‘neutra’.
A liquidez reduzida faz com que um fundo de R$ 2 bilhões de AUM que queira ter 1% da carteira no papel precise de 10 dias para montar a posição. “Este fundo ficaria casado com o papel num momento em que existe um risco de regulação no EAD e na medicina,” disse o analista. “Se sai uma bomba, ele não consegue vender.”
A Cruzeiro tem certa urgência em aumentar a liquidez da ação. A companhia já está no terceiro waiver concedido pela B3 para adequar seu free float aos 20% exigidos pelo Novo Mercado. O waiver atual expira em junho.
Um follow-on poderia destravar valor na ação, permitindo que grandes fundos entrem no papel, mas nem o GIC nem as famílias devem ser vendedoras no preço atual.
“É o dilema do ovo e da galinha,” disse outro analista. “Ninguém quer vender nesse nível, mas o papel dificilmente vai sair desse nível se eles não fizeram alguma coisa.”
A solução do problema poderia vir de um M&A. A união da Cruzeiro do Sul com qualquer uma das empresas listadas de educação resolveria o problema do free float e criaria um líder do setor.
Uma fusão com a Vitru, por exemplo, seria altamente complementar: enquanto a Vitru opera apenas no EAD, a Cruzeiro traria um negócio presencial importante. Além disso, a união resolveria o problema de liquidez da própria Vitru, permitindo que seus maiores acionistas – a SPX/Carlyle e a Vinci Partners – ganhem uma porta de saída.
Já uma fusão com a Yduqs permitiria cortar 100% do G&A da Cruzeiro – mais de R$ 200 milhões/ano – o que, num múltiplo de 6x EBITDA, geraria mais de R$ 1,2 bi de valor para a companhia, sem falar em outras sinergias. (A Yduqs vale R$ 5,6 bi na Bolsa; a Cruzeiro, R$ 1,8 bi).
A ação da Cruzeiro do Sul tem ensaiado uma reação nos últimos 12 meses. Depois de sair a R$ 14 no IPO em fevereiro de 2021, o papel bateu um low de R$ 2,01 em março do ano passado; e de lá para cá subiu 120% para R$ 4,55.
A alta, no entanto, seguiu uma reprecificação de todo o setor: a Yduqs subiu 163% no mesmo período, a Ânima, 106%, e a Cogna, 32%.
Desde o começo do ano, o papel da Cruzeiro cai 11%, em comparação a uma queda de 15% na Yduqs, 30% na Cogna e uma alta de 13% da Ânima.
Dada a baixa liquidez, o papel parece estar descolado dos fundamentos. Mesmo com um resultado do quarto tri em linha com as projeções do sellside e superior ao dos concorrentes do setor, a ação da Cruzeiro do Sul caiu 4,8% ontem.
No quarto tri, a companhia reportou um crescimento da receita líquida de 13,3%, em comparação a 12,8% da Yduqs, 9,2% da Ser, 7,8% da Kroton e 4,8% da Ânima.
O forte crescimento do top line teve a ver com um aumento do tíquete médio, mas principalmente com o crescimento da base de alunos.
Enquanto todas as empresas do setor reportaram retrações em suas bases de alunos no presencial, a Cruzeiro do Sul cresceu a base em 10,3% no ano, depois de já ter crescido 7% em 2022. Além de um bom nível de captação, a companhia teve um índice de rematrículas de 91,2%, um aumento de 3,8 pontos na comparação anual.
No EAD, o crescimento foi de 25,6% na base de alunos, com um índice de rematrículas de 78,5%.
O CEO Fabio Fossen disse ao Brazil Journal que o resultado é um reflexo das mudanças que a empresa executou em 2022, quando o novo management criou verticais separadas para o ensino digital e para o ensino de saúde, com processos internos e de vendas distintos.
“Já tínhamos os cursos presenciais de saúde espalhados pelas nossas várias universidades, mas entendemos o potencial do mercado e aprofundamos as aberturas de vagas,” disse ele. “Isso ajudou muito no resultado.”
(Desde que assumiu em setembro de 2021, Fossen – um executivo com passagens pela Bridgestone, Ambev e Coca-Cola FEMSA – trocou 100% do C-Level. O CFO Felipe Negrão, que chegou em 2022, trabalhou na Bain & Co, Ibmec e GPA.)
A vertical de saúde já responde por 51% dos alunos e 68% da receita do presencial — que por sua vez representa 70% da receita total da companhia.
Para este ano, a vertical de saúde continua sendo a grande aposta da empresa — mas agora, o foco será nas pós-graduações, que não são reguladas, dando autonomia para as universidades abrirem novas vagas (diferente dos cursos de medicina, que precisam de aprovação do MEC).
“Medicina, odonto, nutrição, toda a parte de saúde tem muita demanda por pós-graduações, porque tem muitas coisas novas acontecendo no campo, que demandam uma atualização constante,” disse Fabio.
Segundo ele, essa parte de pós-graduações nunca foi um core para a empresa, mas a ideia agora é desenvolver mais, acelerando muito o crescimento. “Temos a infraestrutura e a reputação prontas para crescer nessa frente, que é algo que tem muito valor no mercado.”
O CEO disse ainda que o crescimento da base presencial não teve a ver com um aumento dos financiamentos — o que poderia gerar problemas no futuro. Segundo ele, a porcentagem dos financiamentos sobre as matrículas tem se mantido estável em 6% nos últimos anos.
Um analista do setor concorda.
“A Cruzeiro do Sul é a empresa com menos esteróides do setor. Quando o FIES está bombando, eles não entram no oba-oba,” disse o analista, acrescentando que ela é também a empresa com os maiores tíquetes e qualidade de ensino, junto com a Ânima.
“Eles acabam atraindo alunos com mais qualidade, porque quando o tíquete é maior que R$ 1.000 por mês em geral quem paga é o pai do aluno e a evasão tende a ser menor.”