Era para ser o ano do cripto.

Mas a brusca virada das últimas semanas fez com que o bitcoin se transformasse em uma das piores classes de ativo em termos de rentabilidade acumulada desde janeiro.

O selloff dos últimos dias levou a uma queda em dólares de quase 30% do bitcoin desde o seu pico em 6 de outubro, quando a cotação superou US$ 126 mil. Desde então, a moeda foi ladeira abaixo, chegando a ficar abaixo de US$ 90 mil pela primeira vez em sete meses. 

No ano, a moeda está praticamente no zero a zero, com alta de 0,3%. Antes da virada, subia mais de 30%.

Nos outros criptoativos a história não é diferente. O ether também mergulhou cerca de 30% desde o início de outubro.

A perda conjunta do valuation do bitcoin e de outras moedas digitais nas últimas seis semanas superou US$ 1,2 trilhão, com um recuo de 25% desde o pico em 6 de outubro. Os números, de acordo com o Financial Times, são da CoinGecko, que acompanha dados de mais de 18 mil critpoativos.

Qual a razão do meltdown repentino?

A correção coincidiu com um movimento de risk-off nos mercados globais, que impactou outros ativos de risco – como as ações de empresas de tecnologia, em meio ao crescente sentimento de que o boom de AI nos mercados talvez já tenha ido longe demais. A desvalorização dos criptoativos, no entanto, foi mais intensa.

Segundo os analistas, houve uma combinação de realização de lucros, incerteza macroeconômica e liquidação de posições alavancadas.

Um dos gatilhos recentes para o movimento de venda teria sido a reversão nas expectativas com relação à trajetória da redução de juros nos EUA. Os traders reduziram as suas apostas de que o Federal Reserve vai cortar a taxa na reunião de 10 de dezembro. A probabilidade da diminuição caiu para abaixo de 50%, antes mais de 90% há três semanas.

“O movimento mais intenso ocorreu porque havia um acúmulo relevante de alavancagem perto do topo. Quando veio o choque macro, desencadeou uma liquidação em cadeia, com bilhões de dólares em posições compradas sendo zeradas,” disse Ana de Mattos, uma analista técnica e trader parceira da Ripio. “Esse efeito rompeu níveis técnicos importantes e tende a tornar a recuperação mais gradual.”

Em sua avaliação, para que o bitcoin retome uma alta no curto prazo será necessário algum alívio na percepção do mercado sobre as taxas de juros e liquidez global.

Segundo o CIO da QR Capital, Theodoro Fleury, a análise dos registros na blockchain já revelava uma queda na atividade interna na rede do bitcoin. A valorização vinha sendo suportada pelo fluxo nos ETFs, com a maior exposição de pessoas físicas e investidores institucionais, além das compras maciças da Strategy e outras tesourarias da criptomoeda.

“As compras dessas companhias estavam dando uma sustentação ao preço. Só que, para continuar emitindo ações e comprar mais moedas, elas precisam que suas empresas estejam avaliadas a um múltiplo maior do que 1 em relação ao estoque de bitcoin que elas têm em tesouraria,” disse Fleury. “Muitas delas já ficaram próximas ou até mesmo abaixo de 1, travando o fluxo de compra.”

O mergulho cripto derrubou as ações das bitcoin treasuries companies.

A Strategy, de Michael Saylor, perdeu 47% desde a sua máxima em julho. Apesar de uma alta de 5,8% hoje, a ação acumula perda de 29% no ano.

Entre as brasileiras, a novata OranjeBTC desaba 52% desde sua estreia na B3 em 7 de outubro. A ação da Méliuz, que atingiu R$ 10,70 em maio, fechou hoje abaixo de R$ 4 – uma desvalorização superior a 60%.

Um outro fator intrínseco à lógica do bitcoin não pode ser esquecido na análise da correção recente. Sempre que ocorre um halving – a redução pela metade, a cada quatro anos, da recompensa paga aos mineradores pelo bloco adicionado à blockchain – a moeda tende a passar por um ciclo de alta e depois entra em queda.

O último halving foi em abril de 2024 e o próximo será em abril de 2028.  

Para Fleury, no entanto, questões estruturais da economia global tendem a incentivar a maior adoção do bitcoin no futuro.

“No curto prazo, não me assustaria se caísse ainda mais,” disse ele. “Pode ser uma oportunidade para quem pensa em anos, e não em meses,”