O texto abaixo foi retirado de uma entrevista de Pepe Mujica veiculada no documentário Human, lançado em 2015:
Eu sou José Mujica. Trabalhei no campo na primeira etapa da minha vida.
Depois me dediquei a lutar para mudar e melhorar a vida da minha sociedade.
Fui presidente.
E amanhã, como qualquer um, vou ser um monte de minhocas e desaparecer.
Tive alguns problemas, várias feridas, alguns anos de prisão. Enfim. Coisas de rotina para quem se mete a transformar o mundo.
Sigo vivo por milagre. E acima de tudo, amo a vida.
Gostaria de chegar à minha última viagem como quem chega a um bar e pede ao dono que sirva mais uma rodada por minha conta.
Nossa forma de viver, nossos valores costumam ser a expressão média da sociedade que temos que viver.
Eu busquei me afastar disso.
Mas não agora, por ser presidente. Pensei muito nisso, passei mais de dez anos na solitária, num buraco. E tive muito tempo para pensar.
Descobri que, ou conseguimos ser felizes com pouco e nos livramos da bagagem desnecessária — porque a felicidade está dentro de nós —, ou não chegamos a lugar nenhum.
Isso não é uma apologia à pobreza. Isso é uma apologia à sobriedade.
Inventamos uma sociedade de consumo, consumista, e a economia tem que crescer, porque se não cresce é uma tragédia.
Inventamos uma montanha de consumo superfluo e temos que comprar e comprar. E o que gastamos é tempo de vida.
Porque quando eu compro algo, não compro com dinheiro. Compro com o tempo de vida que tive que gastar para ter esse dinheiro.
Mas existe uma exceção. A única coisa que não se pode comprar é a vida. A vida se gasta. E é miserável gastar a vida para perder a liberdade.
Como o Uruguai é um país pequeno, o presidente não tem um avião presidencial e não nos importamos com isso.
No lugar de comprar um avião presidencial, nós compramos um helicóptero de resgate, que vai posicionado no meio do país para salvar a vida das pessoas em acidentes, ser um serviço permanente de socorro.
Veja o dilema. Compro um avião presidencial ou um helicóptero para salvar vidas?
A sobriedade tem a ver com isso. Eu não estou sugerindo voltar a viver em cavernas ou em casas com teto de palha.
O que estou sugerindo é que a gente pare com os gastos desnecessários.
E com as casas luxuosas, que precisam de três, quatro, cinco, seis funcionários.
Para quê tudo isso? Para quê? É possível viver com muito mais sobriedade e gastar os recursos existentes em coisas que são verdadeiramente importantes para a sociedade.
Esse é o real sentido republicano da vida, que se perdeu na política.
Se fosse para ter cortes reais, senhores feudais e vassalos que tocam cornetas quando um lorde sai para caçar, seguíamos com o mundo antigo.
Para quê fizemos revoluções buscando igualdade?
Quando fui à Alemanha, fui escoltado por 25 motos BMW e me deram um Mercedes-Benz que a porta pesava 3.000 quilos porque era blindado.
Para quê tudo isso?
Eu sou humilde e aceito o que me dão, mas tenho que dizer o que penso.
Não se pode dizer que não há recursos. O que não há é governança política.
Os governos estão preocupados com quem vai ganhar a próxima eleição. Estamos lutando pelo governo e nos esquecemos da gente, do problema mundial.
Chegamos a uma etapa da civilização em que precisamos de acordos globais, mas não os fazemos. Os países mais fortes deviam dar o exemplo, mas não o fazem.
Dá vergonha que, anos depois da assinatura do Protocolo de Kyoto, ainda vacilamos em aplicar medidas que são elementares. Dá vergonha.
Por isso, o homem pode ser o único animal capaz de destruir a si mesmo. Esse é o dilema que temos adiante.
Espero que esteja equivocado.
A constituição da natureza humana faz com que aprendamos muito mais com a dor do que com a bonança.
Isso quer dizer que se pode cair e levantar de novo. E sempre vale a pena começar de novo, uma e mil vezes, enquanto você está vivo.
Essa é a maior mensagem da vida. Os derrotados são os que deixam de lutar. E deixar de lutar é deixar de sonhar.
Lutar, sonhar e andar, chocando com a realidade, são os sentidos da existência.
Não se pode viver a vida cultivando o rancor. Nem se pode viver a vida andando em círculos.
As dores que passei durante a minha vida não têm cura. Tenho que carregar as cicatrizes e seguir olhando para frente.
Se eu me dedico a amar as minhas feridas, eu não vivo. E, para mim, a vida é sempre o que está por vir. O que vale é o amanhã.
Me dizem que é preciso ter memória para não repetir os mesmos erros do passado, mas eu conheço o bicho humano. É o único animal que tropeça 20 vezes na mesma pedra.
Cada geração aprende com as suas experiências, e não com a dos outros.
Eu não idealizo tanto a humanidade.
Você acha que vamos aprender com a história dos outros? Aprendemos com a nossa história.
Essa é a minha forma de ver a vida.