Ary Oswaldo Mattos Filho, que além de fundar um dos maiores escritórios do Brasil e a Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas tornou-se um modelo de integridade para sócios, clientes e alunos, morreu na segunda-feira à noite, vítima de problemas pulmonares.

Ele tinha 85 anos.

Visionário e generoso, Mattos Filho destacou-se em outras funções, como a de presidente da CVM e juiz do TIT (Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo). 

Ary Oswaldo Mattos Filho nasceu em São Paulo em 11 de janeiro de 1940.

Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo em 1965. Logo a seguir, fez mestrado em Direito Comercial na mesma universidade entre 1966 e 1969, e depois foi estudar em Harvard, onde concluiu seu LLM com a tese Tax incentives in the northeast of Brazil.

“Esse foi um dos primeiros sinais da sua capacidade de ser visionário,” Roberto Quiroga, o sócio-fundador do Mattos Filho e amigo de Ary Oswaldo há mais de quatro décadas disse ao Brazil Journal. “Ele, com menos de 30 anos, intuiu a importância que essa temporada de estudos no exterior seria decisiva não apenas para sua carreira pessoal, mas também para o desenvolvimento do ensino do Direito no Brasil”.

A década seguinte ainda não havia começado quando Ary Oswaldo, já atuando com destaque como tributarista, decidiu prestar concurso para professor de Direito na Escola de Administração de Empresas da FGV (FGV EAESP), em 1969.

No magistério residia a outra vocação do advogado, como ele próprio admitiria anos depois.

“Em Harvard, fui um atento espectador de um sistema completamente diferente de ensino, voltado para o desenvolvimento de habilidades indispensáveis para o exercício das profissões jurídicas, além de um diuturno exercício crítico do funcionamento da norma jurídica,” Ary Oswaldo disse numa entrevista em 2008.

Começava então a germinar dentro dele a ideia de fundar a Escola de Direito da FGV em São Paulo. 

“Convivi com professores que se encontravam todo o tempo na escola, com alunos que se dedicavam totalmente aos estudos, com profissionais acadêmicos que pesquisavam e discutiam os problemas jurídicos levando em consideração a realidade política e jurídica norte-americana. Foi, enfim, um ‘admirável mundo novo,’” Ary Oswaldo disse na mesma entrevista, explicando de onde vinha a inspiração para os projetos que ele sonhava implantar.

Nos anos 70, funda o Mattos Filho & Suchodolski – o escritório predecessor do atual Mattos Filho, já com os sócios fundadores do escritório atual.

No começo dos anos 90, Ary Oswaldo se licenciou do escritório para comandar a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Ficou no cargo por dois anos, e ao sair, em 1992, fundou o Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados, com os sócios Otávio Uchôa da Veiga Filho, Pedro Luciano Marrey Jr. e Quiroga.

A ideia se provou acertada: o escritório, que começou com 12 advogados distribuídos entre São Paulo e Brasília, cresceu de maneira exponencial, expandindo para novas práticas e outras geografias, e hoje tem mais de 750 advogados e 1.300 profissionais.

No ano passado o Mattos Filho – o único escritório brasileiro que publica seus financials – faturou R$ 1,7 bi, o que o colocou como um dos 200 maiores do mundo.

“Quando o Ary estava indo para a CVM e ia se desvincular dos processos, ele nos disse: ‘Vocês ficam com os meus clientes de Tributário e façam o melhor. Vocês têm absoluta autonomia. E, se quiserem mandá-los embora, também podem; a responsabilidade é de vocês’. E foi assim: a gente tocou os processos com absoluta autonomia,” lembra Pedro Marrey, outro sócio-fundador.

Quiroga conheceu Ary Oswaldo quando tinha 21 anos. “Nunca encontrei uma pessoa tão generosa. Não saberia dizer qual rumo minha carreira teria tomado se não fossem os conselhos e as oportunidades que ele me proporcionou,” disse o sócio que a vida tornou amigo.

Marrey conheceu Ary Oswaldo em 1971 e, em 1976, ele o convidou para integrar o escritório. Ficaram juntos desde então.

“Passamos muitas histórias juntos, e em todas ele mostrou um desprendimento total. A marca do Ary era a generosidade. Ele dava oportunidades para todos crescerem. Era uma pessoa muito fácil no trato, desprendido, nunca queria os louros para ele,” disse Marrey.

Bem-sucedido à frente do escritório, na entrada do novo milênio Ary Oswaldo daria início a mais um gigantesco desafio. Em 2000, foi convidado pelo presidente da Fundação Getulio Vargas, Carlos Ivan Simonsen Leal, para criar a Escola de Direito da FGV em São Paulo.

Ary Oswaldo reconhecia o excesso de cursos de Direito ao mesmo tempo em que lamentava a não existência de faculdades com melhor qualidade de ensino.

“O Brasil não precisa de mais uma faculdade de Direito,” ele disse em depoimento registrado no site da fundação. “O que precisamos é de um curso de Direito que atenda as demandas que o País possui no campo jurídico, mas que não são supridas pelas faculdades tradicionais.”

Caio Mário da Silva Pereira Neto voltara há pouco de uma temporada de estudos no exterior e foi chamado por Ary Oswaldo para se juntar ao projeto. “Claro que não pude recusar,” disse o hoje professor da Escola de Direito da FGV. Trabalharam juntos por quase 30 anos.

“Ary Oswaldo abria espaço para jovens estudantes e se preocupava em aperfeiçoar constantemente os cursos,” disse Caio Mario, neto do grande civilista Caio Mario da Silva Pereira. “Estar ao lado dele era como se fosse um sonho coletivo que ele fazia questão de incentivar que todos nós tivéssemos.”

Seguindo o estatuto do escritório à época, Ary Oswaldo se aposentou do escritório aos 70 anos, em 2010, e manteve apenas funções institucionais.

E depois de uma década à frente da FGV Direito SP, a partir de 2011 passou a se dedicar apenas à docência e à pesquisa, nomeando Caio Mario como seu sucessor. 

Procurado por ex-alunos, Ary Oswaldo ajudou a formatar e a fundar, em 2012, a Associação Endowment Direito GV, dedicada a dar bolsas de estudo para estudantes de baixa renda.

Na pessoa física, Ary Oswaldo adorava vinhos. Chegou a ter uma coleção de mais de 2.000 garrafas, mas se desfez dela ao longo do tempo. Era um leitor tão voraz a ponto de alugar um apartamento a mais no mesmo prédio em que morava para servir como biblioteca.  Além de Direito, lia sobre história e filosofia.

Era um bem humorado e, apesar de introspectivo, gostava de receber os amigos para jantar em casa.

Dividia seus fins de semana entre seu sítio em Ibiúna – onde tinha seus cachorros – e a casa em Ilhabela.

Ary Oswaldo deixa os filhos Rebecca, Ary Eduardo e Helena – os dois últimos, advogados, mas nenhum no escritório que fundou.