“Por que ir à Guatemala?” Essa foi a pergunta que mais ouvi quando mencionava que estava planejando uma jornada guatemalteca. Afinal, o país acaba sendo preterido por seus vizinhos México, Costa Rica e Panamá.
Antes de embarcar, eu respondia à pergunta citando o artesanato milenar e as trilhas por cima de vulcões ativos. Mas agora, depois da viagem, entendo que a Guatemala é muito mais do que isso.
Apesar de ser um país pequeno, a Guatemala é um dos países mais diversos das Américas, com múltiplos ecossistemas e etnias.
Pousei na capital em um domingo e fui recebida pela Eva Lerner de Escamilla, uma brasileira que mora há 40 anos no país. Com ela conheci os prédios emblemáticos da arquitetura modernista da capital, com destaque para o edifício brutalista onde fica o Banco de Guatemala, e para o Centro Cultural Miguel Ángel Asturias (também conhecido como Teatro Nacional). O teatro leva o nome do autor guatemalteco laureado com o Nobel de Literatura em 1967, cujo trabalho acerca de culturas indígenas ficou conhecido mundialmente.
Após algumas horas na capital, Eva dirigiu duas horas para nos deixar em Antigua, uma cidade colonial onde passaríamos os próximos dias. Fiquei pensando: “quando que alguém em São Paulo buscaria um desconhecido em Guarulhos em pleno domingo, daria uma volta na Vila Buarque, depois dirigiria até Campinas, para voltar sozinho no mesmo dia?”
Tamanha generosidade me comoveu. Com o passar dos dias, fui entendendo que este é o modo de ser dos guatemaltecos.
Antígua é uma mistura do charme de Paraty com a bossa de Cartagena e a elegância de San Miguel de Allende. A melhor dica é se perder por suas ruelas antigas e entrar nos cantinhos que chamarem os olhos.
Uma parada na Doña Maria Gordillo é obrigatória: a doceria familiar existe desde 1872. As lojas Textura, Nativos, Estúdio Gascon Cerâmica, Casa de Artes, El Telar e Colibri apresentam o melhor do artesanato local.
Esta última foi fundada em 1984 para assistir grupos de mulheres indígenas durante a Guerra Civil Guatemalteca. Hoje a loja expõe trabalhos de mais de 500 mulheres maias, espalhadas por 25 vilarejos ao redor do país.
Igrejas e conventos também não faltam na cidade. Minha favorita foi a Igreja de La Merced, uma construção barroca do século XVII cuja fachada amarela é inteira trabalhada.
De Antígua seguimos para o lago Atitlán, considerado um lugar extremamente auspicioso e rico culturalmente. A Guatemala é habitada por 22 grupos étnicos, cada um com seu próprio idioma, vários dos quais estão representados nos diferentes vilarejos indígenas ao redor do lago. Grande parte das comunidades dessa região são descendentes dos maias.
Com lindos vulcões ao fundo, um dia ideal no lago começa com um passeio de barco para um de seus povoados, como San Juan La Laguna, Santiago e Santa Catarina Palopó.
Vale ir à região para conhecer os vilarejos – cada um com seus costumes e artesanatos próprios – e para se hospedar no Relais & Chateaux Casa Palopó. Com pouquíssimos quartos, o hotel oferece o pouso perfeito à beira do lago; despretensioso e sofisticado ao mesmo tempo. Os interiores são de extremo bom gosto. O Kinik, restaurante do hotel que fica em cima da água, serve peixes e frutos do mar em um ambiente muito agradável.
Se estiver na região numa quinta-feira ou num sábado, recomendo dirigir até a cidade de Chichicastenango. É lá que acontece uma das feiras mais malucas que já visitei. Comidas, animais, tecidos, flores, brinquedos, máscaras, roupas… tudo junto e misturado em uma grande e colorida confusão.
Para os amantes de esportes e aventuras, a Guatemala também é um paraíso: são 37 vulcões, vários deles escaláveis mesmo estando ativos! Subi um deles, o Pacaya, e já quero voltar para escalar o mais desafiador de todos – o vulcão Acatenango – o que envolve acampar no topo para chegar ao pico antes do amanhecer e ver as explosões ao vivo.
Depois dessa aventura vulcânica, pegamos um voo para o norte do país até Flores, cidade no departamento de Petén. É nesta região que se encontra o Tikal, um dos maiores sítios arqueológicos e centros urbanos da civilização maia pré-colombiana.
A ruína é tão importante que, em 1979, foi declarada Patrimônio Mundial pela UNESCO, tanto por suas edificações quanto pela natureza ao redor. É de fato mágico observar as árvores e pássaros se fundirem com os templos maias. Quem se apaixonou pelo lugar foi George Lucas, que escolheu as ruínas para filmar uma parte do quarto filme da saga Star Wars.
Outro cineasta fã da região é Francis Ford Coppola, por incrível que pareça. É dele o La Lancha, um charmoso lodge com 10 quartos a meia hora das ruínas. Passamos duas noites lá, maravilhados pela elegância despretensiosa das acomodações. Ficou claro que todos os detalhes – até os roupões! – foram escolhidos a dedo, usando fornecedores locais. Vale a pena fazer um Temazcal – a sauna ancestral de origem maia – e contemplar o pôr do sol na beira do lago.
Quando fui pesquisar porque o Coppola tinha ido parar no norte da Guatemala, descobri que sua paixão pela região começou em 1981 com um lodge no país vizinho, Belize. Aproveitei que estávamos próximos da fronteira belizenha para atravessar e conhecer o lugar que fez o cineasta se apaixonar pela região.
Diferentemente da Guatemala, Belize foi colonizada pelos ingleses. Lá, todos preferem falar inglês. O país conquistou sua independência em 1981, mas manteve os laços com a Coroa inglesa. Foi naquele ano que o Coppola adquiriu o Blancaneaux Lodge, sua primeira propriedade na região, que durante uma década foi usada exclusivamente por ele.
Dez anos depois, o cineasta abriu o lodge ao público, mantendo o charme e a hospitalidade desafetada. Ficamos duas noites e aproveitamos para explorar um pouco a região. Entramos de caiaque na escuridão de uma caverna profunda lotada de quartzos e stalagmites, caminhamos até uma linda cachoeira e jantamos dentro da horta orgânica da propriedade, consumindo os ingredientes que nós mesmos colhemos.
Não tivemos tempo de conhecer o famoso mar beliziano (o Coppola tem mais dois hotéis por lá!), o que me deixou com ainda mais vontade de voltar.
Passados 10 dias, posso responder melhor à pergunta original. Ir à Guatemala é valorizar o artesanal local, e resistir à padronização do mundo. É ser presenteado diariamente com educação e gentileza. É fazer uma viagem no tempo, a uma época em que o mundo era mais humano e mais calmo.
É passar alguns dias vivendo a vida como ela deveria ser.
Paula Nazarian publica a newsletter NewZ da NAZA.