Aos olhos leigos de quem passeia pelas florestas do Oregon, os cogumelos que emergem no chão depois de um dia de chuva parecem pequenas erupções isoladas de vida.
Na verdade, porém, eles estão todos conectados a um gigante subterrâneo: sob os pés do caminhante, um fungo do gênero Armillaria estende-se por dez quilômetros quadrados.
Trata-se do maior ser vivo já descoberto.
O biólogo inglês Melvin Sheldrake apresenta esse monstro de centenas de toneladas e idade incerta – algo entre 2.000 e 8.000 anos – já na introdução de seu envolvente A Trama da Vida – Como os Fungos Constroem o Mundo (tradução de Gilberto Stam; Ubu/Fósforo; 368 páginas).
Funciona como um aviso ao leitor: o universo dos fungos guarda surpresas e esquisitices.
Em contraste com o colossal Armillaria, existem fungos microscópicos como as leveduras, células simples que usamos para fermentar a cerveja, o vinho e o pão, entre outros produtos comestíveis.
Fungos vêm em todos os tamanhos, servem a todos os gostos e exercem todo tipo de função: causam doenças e trazem curas, propiciam a vida das plantas e decompõem matéria morta, servem de alimento e estragam comida.
Além de explicar com clareza temas intrincados como a natureza simbiótica dos líquens – a estranha junção de algas e fungos que confundiu os naturalistas do século XIX –, Sheldrake imprime ao livro uma qualidade rara: a vibração contagiante do cientista entusiasmado por seu objeto de estudo.
Ele conduz o leitor à selva do Panamá onde começou suas pesquisas sobre fungos micorrízicos (aqueles se que associam a raízes de plantas, com as quais troca nutrientes), a uma busca por trufas guiada por cães farejadores na Itália e a uma espécie de Fung-a-palooza de cientistas amadores (também no Oregon) onde uma das estrelas foi um cogumelo “treinado” para decompor bitucas de cigarro.
Fungos não são animais nem vegetais – são um reino próprio da vida – e a micologia (o estudo dos fungos) habita uma encruzilhada.
De um lado, consegue apaixonar diletantes como aqueles reunidos no Oregon (parte deles, é verdade, interessada sobretudo em cogumelos alucinógenos).
De outro, ainda é uma disciplina em desenvolvimento – estima-se que 90% das espécies de fungos ainda não foram cientificamente descritas – que nem sempre encontra abrigo institucional. Na Universidade de Cambridge, onde fez seu doutorado, Sheldrake estudou no Departamento de Ciências Botânicas. “Não há um Departamento de Ciências Fúngicas,” lamenta o autor.
A Trama da Vida traz um catálogo de curiosidades que fará a delícia de quem aprecia documentários de história natural.
É o caso do fungo que invade e controla o corpo da formiga-carpinteira, levando-a ao alto de uma folha, na qual o pobre inseto fica agarrado até que ecloda um cogumelo de sua cabeça. Do cogumelo, saem esporos que darão origem a mais fungos – a dispersão de um ponto alto é essencial para garantir que os esporos encontrem novas formigas, recomeçando o ciclo. Existem ainda fungos dotados de superpoderes químicos: alguns são capazes de rachar pedras, outros conseguem quebrar a molécula da lignina, o componente mais duro da madeira.
Na imaginação popular, o cogumelo – que produz esporos, garantindo a reprodução – é a forma-padrão do fungo. Mas na verdade sua configuração mais típica é o micélio, uma intrincada rede de tubos finos que desafia nossas noções convencionais sobre a individualidade dos seres vivos.
Em florestas e matas, os fungos espalham a longa rede do micélio sob a terra, sendo quase impossível discernir onde começa uma rede e onde termina outra. Em busca de alimento e outras condições necessárias à sobrevivência, os filamentos podem se contrair, se expandir, mudar de direção. O micélio, segundo Sheldrake, “pode ser mais bem entendido não como uma coisa, mas como um processo – uma tendência irregular e exploratória.”
Pelas ligações do micélio com as raízes das plantas, os fungos micorrízicos, que não fazem fotossíntese, obtêm a energia de açúcares e lipídios, e em troca fornecem minerais como o fósforo.
O mais impressionante é que as plantas parecem usar a rede micelial para trocar sinais químicos umas com as outras. Há indícios de que elas podem até “avisar” plantas vizinhas sobre ataques de parasitas.
Esse sistema de comunicação ficou conhecido como “a internet das árvores”, expressão que não agrada Sheldrake, pois sugere que os fungos não teriam participação ativa no sistema.
Outras analogias já foram tentadas: há quem imagine a rede (sobre a qual ainda pouco se sabe) como uma economia de mercado no qual plantas e fungos negociam nutrientes de acordo com a oferta e a procura, e há também quem a figure como uma espécie de socialismo florestal.
Sheldrake rejeita esses parâmetros humanos. Micólogo apaixonado, ele deixa transparecer ao longo de A Trama da Vida uma ambição impossível: um dia, ver o mundo da perspectiva dos fungos.