Com a ação do Magalu ainda negociando perto das mínimas dos últimos anos, o CEO Fred Trajano diz que a companhia já terminou de fazer o dever de casa e voltou à rentabilidade — e o mercado está sendo “conservador” em suas projeções para o crescimento da empresa.
Nesta conversa com o Brazil Journal, Fred — cuja família se comprometeu a colocar até R$ 1 bilhão na empresa — disse que vê “um paralelo perfeito” entre situação atual do Magalu e a crise que a empresa enfrentou em 2016, quando ele assumiu como CEO. “A diferença é que estamos mais bem posicionados hoje.”
Em vez de tentar ganhar share do espólio da Americanas, o Magalu passou os últimos dois anos focado na rentabilidade, disse Fred. Segundo ele, todas as empresas compradas já estão dando lucro.
Abaixo, os principais trechos da entrevista.
O varejo brasileiro mudou bastante durante e depois da pandemia. Vimos o fortalecimento do Mercado Livre, da Amazon e das varejistas chinesas. Como o Magalu pode competir?
O varejo brasileiro sempre passa por dificuldades nos ciclos de alta de juros. Boa parte dos custos dos varejistas está relacionada a capital de giro, a antecipação de recebíveis. Juros mais altos também reduzem a capacidade da população de fazer compras, principalmente as que dependem de financiamento. Pela minha experiência no Magalu, isso acontece a cada oito anos.
Mas esse ciclo dos últimos três anos foi atípico: as taxas subiram mais em termos reais e ficaram elevadas por mais tempo. Foi uma consequência da pandemia, quando houve muito estímulo econômico, muito consumo, o que gerou uma espiral inflacionária que demandou essa dose cavalar de juros para ser contida.
Além disso, o consumo mudou durante a pandemia. Algumas categorias tiveram 3-4 anos em 1. Em 2020, as pessoas ficaram em casa e, em vez de gastar com viagens ou restaurantes, compraram bens e serviços para suas casas. Isso antecipou uma demanda que depois também passou por uma ressaca.
Outro ponto é que, com a pandemia, o varejo se digitalizou mais. A penetração do ecommerce no Brasil aconteceu de maneira muito acelerada: foram cinco anos em um. E o varejo digital tem uma característica mais global, com maior presença de empresas internacionais – o que acontece menos no varejo físico, que se desglobalizou. Então é natural que haja mais players online operando aqui.
Só que é preciso lembrar que o Magalu saiu maior desse período. Somos hoje o segundo maior player do setor. É o dobro de algumas dessas empresas que você citou em termos de faturamento, em algumas somos três vezes maiores no online. Quando assumi a companhia, em 2016, o ecommerce respondia por 20% do faturamento; antes da pandemia, estávamos em 50%; hoje, estamos em 75%.
Então o Magalu está onde você gostaria?
Estamos muito felizes e confortáveis com a nossa posição de vice-liderança no ecommerce brasileiro. Estou no ecommerce há 23 anos, e fizemos um trabalho muito bom para estarmos bem posicionados para o processo de digitalização que aconteceu no varejo.
Nesses 23 anos, sempre crescemos com rentabilidade, com exceção dos anos pós-pandemia, como reflexo desse ciclo atípico de juros muito altos. Por isso, nos últimos dois anos, nosso foco foi voltar a dar lucro.
O tema da companhia foi “monetiza e simplifica”. E finalmente conseguimos. O resultado do quarto trimestre que vamos divulgar em breve (no dia 18/3 após o fechamento do mercado) vai mostrar claramente a recuperação dos nossos números e deixar claro que a empresa voltou a um território positivo de lucratividade, que foi ao que nos dedicamos.
Todas as empresas que compramos também estão dando lucro. A partir de agora, com o ciclo de baixa de juros, o Magalu volta à normalidade, que é crescer com lucro. Sempre acreditamos nisso. Essa é a melhor maneira de crescer num país tão volátil quanto o Brasil.
Eu me lembro de quando assumi a companhia em 2016. A empresa valia R$ 180 milhões na Bolsa, dava prejuízo porque a despesa financeira estava acima do EBITDA. Estávamos num ciclo de alta dos juros, mas mais normal, mais rápido.
Quando as taxas começaram a diminuir, o Magalu foi uma das empresas que mais se beneficiaram disso, aumentando receita e penetração do online. As lojas se recuperaram também.
Mas dá para traçar um paralelo entre 2016 e agora?
Acho que é um paralelo perfeito. A diferença é que estamos mais bem posicionados hoje. Éramos a quarta maior rede de bens duráveis (atrás de Americanas, Máquina de Vendas e o atual Grupo Casas Bahia). Hoje somos a líder.
Quase 100% das categorias vendidas online eram eletrônicas. Hoje, metade das vendas vêm de categorias não tradicionais, numa oferta mais diversificada. Temos um ecossistema maior e mais robusto.
Um relatório do BTG mostrou que Mercado Livre e Amazon aproveitaram melhor o vácuo deixado pela Americanas do que o Magalu. Por quê?
O foco do Magalu no ano passado foi recuperar a rentabilidade. Aproveitamos o contexto competitivo para fazer isso, e não para absorver o share da Americanas. Ganhamos participação de mercado, aumentamos nosso GMV, o marketplace cresceu muito, mas a prioridade foi melhorar o resultado num momento competitivo mais racional.
O mercado esperava que fôssemos ganhar share, mas tenho sido muito consistente em falar que meu foco é retomar a rentabilidade.
Num call de resultados em 2022, você disse que um varejista precisa crescer. Claro que precisa ser rentável, mas um varejista que não cresce morre. Como fazer isso, e com rentabilidade?
Por que estou confiante que vamos voltar a crescer com rentabilidade? Primeiro porque terminamos a lição de casa. Estamos num patamar de custos operacionais compatíveis com a atual situação macroeconômica brasileira – que não é ideal, porque os juros ainda estão altos.
À medida que os juros forem baixando, as despesas vão continuar caindo, principalmente as financeiras. E a população vai começar a ter mais folga na sua capacidade de fazer novos empréstimos, investimentos para sua casa. Então parte do crescimento vai se dar pelo fator macro.
Mas o Magalu tem ainda outras possibilidades. Em lojas físicas, o cenário competitivo é muito favorável. Temos um share em torno de 20%, sendo que o nosso share do online, pelas categorias tradicionais, é de mais de 35%. Então, temos uma oportunidade de ganhar mercado nas lojas físicas – um segmento que puxou nosso crescimento para baixo nos últimos 2-3 anos e vai contribuir significativamente para a expansão daqui para a frente.
Temos uma posição sólida no 1P por conta da multicanalidade, então vamos continuar ganhando share aí. E o grande motor de crescimento da companhia é o marketplace, que tem uma proposta de valor diferenciada porque também se beneficia da multicanalidade.
No 1P, 45% do que o Magalu vende passa pela loja física. Construímos o 3P, e principalmente o novo serviço de fulfillment, de maneira que os sellers poderão estocar os produtos nos mesmos CDs em que estão os produtos do 1P. Isso permite entrega mais rápida, frete mais barato e rentabilidade.
Somos o único operador de 1P rentável do mercado, o único que sobrou, vamos dizer assim. Isso porque a multicanalidade ajuda o 1P a ser rentável. Agora estamos replicando isso para o 3P, o que vai ajudar no top line e no resultado.
Analistas e gestores que acompanham o Magalu de perto apontam que o grande desafio é crescer num mercado mais competitivo, com concorrentes capitalizados. Como se diferenciar e crescer?
O consenso dos analistas para este ano indica um crescimento de um dígito alto para o Magalu. É um número perfeitamente factível. Mais do que isso. Considerando o ciclo de queda de juros, a retomada das lojas físicas, a expansão do nosso 3P, que vai ser uma grande alavanca de crescimento, o que o mercado está esperando em termos de crescimento do Magalu é conservador.
Só que a mensagem mais importante é que o foco é crescimento do lucro. 2024 ainda é um ano durante o qual precisamos mostrar isso de maneira muito consistente, e entregar lucro operacional, lucro líquido e geração de caixa.
O Magalu vai precisar de recursos extras, além do aumento de capital anunciado em janeiro, para entregar essa expansão com rentabilidade? Ou consegue trabalhar com a estrutura que tem?
Já tínhamos uma posição de caixa favorável, que foi ampliada com o anúncio do aumento de capital de R$ 1,25 bi. Com isso, a despesa financeira cai substancialmente.
Isso abre espaço para ampliar o capex, que nos últimos anos girou em torno de R$ 700 milhões, em 20% a 30%, patamar que é mais do suficiente para fazer os investimentos de que a companhia precisa.
Nos últimos três anos, investimos muito para aumentar nossa capacidade física. Abrimos CDs e lojas, que também funcionam como hubs de distribuição. Estamos com uma capacidade ociosa física enorme, que chega a 40% nos CDs. Ou seja, o Magalu não precisa de investimentos adicionais em ativos físicos.
Precisamos quase que exclusivamente de investimentos em tecnologia – e o valor financeiro é menor.
Vamos contratar mais mil pessoas para o LuizaLabs e priorizar quatro vetores de crescimento: o marketplace, os ads – que são um canal importante para o aumento da rentabilidade futura –, a fintech e a cloud, que anunciamos no fim do ano passado.
Na fintech, temos uma grande oportunidade de aumentar a penetração dos serviços digitais online, crédito, seguros e consórcio. Já temos uma penetração altíssima no offline, agora é fazer isso acontecer no digital.