A decisão do Fed de apertar o passo no aumento dos juros causou um rali nas Bolsas e nos juros em todo o mundo.
Em meio a um mercado sobrevendido – que não para de apanhar há semanas – a alta da Fed Funds para uma faixa entre 1,5% e 1,75% mostra que “o Fed finalmente acordou,” depois que a inflação americana atingiu o maior nível em 41 anos, disse um gestor do Leblon.
Na entrevista depois do anúncio, o Fed disse que vai tentar a tarefa “muito desafiadora” de arquitetar um pouso suave, levando a inflação de volta ao patamar de 2% sem induzir uma recessão. A avaliação de Jerome Powell afasta – ao menos por ora – o risco de uma ação mais agressiva, como temiam alguns analistas.
“O pessimismo está no pico. O Fed tirou um bodezinho da sala”, André Jakurski, o fundador da JGP, disse ao Brazil Journal. “O Powell não se comprometeu com uma alta de 0,75 na próxima reunião. Poderá ser de 0,50. O mercado gostou porque o movimento não deve ser tão violento. Com o mercado oversold, qualquer boa notícia ajuda.”
Até a semana passada, o mercado esperava um aumento de 0,50. Mas os números hor-ro-ro-sos da inflação fizeram o mercado rever as expectativas. Muita gente acredita que o próprio Fed teria vazado a um jornalista do Wall Street Journal, na segunda-feira, que iria subir a taxa em 0,75. A notícia foi mais uma paulada nos preços dos ativos, minimizando (ou antecipando) um choque maior com a decisão de hoje.
Depois dos tombos no início da semana, as bolsas fecharam o dia no azul. O Ibovespa, à espera da decisão de juros no Brasil, também teve um dia de alta, dando fim a uma sequência de oito pregões negativos.
A alta de 0,75 foi a maior realizada pelo Fed desde 1994. A decisão de acelerar a alta dos juros vem depois que o dado mais recente mostrou uma inflação anual de 8,6% em maio, a maior desde 1981.
O Fed “demorou para reconhecer que existia uma inflação de demanda e que o problema não se limitava a um choque de oferta causado pela pandemia,” disse Artur Wichmann, o CIO da XP Private. “Os bancos centrais sempre lutam batalhas das guerras passadas. Não é fácil mudar a chave de inflação baixa para inflação alta.”
Powell agora vai tentar controlar a inflação com o mínimo impacto possível no mercado de trabalho, dado o mandato duplo do Fed de inflação estável e pleno emprego. “Um pouso suave é possível, mas os pousos suaves são exceções,” disse Artur.
A preocupação do Fed é a deterioração das expectativas.
Na sexta-feira, o índice de sentimento dos consumidores da Universidade de Michigan mostrou que os americanos esperam que a inflação nos próximos doze meses fique em 5,4%, bem acima da meta de 2%.
Mesmo as estimativas mais longas, para cinco anos, estão em alta, com uma inflação esperada de 3,3%. Isso reforçou a percepção de que o BC americano perdeu o controle da ancoragem das expectativas.
“Compreendemos as dificuldades causadas pela inflação”, disse Powel na entrevista agora à tarde. “Estamos comprometidos com a queda da inflação. Temos as ferramentas à disposição para reconquistar a estabilidade de preços em benefício das famílias e das empresas.”
“Não estamos tentando induzir uma recessão, é preciso deixar isso claro. Estamos buscando uma inflação de 2%”, disse Powell. Questionado se seria possível desacelerar a economia num “pouso suave”, sem causar recessão, o presidente do Fed afirmou que “está ficando evidente que fatores que não controlamos terão um papel relevante”.
Pelas projeções do Fed, o núcleo da inflação (excluindo preços de alimentos e energia) deve encerrar 2022 em 4,3%. Para o próximo ano, a expectativa é de 2,7%. É um indicativo de que o BC americano vai privilegiar uma redução gradual, evitando um choque severo sobre a atividade econômica.
No início da pandemia da covid-19, o Fed derrubou os juros para perto de zero e os manteve nesse patamar por dois anos, apesar dos sinais de que a inflação começava a ganhar força. Por muito tempo, prevaleceu a interpretação de que a alta seria transitória.
Mas em março, o BC americano começou um ajuste gradual de sua taxa de juros, com um aumento de 0,25 ponto percentual. Na sequência, uma nova alta, de 0,5 em maio. A disseminação dos reajustes e a piora nas expectativas futuras fizeram o Fed ser mais agressivo.
A questão agora é até onde vai o aperto.
O economista-chefe do Goldman Sachs, Jan Hatzius, que tem um dos melhores track records de Wall Street, espera um novo aumento de 0,75 em julho, 0,50 em setembro e 0,25 em novembro e dezembro. Assim, a taxa encerraria o ano dentro numa faixa entre 3,25% e 3,5%, ligeiramente acima das estimativas para o chamado juro neutro, que estão em 2,25%-2,5%.
O economista Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley e um dos autores do livro “In Defense of Public Debt”, resumiu da seguinte maneira o dilema de Powell.
“Há riscos de ambos os lados: se os juros e o desemprego subirem muito gradualmente, poderá haver uma desancoragem da inflação; mas se os juros e o desemprego subirem rápido demais, a economia poderá entrar em recessão. Navegar entre esses dois monstros será um grande desafio. O Fed vai precisar de muita sorte,” Barry disse ao Brazil Journal.