DUBAI – Arranha-céus, congestionamento de carros de luxo, beach clubs lotados dia e noite. 

A fama de Dubai de playground dos endinheirados continua firme, mas agora a cidade mais cosmopolita dos Emirados Árabes começa a ostentar também uma classe média empreendedora e qualificada.

Apenas no primeiro trimestre deste ano 51 mil pessoas se mudaram para Dubai. Não há estatísticas precisas sobre a demografia dos que estão chegando, mas sabe-se que a demanda por profissionais como advogados, médicos, engenheiros, desenvolvedores de TI e executivos do mercado financeiro é altíssima. 

O que atrai esse pessoal é o potencial de negócios gerados pelos milionários, um grupo que tem crescido ali acima da média mundial e é formado majoritariamente por estrangeiros. 

Só em 2024, a cidade passou a ter mais 8.700 high net-worth individuals (que têm saldo bancário de pelo menos US$ 1 milhão). Foi o maior crescimento proporcional entre todos os lugares pesquisados pela Henley & Partners, uma consultoria internacional de gestão patrimonial. 

Com isso, Dubai agora tem 81 mil milionários – um para cada 47 habitantes. Isso sem contar os 237 centi-milionários (os com fortuna na casa dos 9 dígitos) e os 20 bilionários que hoje vivem em Dubai. 

A população total cresceu exponencialmente para 3,9 milhões de pessoas. Em 1980, eram apenas 300 mil, e a Sheikh Zayed Road, a avenida que corta a cidade com visual futurista, era – literalmente – um deserto. 

“Para cada milionário que chega em Dubai, dezenas de empreendedores e profissionais liberais do mundo vão junto,” diz Dominic Volek, head da área de private clients da Henley & Partners. Os cidadãos locais representam menos de 10% da população do emirado.

Originário da África do Sul, Volek trocou Singapura por Dubai em 2020 para assumir o escritório da consultoria  internacional que dá assistência a investidores que desejam trocar a residência fiscal ou ter um novo passaporte para chamar de seu. 

Os clientes que chegam em Dubai vem seduzidos pelas vantagens tributárias (não há imposto sobre a renda, ganhos de capital ou propriedade), a baixa criminalidade e o estilo de vida ocidental extravagante da cidade, mesmo estando em um país muçulmano. 

No momento, o principal fluxo de milionários e de uma classe média abonada vem do Reino Unido, onde alterações na tributação sobre ganhos de capital entraram em vigor no começo de abril. 

Dois anos atrás foram os russos abastados que dominaram a corrente migratória. Com a guerra contra a Ucrânia, muitos eram alvo de sanções contra seus negócios e investimentos. 

Em 2019, os Emirados Árabes criaram um programa de Golden Visa, mas ano após ano tem relaxado as regras para arrebanhar mais gente. Em 2023, foram emitidos 158 mil vistos nessa categoria – o dobro do ano anterior.

Desenhado inicialmente para os milionários, os Golden Visa tem diferentes modalidades e estão ao alcance de quem provar uma renda anual de US$ 100 mil, mesmo sem um empregador local. 

A mais recente novidade na concessão de visto veio em fevereiro e mira a geração Z: influenciadores e criadores de conteúdo digital podem aplicar para o Golden Visa.

“Não se trata mais de trazer o old money ou o new money, mas atrair empreendedores, gente ambiciosa com aspirações para construir algo próprio aqui,” diz Liam Sheena, o head de wealth planning da Julius Baer em Dubai.

Dubai tem tentado se vender como um hub global de finanças e comércio há duas décadas, mas sempre compartilhou da má reputação de outros paraísos fiscais espalhados pelo mundo. 

“Os Emirados Árabes eram sempre comparados a tax havens como as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e Jersey. As regulamentações não eram tão exigentes como em outras jurisdições, faltava compliance e fiscalização,” diz Kath Zagatti, uma advogada brasileira que vive em Dubai há 12 anos e é sócia do escritório M/HQ, que atende empresas e famílias em processo de migração para lá.

Zagatti lembra que pouco antes da pandemia novas regras começaram a ser implementadas para melhorar a reputação do país, como coibir empresas de fachadas sem operação ou empregados locais. 

Isso ajudou a tirar os Emirados Árabes, em 2024, da lista cinza do Financial Action Task Force, o grupo criado pelo G7 para combater lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Antes disso, por muitos anos, os Emirados estiveram lado a lado com Nigéria, Venezuela e Yemen. 

Para estar mais alinhada às regras da OCDE, Dubai também instituiu no ano passado um imposto corporativo, que passou a taxar as empresas em 9% – abaixo da média global de 23,5%. 

Isso tem levado investidores que reuniam seus recursos em empresas a buscar outras formas de organização – principalmente fundações. 

Estima-se que 1.600 fundações foram criadas recentemente também como forma de blindagem à aplicação da Sharia nas questões sucessórias, que alcança os estrangeiros em Dubai. Pela lei islâmica, por exemplo, filhos homens recebem uma parte maior da herança. 

Essas mudanças têm impulsionado a economia da cidade, que cresceu 3% no ano passado puxada pelos setores de construção civil, transportes, turismo e serviços financeiros (o petróleo movimenta a economia de Adu Dhabi, o mais rico emirado dos sete que compõem os Emirados Árabes Unidos).  

O principal índice da Bolsa de Dubai, o DFMGI, subiu 27% em 2024 e atingiu sua melhor performance dos últimos dez anos em fevereiro, em razão dos lucros elevados das empresas listadas. Hoje, o índice opera em torno de 5.200 pontos, um pouco abaixo do recorde de fevereiro. 

Lá estão listadas 70 companhias que operam localmente, como a Dewa, de saneamento e eletricidade, e a Emaar, de construção civil. O valor de mercado total é de US$ 250 bilhões, e os investidores de varejo e as pessoas físicas de alta renda representam 35% das negociações. 

“O mercado se tornou muito mais maduro. Com o crescimento populacional e o aumento dos gastos dos consumidores, há mais IPOs domésticos acontecendo,” diz Volek, da Henley & Partners.

No final de 2024, Dubai registrou o maior IPO do mundo de uma companhia de tecnologia, a Talabat – uma empresa de delivery de comida que opera em oito países do Oriente Médio e levantou US$ 2 bilhões. 

A pujança de Dubai atrai também trabalhadores menos qualificados. Quase 1,5 milhão de pessoas se mudaram para lá desde 2015. 

Boa parte dessa massa é de imigrantes de países como Paquistão e Bangladesh que trabalham na construção civil ou no setor de serviços e moram longe dos olhos dos ricos e dos turistas – e, não raro, enfrentam condições abusivas e degradantes de trabalho, segundo a ONG Human Rights Watch.

O crescimento acelerado da cidade traz desafios urbanos como o trânsito intenso, alto custo de vida e aluguéis nas alturas. Faltam vagas nas escolas particulares e novos grupos educacionais do exterior estão investindo na cidade. 

Movimento semelhante ocorre no setor de saúde com a abertura de novas clínicas e médicos sendo recrutados no exterior com salários de cerca de US$ 350 mil por ano.

“O custo de vida é alto sim, mas os salários também são maiores. Se estivesse advogando no Brasil, provavelmente não estaria ganhando o equivalente ao que ganho aqui,” conta Zagatti, que é casada com o gestor de um family office de brasileiros e tem dois filhos pequenos que estudam em uma escola britânica.

A família mora em um apartamento alugado na região da Marina, uma das mais descoladas da cidade. A vida tem seu glamour e essa nova classe média frequenta os mesmos beach clubs dos milionários – mas pagam o day use, enquanto seus clientes são sócios.