Quando se pensa em como fazer fortuna nos EUA, as pessoas logo pensam em hedge funds de Wall Street ou equity em unicórnios do Vale do Silício – ou ainda, quem sabe, a conquista da fama na indústria do entretenimento. 

Mas ainda que haja muita gente fazendo dinheiro nessas atividades, a verdadeira riqueza americana brota longe das câmeras e distante dos escritórios de Manhattan e São Francisco.

Acredite: a maior parte dos milionários americanos são empreendedores de cidades no interior, que prosperaram em negócios como clínicas dentárias, revendas de carros, pequenas redes de varejo, distribuidores de bebidas, firmas de climatização e outras atividades boring – com zero glamour e fama. 

08 29 Owen Zidar ok

Quem diz isso são os economistas Owen Zidar, professor em Princeton, e Eric Zwick, da Universidade de Chicago, que analisaram os microdados tributários e de renda no país entre 2000 e 2022 e descobriram que a maior parte do 0,1% das pessoas no cume da pirâmide de rendimentos não vivem de salários em bancos ou Big Techs, mas sim dos lucros e dividendos de seus negócios ‘sonolentos’ no coração do país.

Zidar e Zwick deram o nome de stealthy wealthy – ‘ricos fora do radar’ – para esse dinheiro que fica longe dos holofotes.

Para pertencer ao ‘clube’ do 0,1%, a renda mínima anual era de US$ 2,3 milhões em 2022. A pesquisa mostrou que a empresa média típica dessas pessoas fatura US$ 20 milhões ao ano e tem cerca de 100 funcionários.

“Esses empresários regionais são realmente predominantes no topo da pirâmide,” Zidar disse ao Brazil Journal. “Para cada CEO de empresa listada na Bolsa, há 1 000 donos de empresas de capital fechado com patrimônio pessoal acima de US$ 25 milhões.”

Os dados das declarações de impostos também mostraram que são os stealthy wealthy que movimentam os mercados de iates, jatos particulares e mansões – e que a avassaladora maioria deles construiu o patrimônio em vez de receber herança.

O trabalho dos pesquisadores deve dar origem a um livro, previsto para sair ano que vem. Em seu Substack, Zidar publica com frequência histórias de milionários que fizeram fortuna na surdina e aos poucos, como a ‘rainha das quiches’ da Bay Area, na Califórnia.

Questionado sobre quais as implicações de seu trabalho para as políticas de redistribuição de renda, Zidar deu uma resposta que soará estranha aos ouvidos brasileiros: ele não sugeriu dificultar a vida dos mais ricos, mas sim incentivar que haja mais empreendedores e mais competição em mercados onde hoje há barreiras regulatórias e reservas de mercado.

A seguir, os principais trechos da conversa com o Brazil Journal.

Por que decidiu pesquisar esse assunto?

Houve um grande movimento nos anos 90, na pesquisa em Economia, de analisar o comportamento individual. Quando eu estava começando meu doutorado, havia muitas questões políticas sobre empresas, impostos, capital e impostos para as quais não tínhamos evidências muito sólidas.

Então, eu e meu coautor Eric Zwick começamos a trabalhar em parceria com o Tesouro dos EUA, estudando os números das empresas, impostos e desigualdade, tentando entender o que estava acontecendo. Passamos 15 anos, mais ou menos, pesquisando o assunto.

Uma das primeiras coisas que nos pediram para fazer foi tentar descobrir quanto imposto os proprietários de empresas de capital fechado estavam pagando de fato, algo bem difícil de descobrir. Ao fazer isso, percebemos que havia muito dinheiro ali – e que não era muito tributado.

Há algumas características peculiares no sistema tributário dos EUA. O mais interessante nisso foi que pela primeira vez pudemos ver quem são os donos de empresas nos EUA. Percebemos que essa é uma parcela muito maior do aumento da riqueza – e também da desigualdade – do que as pessoas imaginavam até então.

Foi assim que começamos, basicamente trabalhando com o Tesouro, tentando entender algumas questões de política tributária e percebendo que havia muito dinheiro ali.

E de onde vem o dinheiro de quem está no topo na pirâmide?

A pessoa típica que esteja no 90º percentil [entre os 10% de maior renda] obtém a maior parte de seus rendimentos de salários. Mas quando chegamos ao 0,1% do topo da pirâmide, a pessoa típica desse grupo obtém a maior parte de sua renda dos lucros de um negócio próprio.

De que tipo de negócio você está falando?

São empresas regionais, de setores boring – negócios como redes de concessionárias de automóveis e empresas de manutenção de ar-condicionado.

Outro dia ouvi a história de uma firma de climatização que estava fazendo um trabalho em um rancho em Montana. Eles conseguem reformar todo o sistema de  ar-condicionado em dois dias e meio de serviço, cobrando US$ 110 mil – e metade disso é lucro. 

Esses empresários regionais são realmente predominantes no topo da pirâmide de renda. Para cada CEO de empresa listada na Bolsa, há 1.000 donos de empresas de capital fechado com uma fortuna pessoal acima de US$ 25 milhões.

Você pode ir a qualquer lugar e perguntar às pessoas quem é a pessoa mais rica da cidade. Quase sempre é um desses empresários regionais.

Outra maneira de ver é dar uma volta por uma bela área montanhosa ou algum belo lago e observar todas as belas casas e tentar descobrir quem é o dono daquela casa de férias. O proprietário não será Elon Musk ou Jeff Bezos.

Há muitas propriedades realmente boas, de vários milhões de dólares, e você fica se perguntando, ‘Quem é o dono disso?’

E se você seguir o dinheiro, geralmente é um empresário regional.

E quais lições podemos tirar disso? Você acha que o sistema tributário americano e o clima de negócios favorece a acumulação de riqueza por meio desses negócios ‘boring’?

Certamente há alguns fatores específicos dos EUA, como o código tributário federal favorável, que geralmente pende para incentivar esse tipo de acumulação de capital.

Houve grandes cortes de impostos, especialmente desde 2000, para esses tipos de entidades. Eliminamos impostos sobre heranças, reduzimos os impostos sobre dividendos.

Mas acho que também há alguns fatores mais amplos, do ambiente macro, como a fase de juros historicamente baixos. Em um mundo com muita poupança, isso realmente elevou bastante o valor dessas empresas de capital fechado.

Qual a importância das heranças nessa ‘riqueza oculta’?

É difícil definir a relevância das heranças de forma definitiva porque não há dados confiáveis.

Nossa melhor estimativa é de que algo em torno de 25% da riqueza das pessoas no topo da pirâmide foi herdada. Portanto, a maioria dessas pessoas construiu seu patrimônio.

Mas também há muitos casos de empresas familiares, como a família Tracy, de Saint Louis. São donos de uma distribuidora de alimentos e empregam 57 membros da família. É um negócio bilionário, a segunda ou terceira maior distribuidora de alimentos do país.

Há muitas histórias assim. Mas não acho que represente a maioria dos empresários nos EUA.

Quais são as implicações da sua pesquisa em termos de políticas de redistribuição de renda?

Acredito que existam várias.

A primeira delas: é muito importante ampliar as oportunidades para que um maior número de pessoas consigam abrir negócios. Descobrir maneiras de ampliar os programas de aprendizagem e colocar as pessoas no caminho certo para desenvolver capital humano empreendedor seria muito valioso para ampliar o conjunto de talentos necessários à criação de empresas.

A segunda coisa é estar mais atento à captura regulatória local. Existem muitas barreiras que protegem algumas empresas e são realmente anticompetitivas. Por exemplo, há uma série de restrições em mercados como concessionárias de carros e distribuidoras de bebidas que acabam aumentando artificialmente os lucros dessas empresas artificialmente.

Seria melhor se houvesse mais competição. Dou outro exemplo: no caso dos médicos, há muitas regras que restringem o que os enfermeiros podem fazer. Além disso, há limites para o número de residentes e restrições a médicos estrangeiros.

Há muitas reformas que poderiam ser feitas para incentivar a competitividade – e isso aumentaria o dinamismo da economia dos EUA.