PETRÓPOLIS – Refúgio dos cariocas desde os tempos do Império, esta cidade guarda em seus distritos dois segredos gastronômicos ainda a serem descobertos: duas chefs que, com estilos e propostas bem diferentes, se destacam pela inventividade e qualidade de seus menus.

São dois restaurantes que, para usar a terminologia do clássico Guia Michelin, “valem a viagem” à Serra Fluminense.

Um deles é o Angá Ateliê Culinário, da chef petropolitana Lydia Gonzalez (que se tornou mais conhecida depois de sua participação no programa Mestres do Sabor).

Situado numa charmosa casa no distrito de Nogueira, o restaurante é intimista, tem pouquíssimas mesas, usa o conceito de cozinha aberta e funciona apenas no sistema de menu-degustação. (A reserva é obrigatória.)

Ao conseguir uma mesa, você vai embarcar numa aventura pelo universo (incrivelmente desconhecido) de ingredientes artesanais das diversas regiões do Brasil, escolhidos pessoalmente pela chef.

“O Angá não é um restaurante; é um ateliê, um lugar onde se faz artesanato com uma cozinha de inspiração brasileira e alma cosmopolita,” disse Lydia.

Numa recente experiência no Angá, o menu começou com um couvert de queijos brasileiros com mel produzido por abelhas da Caatinga baiana, terrine de porco e ameixa com compota de maçã e orégano, pães de fermentação natural com manteiga queimada e outra de cupuaçu, sem falar numa conserva de jiló e banana passa.

“O mel que usamos para este menu é de uma micro safra do semiárido baiano. Ele é rosa porque este ano não houve florada e as abelhas se alimentaram do fruto do mandacaru. Daí ele também ter um sabor muito frutado,” explica a chef.

Como em uma Bachiana de Villa-Lobos, o menu continua com a toada dos sabores do Brasil. O prato seguinte é o aipim na manteiga (que desmancha na boca), com cogumelos portobello na brasa, beurre blanc e mel de Guaraipo, uma abelha nativa típica do Paraná e Santa Catarina; enquanto a continuação traz o pescado do dia na brasa com farofa de dendê, palmito assado, leite de coco fresco com limão, e sofrito de umeboshi, uma ameixa japonesa fermentada.

Mas o ponto alto é definitivamente o prato principal, cuja concisa descrição no menu dizia apenas “Carne – Arroz – Feijão”. A surpresa é que se trata de um arroz meloso cozido em caldo à base de vegetais, ossos e cupim, com feijão guandu e cupim de panela cozido lentamente, guarnecidos com bananas, pimenta fermentada, rabanetes, couve tostada e aioli. Só ele já valeria a viagem.

O menu do Angá foi renovado na semana passada e propõe uma nova jornada pelo País, com ingredientes como cumaru, tucupi, uarini (que descobri ser uma farinha de mandioca típica do Pará e Amazonas, conhecida como caviar amazônico), cajuína e a chamada carne serenada, como preparavam os tropeiros do norte de Minas Gerais.

Num outro extremo de Petrópolis, em Secretário, no pedaço da Estrada Real usado por Tiradentes para viajar ao Rio de Janeiro (diz a lenda que ele teria uma namorada fazendeira na região), o Sítio Gastronômico, da chef Anna Dolezal, é mais um segredo a se desvendar.

Ali a pegada é bem diferente do Angá. Num espaço construído especificamente para o restaurante – no alto de uma colina com vista para o bucólico vale de Secretário – a chef faz jus à sua formação Cordon Bleu.

O menu mescla a tradição clássica com ingredientes locais, fornecidos por pequenos produtores daquela região, onde Minas beija o estado do Rio.

“Nosso diferencial é termos um cardápio sempre em movimento, buscando todos os dias os melhores produtos e, sem dúvida, de estarmos neste local mágico, um sítio em Secretário com uma vista linda,” disse Anna, que comanda o restaurante em parceria com o marido, Lucca Medeiros.

O Sítio Gastronômico funciona à la carte, mas o restaurante faz com frequência eventos em que propõe um menu-degustação. Nossa última visita foi numa ocasião especial, o Jantar da Lua Cheia, e começou com um couvert com pão de queijo e charcutaria. Sob um luar espetacular, a sequência do cardápio incluiu um crudo de peixe cítrico com avelã e tangerina; uma massa fresca recheada de cordeiro braseado, redução do
caldo e queijo tulha; e uma inesquecível costela de black Angus prensada, com purê de couve-flor e legumes tostados.

“Um clássico do nosso menu diário é o bombom de baroa, que servimos desde o início do restaurante,” conta a chef. “Ele vem com queijo de cabra de um dos produtores que mais gostamos da região e com cogumelos aqui da serra também.”

Além da gastronomia diferenciada, Angá e Sítio Gastronômico possuem outra característica em comum: funcionam para quem também gosta de beber bem.

No Angá, Lydia fez a curadoria de uma carta “com foco absoluto em produtos brasileiros, de pequenos produtores artesanais e, sobretudo, de vinificação natural ou de mínima intervenção, por acreditar que essa é a maneira de provar a expressão verdadeira do nosso terroir”.

Já o Sítio se destaca por uma seleção de vinhos leves e modernos, complementada por uma excelente carta de drinques, executados pelo mixologista Raphael Renaldin, ex-Fairmont Copacabana.

Angá e Sítio Gastronômico são excelentes opções na Serra Fluminense. Estão nas mãos de chefs talentosas e com muito futuro pela frente.

 

Flávio Ribeiro de Castro ama comida, vinhos e charutos.