Quem pode ser conselheiro de companhias abertas? Apenas aqueles indicados por acionistas de longo prazo, com a anuência da administração ou dos controladores? Ou os investidores de curto prazo e aqueles que alugam as ações também têm esse direito? Qual o perfil adequado para alguém estar num conselho? É papel da administração decidir ou defender a formação de um conselho no caso de empresas sem controlador?  Na prática, o que significa um conselheiro ‘independente’?

O debate sobre essas questões está pegando fogo desde a temporada de assembleias anuais de abril, que envolveram disputas entre minoritários alinhados ou não com a administração em companhias como Eletrobras, Tupy e Grupo Pão de Açúcar.

O primeiro a tomar um lado foi o ex-presidente da CVM, Marcelo Trindade.

Num artigo publicado no Valor, Trindade disse que a existência de mecanismos legais para a eleição de conselheiros indicados por minoritários – o voto múltiplo e a eleição em separado com voto à distância – “criou um mercado de conselheiros profissionais que tem muitos problemas”.

“Não há verdadeira independência do conselheiro se ele depende financeiramente do cargo,” escreveu Trindade.

10501 83f66753 1932 0000 0003 e9aafa002e1fSegundo ele, esses conselheiros profissionais “selecionam apenas as companhias que melhor pagam,” conseguem o apoio de “uns poucos acionistas,” multiplicam seus votos com ações alugadas e recomendação de proxy advisors, “e garantem o próximo mandato.” 

Para Trindade, alguns conselheiros profissionais são apresentados “unilateralmente por acionistas que por vezes detêm pouca exposição econômica à companhia ou exposição de curto prazo”; não sendo assim “escolhidos no processo interno das companhias, em preparação para a formação dos conselhos”. Por conta disso, “são desconsideradas as competências individuais e, principalmente, as complementares entre os conselheiros selecionados pela administração ou pelo acionista controlador.”

Trindade também criticou a “ajuda” dos proxy advisors, que “tendem a apoiar candidatos independentes (…) sem que tal candidato passe pelo processo de escrutínio da companhia, inclusive quanto à sua lealdade ao interesse da empresa.” 

Para evitar problemas do gênero, Trindade alertou que o trabalho para as assembleias de 2026 deve começar já. “As companhias devem iniciar desde logo discussões com seus principais acionistas sobre o processo de seleção e escolha de seus futuros conselheiros, de maneira a assegurar que o interesse do conjunto dos acionistas esteja alinhado na próxima eleição.” 

O artigo claramente incomodou a Amec (a Associação de Investidores no Mercado de Capitais). 

Dois dias depois, Fabio Coelho, o presidente-executivo da associação, retrucou que “defender que companhias tenham escrutínio prévio sobre nomes indicados por investidores seria um assombro democrático. Mal comparando, seria como defender o retorno do voto indireto e dos colégios eleitorais. É anacrônico, no mínimo.”

Coelho também rebateu as críticas aos conselheiros indicados por acionistas de fora de grupos de controle. “Não por acaso, esses nomes foram tratados como figuras exógenas, mal preparadas ou, ainda, oportunistas. A crítica é legítima quando há de fato má-fé (…) mas perigosa quando transforma a exceção em regra.”

Coelho disse ainda que comentários depreciativos ao chamado “mercado de conselheiros profissionais” também merecem um “olhar mais cuidadoso”. 

“Tratar essas pessoas como aventureiros movidos apenas por ambição financeira é ignorar a qualidade técnica e a experiência que muitos carregam. O Brasil possui hoje um contingente crescente de profissionais que se dedicam exclusivamente à função de conselheiro, com formação robusta, visão estratégica e compromisso ético. Reduzi-los a caricaturas é perder a oportunidade de melhorar os conselhos por dentro.”

Coelho apontou que, como sempre, nesta temporada as propostas da administração foram majoritariamente vitoriosas – mas que as “estruturas de poder societário, nem sempre desafiadas, começam gradativamente a experimentar as pressões típicas de uma democracia acionária mais ativa. E há muita beleza nisso.”

Para o advogado Julian Chediak, não há certo ou errado, e sim duas visões diferentes.

“Uma delas é a de que um bom conselho de administração tem que ter uma matriz de competências, com conselheiros com diversas qualificações e um  planejamento de como ele vai funcionar. Para fazer isso, tem que haver uma definição de grupo, não individual,” disse. 

“A outra visão é que o bom conselho é aquele que tem representantes dos diversos tipos de acionistas, funcionando como uma mini assembleia. Isso é democrático mas talvez não seja o mais eficiente, pois pode fazer com que você tenha vários conselheiros com a mesma competência, já que cada um vai votar no seu, e não no conjunto.”

Para Chediak, a lei não deveria engessar esse assunto. 

”Por que não deixar para os estatutos ou regulamentos de listagem (onde houver mais de uma bolsa) definirem se haverá voto separado, voto múltiplo? E aí o acionista decide se quer ou não investir na companhia. Seria mais simples. Mas vão dizer que muitas companhias com controlador definido não irão querer dar vaga para minoritários. É verdade. Mas quem não gostar disso, é só não comprar ação da companhia que tenha uma regra de eleição de que não goste,” disse Chediak.  

A lei inicialmente trouxe apenas o voto múltiplo, mas pelo fato de os minoritários na maioria dos casos não conseguirem eleger conselheiros com esse mecanismo –  dado o perfil das companhias brasileiras, que na sua maioria têm controlador definido – depois adotou-se também o voto em separado. 

Renato Chaves, o ex-diretor de participações da Previ e hoje consultor de governança corporativa, disse que os controladores vêem qualquer movimento de minoritários como ameaça, daí tratarem pejorativamente pessoas de fora do grupo de controle como “um mercado de conselheiros profissionais.”

“O que dizer então das irmãs, irmãos, primos e tias que povoam alguns conselhos de instituições financeiras e grandes indústrias? Tem gente formada em pedagogia, tem cineasta, tem até bailarina. Nada contra essas profissões, mas imagino a dificuldade que tais conselheiros devem ter na leitura de uma demonstração financeira.”

Francisco Müssnich, o sócio do BMA, vê com preocupação o fato de alguns investidores alugarem ações apenas para atingirem o percentual necessário para indicar um conselheiro e devolverem o papel logo após a eleição, ficando com zero de participação. 

11777 2379a1c6 823b 5a03 f1c9 c3c4afe4fa82“Isso é artificial. Nós advogados e a CVM precisamos discutir com profundidade este tema, pois é um assunto muito sério,” disse Müssnich. “O que estamos vendo são conselheiros chamados independentes indicados por alguém que não é investidor, de fato, da empresa por um período suficientemente grande para justificar a presença no conselho.”

A solução para isso precisa ser discutida.

“Talvez fixar não só um percentual, mas um prazo anterior e posterior à aquisição das ações para que o investidor possa indicar um conselheiro. Por exemplo, existe uma data que define a base acionária para exercer o  direito de recesso,” disse o sócio do BMA. “Não tem uma solução simples. Mas o mercado precisa ficar atento a esse tipo de procedimento e discutir com a CVM o que pode ser feito.” 

 Para um gestor com anos de janela na Faria Lima, um bom conselho não pode prescindir de executivos de excelência, ou de um grande empresário.

“Um bom board não precisa de um ‘yes man’, e sim de gente com estofo financeiro e repertório de vida, gente que tem força para dizer a verdade porque está ca@#ndo para a remuneração. Há exceções, mas este tipo de conselheiro acaba não estando em vários boards. O Eugênio Mattar rebolou para conseguir o Artur Grynbaum. O Setúbal lutou para trazer o Marcos Lutz. O [Fabricio] Bloisi foi convencido… O Marcelo Martins está em um único board fora da Cosan, o da Eurofarma – é um cara escasso.”

Galáticos à parte, outro gestor diz que um board de excelência também precisa de gente para carregar o piano: membros que sejam participativos e aceitem liderar comitês que não necessariamente os colocarão na vitrine. 

“Todo mundo gosta de dar opiniões em frases lapidares e passar por gênio, mas ninguém quer gastar 30 horas em calls intermináveis com a auditoria para fechar o balanço do ano.”