A aquisição da operação do Carlyle no Brasil pela SPX, em 2021, tem se mostrado um negócio (muito) mais complexo do que Rogério Xavier provavelmente imaginava. 

A gestora de private equity tem enfrentado problemas em diversas de suas investidas, e cotistas de seus fundos têm questionado algumas decisões da gestão. 

Os problemas, que começaram antes da transação, se acentuaram nos últimos dois anos.

O mais emblemático deles envolve a Tok&Stok, onde a SPX está em pé de guerra com a família fundadora para decidir o que fazer com a varejista de móveis e decoração.

Enquanto a SPX quer fundir a Tok&Stok com a Mobly – vendendo sua participação em troca de ações da empresa listada e assim ganhando uma porta de saída – a família Dubrule defende uma injeção de capital de R$ 220 milhões e um alongamento das dívidas – o que daria fôlego para um turnaround

Fernando Borges

A SPX acusa a família de defender este caminho para reassumir o controle do negócio, já que a gestora não teria como acompanhar o aumento de capital e seria diluída na operação. 

Já os Dubrule dizem que a SPX está pensando apenas em sua estratégia de saída, sem se preocupar com o futuro do negócio. 

O fundador da Tok&Stok chegou a dizer numa entrevista que a operação com a Mobly seria “o abraço dos afogados,” já que a Mobly vem queimando caixa todos os meses. 

No fundo no fundo, nenhum dos dois está errado. 

A Carlyle investiu na Tok&Stok em 2010, por meio de seu fundo FBIE (Fundo Brasil de Internacionalização de Empresas). Dois anos depois, injetou mais capital na empresa usando dois outros fundos: o TSCO e FSCO.

Todos os três fundos já venceram, e a gestora teve que pedir a prorrogação dos prazos, algo previsto no estatuto. 

A insatisfação dos cotistas com a performance desses fundos e de outros geridos pela SPX/Carlyle fica clara nas atas de assembleias publicadas no site da CVM. 

Na assembleia mais recente do FBIE, que ocorreu em 8 de julho com o objetivo de pedir a prorrogação do prazo do fundo por mais um ano, três cotistas solicitaram que constasse na ata uma mensagem cobrando a gestão por um plano de desinvestimento dos ativos e pedindo uma redução na taxa de administração. 

Além da Tok&Stok, este fundo tem uma participação na Rede D’Or. 

A mensagem dos cotistas pede ainda que se verifique “se não faz sentido aprovar no comitê de investimentos condições mínimas de venda da Rede D’Or para evitar que o cumprimento dos ritos de aprovação atrase o processo de venda e se perca alguma janela de oportunidade.”

Esses cotistas pedem também que o fundo envie o orçamento do ano seguinte, incluindo o tempo de dedicação de cada membro da equipe.

“Aliado a isso, o gestor deve detalhar a sua atuação nas companhias investidas,” diz a mensagem. “Por fim, tendo em vista que o fundo vai para a sua quinta prorrogação, recomendamos que a SPX reduza a taxa de gestão em 10%.” 

Rogério Xavier

Outro cotista fez constar na ata que apenas aprovaria a prorrogação do fundo se a gestão aceitasse distribuir as ações da Rede D’Or e reduzisse a taxa em 20%. 

A insatisfação dos investidores fica clara também em atas do FBIE II, que também tem a Rede D’Or na carteira. O tom é parecido, com os cotistas pedindo visibilidade sobre a estratégia de desinvestimento e redução nas taxas. 

No FBIE, a SPX acatou o pedido dos cotistas, reduzindo a taxa de administração e se comprometendo a encontrar uma solução para os ativos até julho do ano que vem, quando termina a última extensão do fundo. 

A Tok&Stok não é o único ativo problemático no portfólio da SPX/Carlyle. A gestora também tem investimentos na Ri Happy, que teve que reestruturar uma dívida de R$ 300 milhões no ano passado; no Madero, que também passou por uma reestruturação grande de suas dívidas recentemente; e na Scopel, uma loteadora que o Carlyle comprou em 2007 e passou por um longo turnaround.

“Na maioria desses casos o problema parece ter um padrão. O Carlyle entrava com uma cabeça de investidor profissional, que entendia muito de gestão, e fazia um monte de mudanças sem escutar quem estava no negócio há anos,” disse um investidor do mercado de private equity

Para esse investidor, foi este comportamento que levou a conflitos com as famílias fundadoras, como a da Tok&Stok. Na Scopel, o Carlyle também se desentendeu com a família e comprou sua participação remanescente seis anos depois de investir. 

Fernando Borges, o executivo do Carlyle que foi responsável pelos investimentos e hoje lidera a estratégia na SPX, disse ao Brazil Journal que a questão precisa ser colocada em contexto.

“Os últimos anos foram super desafiadores no macro –  com pandemia, juros altos, mercado de ações muito ruim – o que culminou numa crise enorme no varejo que afetou duas empresas nossas,” disse ele. 

“A nossa prioridade foi salvar essas duas empresas, inclusive com capitalizações no ano passado. E fizemos isso de forma a não diluir os nossos investidores, com o Carlyle fazendo o cheque.”

Ele nota ainda que todas as extensões dos fundos foram conversadas e aprovadas pelos investidores, e que a gestora já encontrou uma solução para a Tok&Stok, com a operação com a Mobly. 

Borges disse também que em 2022 a gestora chegou a propor aos investidores do fundo a venda da Rede D’Or — quando a ação valia mais do que hoje — mas a proposta foi recusada. 

“E sobre essa ideia de entregar as ações da Rede D’Or, isso não tem pé nem cabeça. Não é porque a empresa é listada que tenho que distribuir o ativo aos cotistas. Private equity não funciona assim. Abrir o capital é o início do processo de saída, mas o objetivo continua sendo maximizar o retorno para o nosso investidor. Senão, qual o incentivo que o gestor tem para abrir o capital da empresa?” disse ele, acrescentando que há ainda uma outra complexidade, já que alguns cotistas não podem ter ações diretamente no portfólio. 

Desde a incorporação dos ativos do Carlyle, que deu origem à área de private equity da SPX, a gestora fez apenas uma captação.

No ano passado, fez o first closing de um novo fundo de R$ 600 milhões – que já investiu R$ 225 milhões na ComBio, uma empresa de biocombustíveis.  

O passivo deste fundo, no entanto, tem um perfil diferente. Enquanto nos fundos do Carlyle a maior parte dos investidores são fundos de pensão brasileiros, parte do novo fundo foi distribuído pela XP no varejo. O restante foi investido com capital proprietário da SPX, além de alguns investidores institucionais. 

Agora, a SPX está tentando fazer uma segunda rodada para esse fundo, buscando principalmente investidores internacionais.