Viver para lá dos 120 anos nunca foi encarado como uma possibilidade real. Agora é.

Há hoje uma poderosa indústria em torno da ideia de reverter, ou no mínimo retardar, o envelhecimento – e ela já movimenta US$ 290 bilhões por ano no mundo, segundo estimativa da revista americana Consumer Reports.

De certa forma, já vivemos mais.

Pelos mais variados motivos  – do combate à pobreza e à mortalidade infantil ao avanço das drogas e tratamentos – em quase todo o mundo vive-se hoje bem mais do que algumas décadas atrás. No Brasil, a expectativa de vida aumentou de 71 para 76 anos desde a virada do milênio.

Mas nem sempre mais quer dizer melhor.

“Ganhamos longevidade, mas também aumentou o número de anos que estamos vivendo com doenças crônicas,” diz o médico americano Michael Greger, um especialista em nutrição. 

Nos Estados Unidos, as pessoas estão vivendo dois anos funcionais a menos que no passado: morrem mais tarde, mas passam mais tempo com dificuldades para realizar tarefas básicas.

É isso o que justifica seu mais recente livro. Depois de fazer muito sucesso com Comer Para Não Morrer, Greger agora decidiu ser bem mais específico com o guia Comer Para Não Envelhecer, publicado no Brasil pela Intrínseca. (Compre aqui)

O escopo não é mais apenas manter-se vivo, e sim ativo. Alguns vilões continuam os mesmos – o sal, o cigarro, o sedentarismo, o álcool – mas o estudo das defesas do organismo é bem mais aprofundado. Se o primeiro livro tinha 2 mil citações e o segundo, How Not to Diet (como não fazer dieta), tinha 5 mil, este agora carrega 13 mil referências.

Isso torna o livro, digamos, um tanto obeso. São 736 páginas, fora os inúmeros links para vídeos curtos explicativos, quase todos no site que Greger mantém, Nutrition Facts.

Para efeitos práticos, no entanto, toda essa miríade de informações pode ser resumida numas poucas diretrizes – muitas que você provavelmente já conhece: coma mais verduras, frutas, castanhas e leguminosas; consuma menos frituras e alimentos industrializados.

A repetição desses conselhos chega a ser enfadonha – mas funciona. É difícil passar por essa maratona de estudos sem no mínimo fazer algumas adaptações em sua dieta. Não que você vá virar vegano. Embora o autor o seja, uma das maiores qualidades do livro é não embarcar no proselitismo.

Na maior parte das vezes, os conselhos são moderados; até porque, a confiar em diversos estudos, pequenas mudanças de hábito podem trazer grandes efeitos, mesmo que você as adote depois dos 50 ou 60 anos.

Ciência no prato

Há três bons motivos para embarcar na leitura de Comer Para Não Envelhecer. O principal é de ordem prática: entender o que dá para fazer para melhorar sua qualidade de vida, seja num sentido geral ou com foco nos problemas particulares que você queira combater, de colesterol alto a dificuldades intestinais, de risco de câncer a queda de cabelo.

Embora tendamos a achar que o número de anos que vamos viver está basicamente relacionado à herança genética, um conjunto de pesquisas sugere que os genes respondem apenas por algo entre 15% e 30% da longevidade. O restante é formado por nossas escolhas, principalmente a alimentação.

Só para efeito de ilustração, eis algumas das informações que podem ter grande impacto no seu bem estar:

1- AMPK é uma enzima que funciona como um sensor, dando sinal ao corpo para queimar gordura. Essa queima ajuda a revitalizar as células. O que ativa a AMPK? Principalmente jejum de longo prazo. Mas é longo prazo mesmo, dias e dias… o que torna a estratégia pouco eficiente. Assim como a nicotina, boa para isso mas maléfica demais. Restam os exercícios e alguns alimentos – como chá de hibisco, vinagre (basta regar a sua salada com um pouco de aceto balsâmico) e alimentos vegetais in natura.

2- o ácido palmítico, por sua vez, inibe a AMPK. Ele está mais presente na carne e na gordura do leite e seus derivados.

3- dietas que incentivam a imitar os seres humanos do paleolítico são equivocadas no foco em carnes (ainda que magras). Estudos de fezes fossilizadas indicam que nossos ancestrais consumiam cerca de 100 gramas de fibras por dia, cinco vezes mais que o americano médio. E pouca carne.

4- outra dieta de sucesso, a low carb (com baixo teor de carboidratos), também parece ter pouca sustentação estatística: seus aderentes têm taxas mais altas de doenças cardiovasculares e “aumento de 22% no risco geral de mortalidade”.

5- o excesso de nutrientes faz com que o corpo se concentre menos na faxina de proteínas defeituosas ou mitocôndrias já desgastadas. É mais ou menos como empresas em mercados muito favoráveis: acabam evitando demissões, aceitando desempenho medíocre… o que com o tempo contribui para seu colapso.

6- o café estimula a autofagia (a limpeza do organismo). Quem toma três xícaras por dia tem um risco 13% menor de morte por qualquer causa. Mas o segredo não é simplesmente a cafeína, o café tem mais de mil compostos bioativos. Para preservá-los, é melhor o café de torra clara ou média. E café coado é melhor do que o expresso.

7- o leite reduz a eficácia do café. Greger condena a mistura. Mas um estudo que ele próprio cita é bem menos drástico: o café puro tem 68% de ácido clorogênico (um antioxidante), o café com leite tem 40%; menos, porém ainda uma taxa boa.

8- a espermidina é um composto de aminoácidos que ajuda a regular o crescimento celular. Tem esse nome porque foi identificada primeiramente no sêmen, mas existe no corpo todo. E é, de acordo com um estudo, o componente com maior poder de previsão de longevidade. Como aumentar a sua taxa de espermidina? Adivinhou: mais vegetais na dieta. Cogumelos também valem. Outras duas fontes ricas em espermidina são a batata frita e os queijos mofados – mas eles apresentam fatores de risco que ultrapassam em muito os benefícios. Nas frutas, maçã e pera ajudam; mas a manga é dez vezes melhor.

9- Uma classe de fitonutrientes chamada de flavonoides é especialmente boa para se livrar de células disfuncionais. O mais eficiente deles parece ser a fisetina – em um experimento ela aumentou a expectativa de camundongos idosos em 75% –, encontrada em alta concentração nos morangos. Estudos clínicos apontaram que a fruta pode melhorar a cognição, reduzir colesterol e artrite e estimular bactérias intestinais benéficas.

10- ao contrário da crença popular, comer um pedaço de fruta durante a refeição reduz, em vez de aumentar, nossa resposta ao açúcar no sangue. A descoberta fez com que já não mais se aconselhe os diabéticos a restringir a ingestão de frutas.

11- se você não consegue abrir mão da farinha refinada nem do açúcar, pelo menos mude o horário de consumo: ingeri-los pela manhã é menos prejudicial à saúde.

12- uma das principais teorias sobre o envelhecimento é que ele resulta de um processo de inflamação generalizada e persistente do organismo. Para combater a inflammaging (mistura de inflamação com envelhecimento, em inglês), abuse dos temperos – menos do sal, uma das principais causas de morte no mundo. Cúrcuma, gengibre e alho são potentes antiinflamatórios.

13- as flavonas, um tipo especial de flavonoides, são encontradas em frutas, ervas e vegetais, bem como em chás (o de camomila é o mais recheado delas).

14- se você não tem nenhuma vontade de abandonar seus alimentos favoritos, uma boa notícia: pessoas centenárias também apresentam níveis elevados de compostos inflamatórios no sangue. O que as diferencia, então? É que elas equilibram isso com um nível igualmente elevado de compostos anti-inflamatórios.

15- ou seja, melhorar a dieta não precisa ser um jogo de tudo ou nada. Vários indicadores de saúde podem melhorar em cerca de um terço em apenas dois meses, com a simples substituição de algumas porções semanais de carne por feijões, ervilha, grão de bico ou lentilhas.

16- o feijão com arroz brasileiro é um excelente componente da dieta. “O consumo de leguminosas pode ser o mais importante fator de previsão dietético de sobrevivência em pessoas idosas em todo o mundo”, escreve Greger. Mas só 7% dos fitoquímicos encontrados na lentilha, nos feijões, na soja e no grão-de-bico são comuns a todos. Por isso é bom variar entre elas.

17- outra forte teoria para o envelhecimento é de que ele resulta do envelhecimento das mitocôndrias, nossas pequenas usinas de energia dentro das células. Isso ocorreria por causa do ataque que elas sofrem dos radicais livres, moléculas instáveis que se agarram a outras moléculas para se estabilizar (mas no processo desestabilizam tecidos e outras partes do organismo). O que poderia nos proteger? O consumo de alimentos antioxidantes. “Em média, os alimentos vegetais contêm 64 vezes mais antioxidantes do que os de origem animal”, aponta Greger.

18- entre os campeões dos antioxidantes estão as oleaginosas (nozes, amêndoas, castanhas), o tomate, o espinafre, ervas frescas, canela, alho e gengibre, cacau e leite de soja.

19- indivíduos que consomem um único florete por dia de brócolis têm taxas de mortalidade mais baixas. A explicação é que o brócolis faz bem porque faz mal. É o princípio da hormese, o conceito de que níveis baixos de uma entidade prejudicial à saúde incrementam os mecanismos de proteção do organismo.

20- a atividade física é o exemplo clássico de hormese, lembra Greger: “você gera estresse em seus músculos e em seu coração, e fica mais saudável por causa disso, desde que haja tempo suficiente para recuperação”. Com o brócolis acontece algo parecido. “Nosso corpo não aumentaria as enzimas de desintoxicação em nosso fígado toda vez que comemos brócolis se não o considerasse uma ameaça em certo nível.”

 Um refresh em biologia

Para além das medidas práticas em relação à saúde, o livro de Greger funciona como um pequeno curso de atualização em biologia. Qualquer pessoa com mais de 40 anos provavelmente tem conceitos ultrapassados sobre esta ciência.

Foi só nas décadas de 1990 e 2000, por exemplo, que pesquisadores desvendaram diversos mecanismos de regulação dos genes através da metilação do DNA. Em resumo: enzimas podem adicionar grupos metil (compostos por carbono e hidrogênio) direto ao DNA, silenciando aquela parte do nosso código genético.

Isso faz parte do campo da epigenética, que literalmente significa “acima da genética”. Na prática, compara Greger, “é ela que liga e desliga os genes”.

Outra revolução na biologia molecular foi a descoberta, em 2001, dos microRNAs. Uma analogia comum é que o DNA seja o projeto de construção de um organismo, e o RNA, a molécula que traduz esse código para a produção de proteínas e enzimas. Mas 98% do nosso DNA não codifica proteínas. São os tais dos microRNAs, e eles funcionam, sabe-se agora, como uma espécie de fiscais de obra: são quem diz se os “operários” podem ou não construir esta ou aquela proteína.

O mais importante: a expressão desses microRNAs pode ser alterada pela alimentação, pelo exercício e pelo sono (assim como pela poluição, pelo estresse etc.).

Também foi só em meados dos anos 1990 que se descobriu o mTOR, uma enzima que atua como regulador do crescimento. Há ainda a descoberta das sirtuínas (proteínas capazes de retardar o envelhecimento em alguns organismos); os avanços no entendimento dos telômeros (uma espécie de capa na ponta do DNA cujo encurtamento está relacionado ao envelhecimento) e da telomerase (uma enzima capaz de reconstruir essa capa); e diversas outras personagens do micromundo que nos habita.

Claro, no caminho você vai esbarrar com frases como “in vitro, o butirato inibe a agregação neurotóxica da beta-amiloide”. Também vai se deparar com alguns trocadilhos sem graça. Contudo, em sua síntese dos milhares de estudos sobre envelhecimento, Greger se mostra um guia bastante competente sobre os avanços da biologia.

Os limites da ciência

Finalmente, um terceiro bônus do livro é proporcionar um bom entendimento de como a ciência funciona – e seus limites.

Na época da pandemia de covid-19 foi comum a distinção de grupos “a favor da ciência” e “contra a ciência”. Mas a ciência em si é um campo de batalha. Para começar, o conhecimento muda – e isso explica, por exemplo, por que o ovo já alternou tantas vezes os papéis de vilão e herói da alimentação. (Não é nem uma coisa nem outra; como diz Greger, se você come um ovo no lugar de uma salada, ele é ruim, mas se o ingere no lugar de uma salsicha, é bom.)

O próprio autor já fez vídeos recomendando a ingestão de suplementos de vitamina D, mas novos estudos, mais robustos, o convenceram de que nem ela nem o tão recomendado óleo de peixe são capazes de prevenir episódios cardiovasculares nem câncer.

Junto com o aumento da compreensão, há as batalhas de interesses. Greger acusa as indústrias de laticínios, carnes, açúcar e álcool de usarem as mesmas táticas antes usadas pela indústria tabagista para “tentar distorcer a ciência e confundir o público”.

Segundo ele, por exemplo, após receber uma doação de US$ 1 milhão da Coca-Cola, a Academia Americana de Odontopediatria atenuou sua condenação de bebidas açucaradas como promotoras de cáries dentárias.

Além disso, uma enorme parte dos estudos nutricionais é bancada por alguma indústria com interesses no assunto, o que os coloca sob algum grau de suspeição.

Uma dificuldade extra é que os estudos nem sempre podem ser extrapolados para o organismo humano. É o caso de uma pesquisa sobre restrição calórica: reduzir a dieta em 40% estendeu a expectativa de vida de cinco tipos de camundongos – mas diminuiu a de outros 15 e não teve efeito em mais de 20. Como saber que tipo de rato nós somos?

Finalmente, alguns estudos têm maior poder de marketing do que outros. Greger se surpreende, por exemplo, que o dogma predominante na nossa sociedade seja ingerir mais proteínas, quando a restrição proteica “é a única intervenção que bloqueia cada uma das 11 vias de envelhecimento” conhecidas.

“Comer mais proteínas que o necessário”, diz ele, “não aumenta a massa muscular, mas acelera o envelhecimento e aumenta o risco de desenvolver doenças crônicas”.

Por todos esses fatores, a quantidade avassaladora de estudos citados no livro parece essencial. Mas ainda resta uma questão essencial: quando se trata de uma promessa tão ambiciosa quanto a de não envelhecer, é sempre bom estabelecer a perspectiva correta para as expectativas.

Por exemplo: uma dieta à base de vegetais pode reduzir em até dois terços o risco de desenvolver demência; mas uma pessoa de 85 anos tem um risco 300 vezes maior que alguém de 65.