Do jeito que vão as coisas, a burrata vai ser o próximo tomate seco: vítima do próprio sucesso.
Quem não se lembra do tomate enrugadinho, curtido no azeite com um leve perfume de alho? Sabor sutil, textura agradável de fruta passa (tomate é fruta), quase adocicado. Combinava com tudo: salada, pasta, pizza, uma fatia de pão, um pedaço de queijo…
Fez enorme sucesso, correu o mundo, mas a receita foi se perdendo, a sutileza sumiu, e o tomate seco acabou industrializado. Chegou ao supermercado e – do couvert à lasanha – estava em todas.
Só não se via por aqui o tomate seco com burrata porque, naqueles tempos, não havia burrata.
Quer dizer, existir, existia.
A burrata foi criada há 68 anos, mas por um bom tempo era conhecida apenas em Andria, na Apúlia, seu lugar de origem.
Sua história é tão boa que parece invenção. A burrata nasceu por causa de uma nevasca – uma improvável nevasca no sul da Itália. Em 1958, uma onda de frio excepcional vinda da Sibéria atingiu a região.
A neve interrompeu as estradas por quase duas semanas e, sem poder escoar a produção de leite e creme de leite da fazenda, os irmãos Vincenzo e Lorenzo Bianchino resolveram fazer queijo para não perder tudo.
Adaptaram a receita do manteche, o queijo local que tem o formato de trouxinha amarrada na ponta, a casca dura e o interior cremoso, amanteigado.
A burrata nasceu à imagem e semelhança do manteche – porém, fresca.
O processo manual e artesanal dos irmãos Bianchino se mantém ainda hoje. Só a burrata feita nas mesmas condições, na Apúlia, ostenta o selo de Indicação Geográfica Típica (IGT) concedido pela União Europeia em 2016. Garantia de autenticidade.
O leite de vaca é aquecido e coalhado. Depois de coagulado, descansa até a hora de ser cortado. Então os pedaços são amassados, esticados manualmente em água quente para formar fitas. Parte dessas fitas são então resfriadas – até aí o processo é semelhante ao da produção milenar da mozzarella de búfala.
A diferença (além do leite) é que, para fazer a burrata, algumas fitas são usadas como invólucro: envolvem o creme de leite fresco e sobras das fitas rompidas no processo, chamadas de stracciatella. Depois, são fechadas como trouxinhas. Eis a burrata.
Branquinha, fresca e macia por fora, quando cortada a burrata deixa escorrer seu recheio, um creme untusoso, amanteigado – daí o nome burrata, que vem de burro, manteiga em italiano. A burrata autêntica dura pouco, mantém seu auge por cinco dias apenas, depois resseca. Só escorre quando está fresca – mas é bom tirar da geladeira uma hora antes de comer.
Com um tempo de validade tão curto, só se consegue provar a burrata com selo IGP na Itália, de preferência na Apúlia. Por aqui, ela é feita com a mesma receita, mas nem sempre artesanalmente, e há inclusive versões com leite de búfala em vez de vaca.
Se quiser comer antes que a burrata seja cancelada de tão popular, a Bráz Trattoria tem um Mozzarela Bar onde ela rouba a cena. Servida com tomates e manjericão (os parceiros tradicionais da mozzarela), custa três vezes mais que a porção de mortadela italiana…
Na Locale Trattoria, a burrata al limone aparece na entrada, com emulsão de limão siciliano, tomate-cereja confit e pão italiano. No Ristorantino, ela sai do antepasto e vira prato principal, recheando os raviolis, servidos com molho de tomate e camarão. No Gero Panini lá está ela, escoltada por legumes grelhados… E dá-lhe burrata no sanduíche, no Coliseum Panini tem um ótimo; e na pizza, ao pesto, com presunto cru, com pistache e limão siciliano, com vegetais grelhados…
Não é só aqui, não. A burrata anda em alta pelo mundo. E viraliza facilmente no Instagram e no TikTok. Quer conferir? Procure por bomba de tomate. Aparentemente trata-se de um simples tomate, tipo caqui, grande, bem maduro e sem pele. Mas quando se corta uma fatia, a burrata escorre de dentro dele…Parece um prato elaborado. Que nada, em dois minutos de vídeo você aprende a fazer: só tirar a pele do tomate na água quente, com cuidado para não machucar a superfície.
Depois, você faz um corte na parte de baixo, tira o olho, cava um pouco o miolo e encaixa a burrata ali. Vira de cabeça para baixo, põe no prato, tempera com azeite, sal ou um pouquinho de pesto, corta e… deixa escorrer.