A dois dias da precificação, o IPO da Centauro tinha ontem ordens equivalente a duas vezes e meia o tamanho da oferta, igualmente divididos entre locais e estrangeiros, segundo investidores que acompanham o processo.

A expectativa é que a oferta saia no piso da faixa de R$ 12,10-R$ 14,70 por ação, dando à companhia um valor de mercado de R$ 2,6 bilhões.

Se não é exatamente um sucesso retumbante, a conclusão da oferta é uma vitória para uma empresa forçada a cancelar sua tentativa anterior, há menos de um ano e meio.

Na época, endividada e vivendo anos difíceis, a Centauro vendia a promessa de uma integração entre online e offline que poderia impulsionar a receita e as margens. Ninguém quis pagar para ver, e a oferta micou.

Fast forward e a companhia — a líder no varejo de artigos esportivos no Brasil — deu um sprint.  

“É uma empresa que vem entregando o que prometeu e cuja gestão tem uma visão muito clara do que pensa para o futuro”, resume um gestor do Leblon.

Hoje, a grande narrativa da Centauro é a multicanalidade, uma estratégia que cada vez mais ganha protagonismo no varejo.

Desde sua última tentativa de IPO, a Centauro converteu 11 lojas e inaugurou outras cinco no formato chamado de G5.

Neste tipo de loja, o cliente dispõe de um tablet em cada provador e pode pedir novas peças para provar. O estoque é estendido: é possível pedir online na loja e receber em casa. Outra inovação: menos filas. Cada vendedor tem um sistema móvel e finaliza a compra sem necessidade de passar pelo caixa.

O faturamento aumentou cerca de 25% nas lojas convertidas. O plano agora é converter 20 lojas e abrir de 10 a 20 por ano. (Hoje a rede tem 192 lojas em 23 Estados).

Quando foi a mercado no começo de 2018, a Centauro queria levantar dinheiro para bancar a expansão desse novo formato. Conseguiu entregar mesmo sem a captação, financiada principalmente pelos fabricantes que vendem nas suas lojas e pelos próprios shoppings. “Eles sinalizavam que iam entregar um EBITDA após a captação e cumpriram o que prometeram mesmo sem ter dinheiro”, diz um gestor da Faria Lima que botou uma ordem grande para o papel.

Com a oferta — totalmente primária — o custo das despesas financeiras já deve diminuir, dado que a companhia vem se financiando muito em cima da antecipação de recebíveis, que custa caro.

Além do novo modelo, a Centauro integrou todo o estoque online e offline. Com isso, além do click and collect, as compras feitas pela Internet são abastecidas com o estoque da loja mais próxima, reduzindo o tempo e o custo das entregas centralizadas em centros de distribuição.

Em 2018, a venda online representou 16% da receita da Centauro, um crescimento de 40% frente o ano anterior. O omnichannel já representa 44% do ecommerce da companhia, nas modalidades de clique e retire ou de entrega a partir do estoque das lojas.

No último ano, a Centauro cresceu, ganhou margens e gerou caixa. “Isso, num momento em que estava reformando lojas e integrando online, que é onde muita gente grande escorrega”, aponta um analista.

A companhia saiu de um prejuízo de R$ 60 milhões em 2016 para um  lucro de R$ 241 milhões em 2017. Com os gastos com reformas e expansão, o lucro caiu para R$ 149 milhões ano passado.  A dívida líquida, que correspondia a quatro vezes a geração de caixa em 2017, caiu para 2,1 vezes este ano. (Parte dos cerca de R$ 700 milhões que serão levantados com a oferta vai para desalavancagem.)

Fundada em 1981 em Belo Horizonte por Sebastião Bomfim Filho, a Centauro é líder no mercado de artigos esportivos, mas com uma fatia pequena, de 5%. Parte da tese secular do negócio é que há espaço para ganhos de share num segmento dominado por concorrentes pequenos e regionais.

A francesa Decathlon é o maior player internacional que atua no País, mas tem um modelo diferente, voltado mais para marcas próprias. A Centauro é a única varejista considerada ‘key account’ para a Nike no Brasil.

Durante o roadshow, o CEO Pedro Zemel — um ex-executivo da GP com passagem pela Unilever — deixou claro o posicionamento do negócio: a Centauro não quer ser uma empresa de tecnologia, mas de serviços.

A ideia é oferecer tudo voltado ao esporte: da compra de equipamentos até aluguel de prancha, passando por encontrar um personal trainer pelo aplicativo da companhia.

A principal controvérsia entre os investidores diz respeito ao peso de um benefício fiscal que a companhia ganha na distribuição — concentrada em seu CD em Extrema, Minas Gerais. Hoje, esse incentivo representa metade do lucro — e vence em 2022.

Considerando as estimativas de lucro dos bancos que estão assessorando a companhia, no piso da faixa a Centauro sairia a 16 vezes o lucro para este ano — um número relativamente confortável no varejo brasileiro se comparado a empresas mais redondas.

Descontando o benefício fiscal, o múltiplo fica mais salgado — na casa de 20 vezes altas a 30 vezes, a depender da conta do freguês. A maioria dos gestores tem feito uma conta em que o benefício fiscal representa um terço do lucro, conforme sinalizado pela companhia. Isso porque, para ter acesso ao benefício, há algumas ineficiências de distribuição: grosso modo, a Centauro tem que fazer a mercadoria circular para poder ter a isenção fiscal.

“O benefício fiscal realmente é uma questão, mas cabe no preço”, diz um gestor. “Quem está comprando está acreditando na melhoria da economia e na capacidade da empresa de entregar e, se isso tudo se confirmar, essa questão fiscal acaba sendo mais micro”. 

Um outro pondera: “E que companhia de varejo não esse tipo de benefício? Existe em Hering, Arezzo, e ninguém fala nada”.

Sebastião Bomfim, o fundador, é dono de 62% do capital. O segundo maior acionista é a GP, que investiu na empresa em 2012 e tem 35%. Após a oferta, essas participações devem ser diluídas para 44% e 25%, respectivamente. Cerca de 30% ficarão em circulação no mercado.

Os coordenadores da oferta são Bradesco BBI (líder), Itaú BBA, BTG, Goldman Sachs, BB Investimentos e Credit Suisse.

 

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