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O Brasil é o maior exportador de carne bovina do mundo. Mas ao contrário de Uruguai e Austrália, que identificam individualmente cada boi em seu território, o País não conta com uma política pública de rastreabilidade.
Trata-se de uma lacuna que compromete a inserção do País no mercado internacional e traz danos reputacionais que poderiam ser evitados.
A boa notícia: já temos as ferramentas necessárias para rastrear cada cabeça de gado e, assim, garantir a consumidores de todo mundo que nossa carne é produzida de forma sustentável.
Na entrevista a seguir, Roberto Waack — uma das maiores autoridades do Brasil em meio ambiente, membro dos conselhos consultivos de organizações como WWF Brasil, Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, Uma Concertação pela Amazônia, e integrante do conselho de administração da Marfrig — explica como o País e o setor podem dar um salto exponencial no controle de sua cadeia pecuária.
No ano passado, 10,5% do volume total de carne bovina exportada pelo País teve como destino a Europa. Ainda há espaço para crescimento da carne brasileira nesse mercado?
Tão ou mais importante do que o volume negociado com países de dentro ou fora da União Europeia, é a capacidade de adequação às exigências, cada vez mais rígidas, que vêm de lá. O bloco econômico estabelece requisitos que se transformam em práticas globais, como a proibição de importação de produtos de áreas que foram desmatadas. Ser capaz de atender esse mercado significa teoricamente ser capaz de atender o topo da pirâmide do que está sendo demandado em políticas internacionais.
Essas exigências são pautadas pelo consumidor europeu, extremamente consciente, que pressiona o mercado e os políticos a exigir um produto “limpo” do ponto de vista social e ambiental. O consumidor europeu quer garantia de que o produto que está comprando tem baixa pegada de carbono, zero pegada de desmatamento, grande preocupação com bem-estar dos animais e justiça social.
Quais devem ser os próximos passos do Brasil na busca pela sustentabilidade na cadeia?
O Brasil precisa sinalizar para o mundo que, de fato, se preocupa com o desmatamento. Esse tema foi retomado nos últimos meses, mas ainda não é suficiente. Temos que demonstrar na prática a redução no desmatamento. E isso requer uma agenda de desenvolvimento em que é fundamental a inclusão social. Se não houver a inclusão do pequeno produtor, que frequentemente está desassistido e em alguns casos não tem alternativa a não ser desmatar, o problema do setor não será resolvido.
O processo de inclusão desse produtor pressupõe assistência técnica, crédito, apoio à adequação ao código florestal. Parte desse processo depende de uma política nacional e de ações no campo do desenvolvimento econômico. Mas muito pode ser feito no campo da microeconomia pelas empresas que atuam nessas regiões.
Qual a importância da adoção de políticas públicas de rastreabilidade no Brasil?
A Marfrig está à frente de todos os índices relacionados à rastreabilidade. Além do reconhecimento da sociedade civil, é considerada uma importante liderança na discussão do tema e na aplicação prática de instrumentos de rastreabilidade.
Mas a implementação de uma política de rastreabilidade completa depende também de políticas públicas. Não é algo que o setor privado consiga fazer sozinho. Uma empresa, sozinha, pode se comprometer e buscar fazer o melhor na busca pela sustentabilidade. Mas, se não houver um esforço conjugado, a reputação do país e do setor continuarão comprometidas.
Que particularidades da cadeia pecuária brasileira devem ser considerados na criação das políticas públicas de rastreabilidade?
Uma das questões mais importantes é reconhecer a heterogeneidade do setor. Não há um sistema único de produção da proteína animal no País. Há diversos sistemas de produção. De um lado, há cadeias de suprimentos super rastreadas e bem estruturadas, como é o caso da cadeia da Marfrig. De outro, há organizações que não têm nenhum interesse comercial na carne em si. O foco delas é a questão fundiária. Para conquistarem novas propriedades, usam os bois para marcar território.
Considerar isso é importante não apenas no processo de disseminação da rastreabilidade, mas também para o tema da pegada de carbono. Já há no Brasil sistemas de produção com controle de pastagem, com combinação de floresta e pasto que são carbono neutro. Tratar tudo como se fosse uma só coisa é o maior erro que cometemos hoje.
Cada sistema de produção tem sua demanda de política pública diferenciada. A Marfrig tem buscado levar essa discussão para esse novo patamar. Isso é uma discussão de alto nível, de indústria sofisticada, que pode de fato ajudar o País a evoluir em suas práticas e em sua reputação internacional.
Os custos para a implementação de uma política pública de rastreabilidade são impeditivos no curto prazo?
O Brasil tem condições de dar um salto quântico na implementação da rastreabilidade utilizando ferramental já existente, sem a necessidade de um enorme investimento. Se aplicar o conjunto de informações já existente, relacionadas ao uso da terra (Código Florestal) e logística transformando em políticas públicas integradas, teremos uma evolução gigantesca.
A GTA (Guia de Trânsito Animal) é um desses instrumentos. Ela é obrigatória, funciona e foi bem implementada, inclusive eletronicamente. Hoje é utilizada principalmente para fins sanitários. Se utilizarmos tecnologia blockchain para proteger os dados, as informações coletadas pela GTA, combinadas com o CAR (Cadastro Ambiental Rural), poderiam melhorar exponencialmente a rastreabilidade do setor e ajudar a identificar as áreas de maior e menor risco em toda a cadeia produtiva.
Saberemos claramente que regiões precisam ser mais firmemente auditadas, pois teremos automaticamente a informação sobre em quais áreas o animal transitou. Essas informações existem, mas não são compartilhadas. Se conseguirmos avançar, a reputação do Brasil dará um salto enorme. Poderemos chegar aos mercados europeus, e em todo o mundo, e mostrar que temos um sistema altamente sofisticado, que envolve satélites de alta precisão e sistema de blockchain na proteção de dados. Poderemos fazer diligências mais intensas para garantir que o produto que vendemos está sendo produzido de forma adequada.
Os avanços da Marfrig para rastrear sua cadeia de produção de ponta a ponta:
- 100% das fazendas fornecedoras diretas são monitoradas via satélite.
- 8.000 fornecedores diretos 100% deles participam do Programa Marfrig Club, que dissemina boas práticas de sustentabilidade à cadeia de produtores brasileiros.
- US$ 30 milhões em investimentos na gestão da cadeia de fornecedores localizados nos biomas da Amazônia e do Cerrado até 2025.
- € 1,75 milhão de investimentos, até 2025, no Programa Bezerro Sustentável, que oferece apoio técnico e ambiental aos pequenos produtores do Vale do Juruena (MT), na Amazônia.
- 3.800 produtores diretos tiveram acesso a plataforma de rastreabilidade baseada em blockchain, passando a ter visibilidade total da cadeia de produção da carne.
Fonte: Marfrig