Na esteira das declarações dadas nesta terça pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reforçando que o governo busca com os bancos alternativas para diminuir os juros cobrados no rotativo do cartão de crédito, entidades que defendem o comércio e serviços se manifestaram pelo real engajamento em torno da manutenção do parcelamento de compras sem juros.

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP), por exemplo, é contrária ao fim do parcelamento sem juros.

Segundo a entidade — que lidera empresas do comércio, serviços e turismo no Estado de São Paulo —, a medida não serve como antídoto para o problema e pode prejudicar milhares de negócios, em especial os micro e pequenos. A federação listou uma série de propostas e sugere um teto para o rotativo, a exemplo do que já ocorre com o cheque especial.

A preocupação da FecomercioSP é que o limite, ou o impedimento da utilização do parcelamento sem juros, cause reverberações negativas na economia. O crédito, aliado ao emprego e à renda, é um dos pilares essenciais na determinação dos padrões de consumo da população. A entidade lembra ainda que o instrumento tem um papel imprescindível no desempenho econômico do varejo nacional, atuando como um propulsor das inclusões financeira e social.

Além disso, a medida poderia comprometer, ao invés de melhorar, a saúde financeira dos consumidores, exacerbando a inadimplência.

O presidente do BC disse que é “preciso achar um equilíbrio” no rotativo, discorrendo sobre a possibilidade de os bancos retirarem cartões de circulação caso haja limitação de juros nessa modalidade. “Por outro lado, a função do parcelado sem juros é muito importante para a economia e consumo,” pontuou durante almoço promovido pela Frente Parlamentar Mista do Empreendedorismo (FPE) e representantes do Instituto Unidos Brasil (IUB), em Brasília.

Para a FecomercioSP, a ideia pode ficar apenas no discurso e foi ostentada para acalmar os ânimos do mercado. E é nessa busca de soluções compensatórias que está o risco de aleijar o parcelado sem juros, quando concretamente esta modalidade não é a maior responsável pela inadimplência.

Alavanca

Para o comércio, esse mecanismo não só funciona como uma alavanca do valor médio das transações como também aprimora, significativamente, a administração do estoque, já que ao oferecer a possibilidade de parcelamento, os consumidores podem adquirir outros produtos.

Além disso, é importante reconhecer que o rotativo no cartão e o parcelamento sem juros são instrumentos diferentes. No primeiro caso, os juros incidem sobre o valor da fatura quando o consumidor não paga dentro do prazo. Já no segundo, um acordo é firmado entre consumidor, lojista e administradoras de cartões para viabilizar as vendas do varejo. A mistura dos conceitos, alerta a FecomercioSP, pode gerar grandes problemas à economia caso o fato não seja levado em conta nas propostas.

Segundo a federação, a concepção de que os exorbitantes juros do rotativo se devem ao parcelamento sem juros carece de precisão analítica. O dilema reside, pelo contrário, nas taxas astronômicas associadas ao instrumento. Essa análise se torna ainda mais evidente quando se nota a envergadura financeira que o mercado emissor de cartões de crédito representa.

Um levantamento realizado pelo J.P. Morgan mostra que o universo dos cartões de crédito é intrinsecamente lucrativo, e os juros rotativos não desempenham papel primordial para equilibrar os custos inerentes ao parcelamento — modalidade essa que, por sinal, configura-se como um manancial de rentabilidade para os bancos. Em 2022, o segmento emissor de cartões de crédito mobilizou impressionantes R$ 85 bilhões. Desse volume financeiro, a Tarifa de Intercâmbio (TIC) correspondeu a R$ 23,7 bilhões (representando 28%), enquanto o rotativo abarcou R$ 26,9 bilhões (equivalente a 32%) e o parcelamento onerado com juros atingiu R$ 22,3 bilhões (ou 26% do total).

Além disso, os emissores colhem benefícios advindos de outras tarifas, como as anuidades pagas pelos portadores dos cartões. Dessa forma, conclui a entidade, é evidente que há margem para que as instituições financeiras reduzam as taxas de juros no rotativo. Para enfrentar esse desafio, a FecomercioSP propõe:

  • estabelecer limites para empréstimos de acordo com a faixa de renda do consumidor;
  • promover a competição no mercado de crédito: diminuir barreiras para encorajar novos agentes a entrar no mercado;
  • fortalecer a segurança jurídica: tornar o processo de empréstimo mais transparente e ágil;
  • adotar iniciativas de educação financeira/uso consciente do crédito: conscientizar acerca dos riscos envolvidos e disponibilizar informações com linguagem acessível aos usuários — medida reconhecida como eficaz pelo próprio Banco Central

 

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