Numa carta a investidores publicada hoje, a Atmos Capital disse que as reformas econômicas feitas em raros momentos de sensatez política posicionaram o País para o próximo ciclo de crescimento – desde que a trajetória da dívida pública seja encarada com responsabilidade.

“A correção de rumo exigirá bem menos suor do que no passado,” disse a gestora que administra R$ 15 bi. (A íntegra da carta está aqui.)

Segundo a Atmos, a falta de disciplina fiscal do Governo pressiona o custo de capital e freia o crescimento – mas, ao contrário de ciclos anteriores, este é impulsionado pela iniciativa privada, e uma melhora na percepção fiscal pode revelar um crescimento soterrado pelas trapalhadas do Lula 3.

Por fim, a Atmos diz que os valuations estão mais atraentes do que a média histórica, com a possibilidade de um duplo movimento de fechamento da curva longa e queda do prêmio de risco.

“No Brasil, como em qualquer mercado emergente, a verdadeira oportunidade surge quando o caminho ainda não está totalmente claro, e sim quando, com a base já estabelecida, ajustes rápidos e viáveis podem colocar tudo nos eixos — e, com o tempo, o que parecia turvo começa a se ajustar de forma favorável. “

Abaixo, três trechos da carta:

Não tão ruim quanto parece

“A polarização política transformou quase tudo em instrumento eleitoral e afastou a academia do debate produtivo, dificultando um diálogo ancorado em dados.

E quem não sabe aonde quer chegar dificilmente percebe quando já está perdido. A boa notícia é que, desta vez, não precisamos mobilizar uma geração inteira de economistas brilhantes para decifrar como escapar de uma inflação inercial galopante. 

O País avançou muito nas últimas três décadas. Superamos dois dos três desafios econômicos do último século: vencemos a hiperinflação e o desequilíbrio na balança de pagamentos. Falta agora enfrentar a questão do déficit e, portanto, a trajetória da dívida pública.

Para isso contamos hoje com instituições mais robustas, dados mais confiáveis e indicadores transparentes que funcionam. A correção de rumo exigirá bem menos suor do que no passado. Não é preciso reinventar a roda: corrigir os benefícios sociais vinculados ao salário mínimo apenas ligeiramente acima da inflação já resolveria boa parte da pressão fiscal.

O que falta, de fato, é vontade e coragem política para fazer o que seria benéfico para todos, embora possa ser mal compreendido no curto prazo.”

A autossabotagem do Lula 3

“Infelizmente, parte desse progresso tem sido obscurecida por uma narrativa equivocada promovida pelo governo atual, que insiste em negligenciar o equilíbrio fiscal e alimentar uma disputa infantil contra supostas elites econômicas, uma fábula moral previsível sustentada ao lado de uma personagem difusa conhecida como mercado, convenientemente convertida em antagonista político. Essa postura tem pressionado o custo de capital, minado a confiança e dificultado a tradução das reformas recentes em crescimento sustentável e benefícios concretos para a população. (…)

Diferentemente dos ciclos anteriores, marcados pela forte intervenção estatal na alocação de capital – seja por meio de juros subsidiados via bancos públicos ou pela atuação direta das grandes estatais, que resultaram repetidamente em investimentos mal alocados, colapsos econômicos, estagnação prolongada e ajustes dolorosos – o ciclo mais recente teve uma característica distinta: os investimentos foram majoritariamente conduzidos pela iniciativa privada.

Esse avanço foi possível devido a um período breve de juros reduzidos e à autorização para emissão de títulos isentos, estimulando o desenvolvimento de um mercado de capitais mais dinâmico e acessível, finalmente permitindo-lhe cumprir seu papel como financiador de longo prazo da economia. (…)

“A iniciativa privada, finalmente, se consolida como a locomotiva que puxa um Estado ainda ineficiente. A frase atribuída a Churchill segue atual: “o empresário ainda é visto por muitos como um lobo a ser abatido ou uma vaca a ser ordenhada, quando na verdade é o cavalo que puxa a carroça”.

Nesse contexto, é válido questionar se a econometria está subestimando o verdadeiro potencial de crescimento da economia brasileira. Não por acaso, as projeções econômicas vêm sendo constantemente revisadas para incorporar um crescimento do PIB mais robusto ao longo dos anos. 

A oportunidade Brasil

“Ao analisarmos as empresas nas quais investimos, notamos um prêmio de equity consideravelmente mais alto do que o observado historicamente.

A liquidação forçada de diversos fundos, em meio a resgates expressivos, somada à saída dos investidores estrangeiros sem a presença de um comprador marginal claro, pressionou os preços das ações para níveis deprimidos.

Pela primeira vez em muito tempo, é possível vislumbrar um movimento duplo: fechamento da curva de juros longos acompanhado de uma redução no prêmio de risco — uma combinação poderosa que pode alavancar os preços das ações quando a percepção de melhora finalmente se consolidar.

Em nossa carteira, são raras as empresas reguladas cuja taxa interna de retorno, medida pelo fluxo de caixa descontado em relação ao valor de mercado, seja inferior a 12% real. E entre as líderes de mercado, com modelos de negócio sólidos e posições competitivas bem estabelecidas, múltiplos superiores a 10 vezes lucro são exceção, não regra. (…)

No Brasil, como em qualquer mercado emergente, a verdadeira oportunidade surge quando o caminho ainda não está totalmente claro, e sim quando, com a base já estabelecida, ajustes rápidos e viáveis podem colocar tudo nos eixos — e, com o tempo, o que parecia turvo começa a se ajustar de forma favorável. É nesse intervalo entre a dúvida e a reconstrução que se formam os retornos mais consistentes, reservados àqueles que carregam a paciência, esse privilégio discreto de quem pode esperar.”