Paul Romer, que ganhou o Nobel de Economia de 2018 por seu trabalho sobre a importância da inovação e do investimento em capital humano para o desenvolvimento, já foi um dos economistas mais celebrados no Vale do Silício.
Nos últimos anos, no entanto, Romer se tornou um grande crítico das Big Techs.
“Fui um grande defensor das empresas de tecnologia, da revolução da internet e da inovação do setor privado, mas fiquei extremamente decepcionado com o que eles entregaram,” Romer disse ao Brazil Journal.
Em um longa conversa na segunda-feira, um dia antes de sua apresentação no evento Global Voices, da Confederação Nacional do Comércio, Romer comentou as razões que o levaram a se distanciar do pensamento liberal puro-sangue da Universidade de Chicago – sua alma mater – e por que hoje defende um Governo forte e capaz de dizer não para as grandes corporações.
Uma de suas principais críticas diz respeito aos malefícios da mídia digital – na polarização política, na saúde mental das pessoas, na capacidade intelectual.
“As pessoas estão ficando mais burras nos EUA e não estão vivendo tanto quanto poderiam,” disse. “Não é uma sociedade que está progredindo.”
Atualmente no Boston College, Romer já deu aula em Chicago, Berkeley e Stanford. Foi também vice-presidente e economista-chefe do Banco Mundial.
A seguir, uma síntese da entrevista.

O que achou do Nobel deste ano? Foi um prêmio na sua área de pesquisa, a importância da inovação para o crescimento econômico de longo prazo.
O prêmio foi para coisas que fazíamos há 20 anos. Estou tentando abordar uma nova agenda. Muitas pessoas ainda acham que basta ter progresso tecnológico para resolver tudo. Minha mensagem é: “Não, isso não é verdade.”
A questão central é, como empregar as possibilidades que as novas tecnologias abrem. Se você as usa para melhorar a qualidade de vida da maioria das pessoas, para melhorar a sociedade, então isso lhe dá a oportunidade de melhorar as coisas.
Mas se você usa tecnologias para fazer coisas que só ajudam uns poucos, que prejudicam a economia tradicional, que prejudicam a qualidade de vida, a tecnologia pode causar enormes danos.
Neste momento, temos essa corrida cega para desenvolver novas tecnologias. O que precisamos é de Governos que defendam os interesses dos cidadãos e digam quando necessário: “Não, vocês não podem fazer isso com a sua tecnologia. Porque seria prejudicial.”
No momento, não temos Governos fortes o suficiente para dizer não para essas empresas. Então, elas estão causando muitos danos. São muito poderosas politicamente, então é difícil detê-las.
Mas a economia americana ainda é uma das mais produtivas do mundo. Isso não é algo positivo?
Sou muito pragmático. Como poderíamos medir se estamos realmente progredindo nos EUA?
O PIB per capita é uma medida. Mas ele pode aumentar mesmo que um punhado de pessoas receba US$ 1 trilhão e o resto da população não ganhe nada a mais. Então, essa é uma medida potencialmente bastante distorcida.
O que mais poderíamos observar? Expectativa de vida. As pessoas estão vivendo mais? Essa é uma boa medida de progresso.
Os EUA pararam de progredir na expectativa de vida. Na verdade estão caindo, ao contrário da maioria das outras sociedades.
Quando alguém olha para os EUA e diz: “Ah, é uma potência,” é porque está olhando para os preços das ações ou para os ricos.
Algo está realmente errado nos EUA.
Que outros indicadores mostram essa sua percepção?
Há indícios iniciais de que a população americana esteja se tornando menos instruída. As pessoas não sabem raciocinar como antes.
Ao longo do século 20, o QI médio aumentou cerca de 3 pontos percentuais por década. Então, em dez décadas, isso representou mais de 30 pontos percentuais. É um número enorme.
Mas essa evolução estagnou em 2010, e agora o QI médio está diminuindo. Essa virada coincidiu com o surgimento das mídias sociais. Há suspeita de que exista uma relação aí – provavelmente, a erosão da leitura e da comunicação cara a cara com outras pessoas.
As pessoas estão ficando mais burras nos EUA e não estão vivendo tanto quanto poderiam. Não é uma sociedade que está progredindo.
O senhor morou por muitos anos na Califórnia, na região do Vale do Silício. Qual a sua avaliação das empresas de tecnologia?
Fui um grande defensor das empresas de tecnologia, da revolução da internet e da inovação do setor privado.
Fiquei extremamente decepcionado com o que eles entregaram.
Culpo em boa parte os economistas por essa frustração. A partir das décadas de 1950 e 1960, começamos a repetir a ideia de que o Governo é o problema. “Deixe o mercado resolver e tudo vai ficar ótimo.”
Essa tem sido uma mensagem totalmente falsa. Foi promovida por razões políticas, sem uma base econômica sólida.
A mensagem que precisa ser passada é que, se houver um Governo forte que possa representar todas as pessoas e usar novas oportunidades para beneficiar a todos, então uma sociedade poderá progredir.
Às vezes, o Governo deve ajudar a desenvolver novas tecnologias, como inovações em assistência médica.
Mas o Governo precisa estar pronto para dizer “Não!” ao setor privado. E foi aí que falhamos.
Temos sido muito lentos e hesitantes em fazer isso nos EUA. E os economistas têm sido parcialmente culpados.
Durante o Governo Biden, houve a tentativa de disciplinar as grandes empresas e combater os monopólios. Teve algum efeito prático?
Biden nomeou algumas pessoas que começaram a tomar algumas medidas antitruste.
Mas se olharmos para os últimos 40 anos, acho que os Democratas foram tão complacentes quanto os Republicanos. Trump está fazendo coisas que vão piorar a situação. Mas Trump também é uma figura muito polarizadora. Nunca chegaremos a um consenso se tratarmos disso como se fosse algo relativo a Trump.
Acho que podemos concordar que não deveríamos, por exemplo, deixar que empresas viciem pessoas em opióides. Deveríamos ter um Governo que impeça esse tipo de coisa.
É um absurdo falar de regulamentação como sendo um problema. É simplesmente uma loucura. É incrível como poucas pessoas estão dispostas a se levantar e dizer que a regulamentação é o que nos protege. É o que nos mantém seguros.
A comunidade intelectual tem aceitado demais essa narrativa de que o Governo não consegue fazer nada direito. O que precisamos dizer é: “Se o Governo não acertar, teremos então que desistir do progresso.”
Alguns Governos ao redor do mundo vão acertar e fazer coisas boas. Esses países vão progredir. Ninguém vai acertar sempre, claro, mas se não houver um Governo que consiga acertar pelo menos parcialmente, então você está condenado.
Precisamos exigir que um Governo faça o seu trabalho. Se ele não fizer, você estará fadado a ter problemas.
Então, voltando ao começo da nossa conversa. Mais tecnologia, em um contexto em que o Governo não está fazendo o seu trabalho, provavelmente não vai ser algo tão benéfico.
Estou disposto a admitir que muito do que eu estava fazendo como economista estava errado. Eu vim de Chicago. Conheci Milton Friedman e George Stigler [dois dos mais influentes economistas liberais do século XX, ambos ganhadores do Nobel].
Mas muito desse conhecimento segue válido, não? Como por exemplo a sua pesquisa sobre inovação e crescimento.
Dei uma contribuição. Muitas pessoas tinham a intuição de que a inovação era a chave para o progresso. Mas as pessoas não tinham percebido como pensar nisso com clareza. Não tinham percebido como formalizar isso nos modelos.
Mas a inovação impulsionada pelo mercado está intrinsecamente ligada ao monopólio.
Deveríamos ter alertado que o Governo precisa proteger ainda mais a concorrência hoje do que no passado.
O Brasil tem um Governo grande, mas que não funciona bem.
Esse é o problema. Não deveríamos nos concentrar no grande. Deveríamos nos concentrar no que não funciona bem. O que você deveria dizer é: vamos fazer funcionar bem.
Precisamos contratar pessoas muito boas para o Governo. Mas também não queremos fazer de um emprego público uma garantia, uma sinecura vitalícia. Se alguém não tiver um bom desempenho, que saia do caminho e deixe alguém fazer o trabalho.
Esta também é uma mensagem importante. Mas é diferente de simplesmente cortar. É completamente diferente.
Agora, com o advento da inteligência artificial, você acredita que as grandes empresas vão se tornar ainda mais poderosas?
Vou lhe dar uma explicação bem simples sobre minha posição sobre AI.
A AI deveria ser como a matemática. É como a fórmula quadrática [fórmula de Bhaskara]. Ninguém deveria ser dono dela.
Todos deveriam usar livremente. Ninguém deveria lucrar com isso. Podemos desenvolver a tecnologia usando organizações governamentais de ciência, assim como fizemos com a matemática e a física – e também com a energia e as armas nucleares.
Nunca dissemos algo como: “Deixe Elon Musk desenvolver a bomba de hidrogênio porque precisamos de uma bomba de hidrogênio.”
Parece difícil mudar a situação nos EUA. Mas por que o Brasil deveria deixar um monopolista controlar a pesquisa tecnológica e a produção intelectual daqui para frente?
O que deveria mudar?
A primeira coisa que eu impediria seria o modelo de publicidade na internet. Ele está destruindo a política em todos os lugares.
A China, nesse caso, está do lado certo. Viu que não há como ser positivo para a sociedade se um monopolista obtiver lucros com a AI. Então tornou isso algo gratuito. É uma solução correta.
A competição tecnológica com a China se transformou em uma justificativa política para fortalecer as Big Techs dos EUA?
Se você der ouvidos ao que as grandes empresas dizem…
Os economistas já foram melhores, sabendo dizer não quando necessário.
Eu costumava ser o economista mais otimista, mas minha mensagem para o resto do mundo agora é: “Não sigam os EUA.”
A polarização que estamos vivendo, os problemas de saúde mental que estamos vendo entre os jovens, são sinais dos efeitos perniciosos das redes sociais.
Como vê a ascensão da China? É uma ameaça para os EUA?
Na maior parte da história, tivemos um sistema global baseado na noção de impérios. Após o Tratado de Vestfália [1648], na Europa, nasceu uma noção diferente, a do Estado soberano. Cada país toma suas próprias decisões. O Estado soberano de Vestfália foi uma invenção muito importante e bem-sucedida.
Agora, de repente, enfrentamos um novo mundo onde há grandes atores querendo impor novamente o sistema imperial: a China, claramente, a Rússia também, e talvez os EUA.
Então, quais serão os países que vão se levantar para proteger a noção de Estado soberano?
Um grande ator será a Índia. Ela sabe o que é ser uma potência imperial.
Espero que a Índia escolha o lado do Estado soberano. O Brasil também precisa ser um grande ator, que pode ajudar na defesa do Estado soberano.
Vocês fazem parte dos BRICS. Expulsem os russos, deixem os chineses de lado, e conversem com os indianos.
O Brasil deveria formar uma aliança com todos os outros Estados anti-imperialistas – e, se os EUA impuserem uma tarifa de 50% sobre qualquer um desses países, todos deveriam impor tarifas de 50% em retaliação aos EUA. O mesmo poderia valer contra a China.
Precisamos de uma nova aliança de Estados soberanos que resistam a essas invasões imperiais. Isso significa enfrentar não apenas um país como os EUA, mas também grandes empresas.
Essas nações precisam dizer que não querem o atual modelo de publicidade digital. Precisam afirmar que não aceitam essa versão corrupta do mercado.
Aqui está o meu pedido de desculpas, como um Chicago boy.











