Depois de três anos ruins, Marcio Appel teve uma performance respeitável em 2024.
O Adam Macro – principal fundo da Adam Capital, a casa que Appel fundou em 2016 e hoje tem R$ 3 bi sob gestão – rendeu 28,9%, ou 265% do CDI. O fundo não batia o benchmark desde 2020.
O retorno do ano passado foi o melhor desde o início e um dos mais elevados entre os fundos multimercado, e fez o Adam Macro voltar a bater o CDI desde o início, com uma performance de 103% do CDI.
No final de 2023, a Adam – que já chegou a ter R$ 30 bi sob gestão em 2018 – viu seu flagship fund rodar a 73% do CDI desde o início.
Appel continua otimista com os Estados Unidos e pessimista com o Brasil.
Boa parte da rentabilidade de 2024 veio de investimentos que seguiram o desempenho do Nasdaq – e de uma aposta na baixa da Bolsa brasileira.
Appel mantém as posições agora em 2025. Para ele, o mercado americano está muito longe do potencial, e o brasileiro… “ainda não caiu nada”.
Nesta conversa com o Brazil Journal, ele também diz que ganhar dinheiro com a Bolsa no Brasil é mais exceção do que regra.
“A Bolsa brasileira nunca teve um período longo de desempenho positivo. Já tivemos momentos de alta, mas o estrutural é ruim. Aqui o mercado sempre perde.
Nos Estados Unidos é o contrário. A Bolsa pode ir mal em certos períodos, mas o estrutural aponta para uma tendência de alta.”
Muitos investidores e analistas dizem que a Bolsa americana ficou cara. Você continua comprado. O que pode dar retorno?
A Bolsa americana ainda não subiu nada. Estamos um pouco distantes do consenso nisso, o que pode ser positivo. A posição junto com o consenso é mais arriscada, porque, se ela se mostra equivocada, você e uma manada precisarão correr para a saída – e às vezes essa porta é pequena.
Apesar de haver um certo consenso de que a economia vai bem, existe outro de que a Bolsa andou bastante e, portanto, o espaço para ganhar é menor – principalmente nas big techs. Então seria melhor diversificar.
Nossa visão é de que a economia americana ainda vai acelerar muito. Estamos no início de uma decolagem espetacular, oriunda de um otimismo completamente justificado pelas eleições, que tiraram os Estados Unidos de um caminho ruim.
As medidas de desregulamentação e redução do Estado ajudam a melhorar os fundamentos.
Além disso, algo que já vinha acontecendo e que se sobrepõe a isso tudo é o ganho de produtividade gerado pela inteligência artificial.
O mercado subestima muitíssimo os impactos da IA.
Por quê?
Isso é comum ao longo da história: uma dificuldade de prever evoluções que são exponenciais.
Os custos de inferência de modelos de IA caíram 99% nos últimos dois anos. 99%!
Quem trabalha com isso precisa prever um modelo considerando o custo computacional de quando ele começar a funcionar, daqui a seis meses ou um ano. O custo pode ser drasticamente diferente.
É um nível de aceleração e de inovação que nunca vimos, e as empresas nos EUA estão na vanguarda da adoção dessa tecnologia.
A regulamentação da Europa é tão ruim que isso vai atrasar a implementação por lá e deixar esses mercados ainda mais para trás.
Como vocês estão investindo para ganhar com isso?
Temos uma posição em Nasdaq desde 2024: já deu dinheiro, mas tem potencial para entregar muito mais.
Diminuímos a ênfase em single names e investimos no índice, que captura bem esse movimento.
Se não houver pressão de custos por causa desses ganhos de produtividade com IA e o juro não subir nos EUA – ou eventualmente até cair – o cenário é paradisíaco.
Mas existe a chance de o juro americano subir.
Ainda assim, a Bolsa pode performar bem. Em diferentes momentos da história, o mercado de ações americano valorizou em períodos de alta de juros.
Mas temos uma proteção que é uma posição tomada em juros, que dá retorno caso as taxas subam.
Comprado em índice, como você gera valor para o cotista do seu fundo? Ele poderia simplesmente comprar um ETF de Nasdaq.
O valor agregado é a combinação das posições. No ano passado, ganhamos dinheiro comprados em Bolsa americana, comprados em dólar contra real, tomados em juros, vendidos em Bolsa brasileira, comprados em ouro – só para dar alguns exemplos.
É bem diferente de comprar um ETF. Não estou dizendo que comprar o ETF de Nasdaq e carregar pelos próximos dez anos vai ser ruim.
Mas espero que meu portfólio mais trabalhado tenha uma rentabilidade e um Sharpe (índice que mede a relação entre o risco e o retorno de investimentos) melhores.
Você está vendido na Bolsa brasileira. Por que acredita que o mercado ainda pode cair mais? Sobrou investidor para vender?
Acho que não caiu nada. O Brasil está muito ruim. O ambiente econômico é péssimo.
Tem gente que diz: daqui a dois anos vai melhorar, podemos ter um novo governo; piorar agora na verdade é bom porque a chance de mudança aumenta.
Mas a teoria de que vale a pena comprar Brasil porque daqui a dois anos talvez um novo governo possa melhorar as coisas é, no mínimo, exagerada.
Vale lembrar que a Bolsa brasileira nunca teve um período longo de desempenho positivo. Já tivemos momentos de alta, mas o estrutural é ruim. Aqui o mercado sempre perde.
Nos Estados Unidos é o contrário. A Bolsa pode ir mal em certos períodos, mas o estrutural aponta para uma tendência de alta.
No Brasil, contratamos uma forte desaceleração da economia. A dúvida é o que vai ser feito quando ela chegar.
O cenário positivo é termos juros altos, inflação acomodando e recessão. A alternativa é o BC considerar a situação da economia e não elevar tanto os juros; aí a gente descarrila de vez.
Além disso, o governo pode estimular a atividade com medidas parafiscais. Esses dois agentes – BC e governo – podem atrapalhar a dose de remédio que foi aplicada.
É difícil o Brasil ter uma virada capitalista como aconteceu na Argentina, porque nosso Congresso jamais deixaria isso acontecer.
Interessante que, agora, dizer que podemos nos tornar a Argentina tem uma conotação positiva. No passado, era o fim do mundo…
Qual é sua visão para o câmbio?
Podemos ter alguma melhora na parte externa com a venda de proteínas, que é uma evolução da exportação atual de soja.
A China está claramente numa desaceleração que nos impacta – apesar disso, o aumento da demanda por proteína no mundo é estrutural.
Mas, pensando na indústria de AI, teremos de importar tudo o que está acontecendo lá fora.
Não há como ter uma conta externa positiva vendendo commodities e importando tecnologia. E essa equação só vai piorar.
Por isso, não vejo muito espaço para o real valorizar.
Você disse recentemente que a volatilidade deve ser maior agora que a média histórica. Por quê?
O ambiente global é propício para isso. Ainda que as políticas do Trump sejam claramente favoráveis à economia americana, ela vai soltar algo nas redes sociais à noite, né?
No Brasil, a mesma coisa. O Lula vai fazer algum comentário que vai mexer com os mercados. Além disso, temos as questões geopolíticas, que geram volatilidade.
O governo americano anterior era ruim, mas consistente. Acho que o atual vai ser bom, mas errático. O nosso é ruim e errático.
Os fundos multimercado passam por um momento complicado. Como vê o futuro?
O André Salgado, sócio que cuida da nossa área comercial, costuma dizer que o cliente gosta do vento na cara. Ou seja, gosta da emoção de escolher seus próprios investimentos e acompanhar o desempenho. Tem um fator de entretenimento nesse processo.
Mas toda vez que a Bolsa cai e os juros abrem, nossa indústria perde dinheiro. Assim como acontece o movimento contrário quando as taxas caem e a Bolsa valoriza. Isso é normal.
A classe de fundos multimercado tem gestores bem diferentes, então não dá para analisar como uma coisa só. Nós nos reorganizamos lá atrás, temos uma estrutura robusta e uma equipe qualificada. Entregamos e estamos captando.
O que determina a captação é o rendimento. Esse negócio só existe se gerar retornos consistentes no longo prazo.