No primeiro M&A internacional do CEO Roberto Funari, o mercado está fazendo as Havaianas calçar as sandálias da humildade.
Por volta do meio-dia, a ação PN da Alpargatas cai quase 9% – enquanto o Ibovespa está de lado e nomes como Arezzo e Grupo Soma caem menos de 2% – com o mercado reagindo à compra de 49,9% da Rothy’s, uma marca californiana de calçados feitos com plástico reciclado.
A fabricante das Havaianas está pagando US$ 475 milhões pela participação. Do total, US$ 200 milhões serão investidos na empresa e US$ 275 milhões vão para o bolso dos fundadores Stephen Hawthornthwaite e Roth Martin.
O grosso da transação vai ser financiado com uma emissão de ações no primeiro trimestre de 2022, e a Alpargatas terá a opção de adquirir o restante do capital até o quarto ano da transação.
A Rothy’s está sendo avaliada em US$ 800 milhões (pre money), o que, nos cálculos da XP, embute um múltiplo EV/sales nos últimos 12 meses de 5,7x. Considerando o valor post money (US$ 1 bilhão), o múltiplo sobe para 7x. Para efeito de comparação, a Alpargatas está negociando a 5x e a Arezzo, a 3x.
Analistas do buyside e sellside ressalvaram que não conhecem suficientemente a Rothy’s para avaliar o potencial de crescimento e lucratividade da empresa, que poderia justificar o múltiplo elevado. A Alpargatas não passou nenhuma estimativa para o impacto e sinergias da transação.
Na XP, a analista Danniela Eiger disse que a Rothy’s tem uma proposta de valor e custo de capital bastante diferente, sendo mais comparável com a marca de tênis Allbirds, que chegou à Nasdaq este ano e é negociada a 8,5x.
As duas empresas são “verdes”, têm operações digitais, e trabalham com um conceito de experiência e valorização da marca pelo cliente.
“São histórias de crescimento e não tem como um ativo desse tipo não ser caro. A questão é se essas empresas vão conseguir continuar crescendo e a que nível de rentabilidade,” disse um gestor.
A Rothy’s foi criada em 2016 em San Francisco. A empresa fabrica os calçados a partir da reciclagem de garrafas plásticas num processo inovador que transforma o plástico numa fibra delicada e maleável. Ela começou vendendo uma coleção de sapatilhas femininas e com o tempo foi diversificando os modelos e o público – além de sapatos masculinos e infantis, ela também vende bolsas.
Os produtos, que podem ir para a máquina de lavar, custam a partir de US$ 125. A empresa diz que já reciclou mais de 150 milhões de garrafas de plástico. A Rothy’s já nasceu digital: o canal responde por 95% das vendas. A empresa também tem uma operação de lojas físicas com sete unidades nos Estados Unidos.
Nos últimos 12 meses, a receita da Rothy’s foi de US$ 140 milhões e o EBITDA é positivo, mas a Alpargatas não disse em quanto. Desde 2017, o negócio cresce em média 50% ao ano.
“Não sabemos como a lucratividade da Rothy’s se compara à da Alpargatas. No entanto, o negócio parece desenhado para a aquisição do controle, o que sempre embute um prêmio. O múltiplo parece aceitável, mas claramente não foi uma pechincha”, escreveu Richard Cathcart, do Bradesco BBI.
Para os analistas, a operação faz todo o sentido com o discurso da Alpargatas de que buscaria diversificar seus produtos além das sandálias coloridas e aumentar sua exposição ao mercado americano e a receita em dólar – de quebra, com uma agenda sustentável.
As operações da Alpargatas e Rothy’s continuarão separadas – a produção da empresa americana é numa fábrica de 300 mil metros quadrados na China – e os fundadores da Rothy’s continuarão a ter participação relevante e ficarão à frente do negócio. A Alpargatas passará a ocupar 4 das 9 cadeiras do conselho.
A Alpargatas entende que poderá contribuir com a Rothy’s com sua expertise em varejo, em marketing e em gestão e construção de marca, além de promover a entrada dos produtos fora dos Estados Unidos.
Os pontos de interrogação permanecem.
“Qual o tamanho que a Rothy’s pode alcançar? A marca terá sucesso fora dos EUA? Como são os níveis de lucratividade atuais e futuros? A marca se tornará “icônica”, já que essa se mostrou uma dos principais testes para o M&A?”, perguntou o Bradesco.
Os analistas também questionam se não faria mais sentido financiar a maior parte da aquisição com dívida em vez de equity para dar à empresa uma estrutura de capital mais eficiente.
A empresa ainda não decidiu se fará uma oferta pública ou privada, mas disse que os controladores – Itaúsa e a Cambuhy Investimentos, que concentram 86% das ONs da empresa e 56% do capital total – vão acompanhar a operação pelo menos para não serem diluídos.
Para outro gestor, o valuation está esticado para uma marca que ainda não é global e que, na visão dele, não conversa com a Havaianas. “Fico preocupado com a eventual perda de foco na internacionalização de Havaianas. Não vi benefícios para a principal marca da empresa com essa transação,” diz.
A analista da XP vê como riscos principais para a transação a escalabilidade da marca, já que os produtos da Rothy’s têm um tíquete médio mais alto (US$ 144) e parecem ter um processo produtivo complexo, enquanto Havaianas possui um posicionamento de preços mais democrático, pelo menos no Brasil, e são de fabricação simples.
Outro risco pode vir das cópias, visto que outras marcas, como Steve Madden, já estão replicando os modelos a preços mais baixos (cerca de US$ 70).