Quando uma roda de conversa entre tutores de pets engrena, chegará uma hora em que alguém vai falar sobre alimentação. E enquanto no passado as trocas se restringiam a discutir as marcas de rações secas, hoje vai entrar na pauta a dieta natural. Ou alimentação natural, como a expressão tem se propagado.

Apesar de circular amplamente na comunidade pet e ser uma tendência, nem sempre essa ideia é compreendida. Para alguns pode ser comida feita em casa: arroz, frango e cenoura é o clássico exemplo. Mas não é simples assim.

Especializada em nutrição de cães e gatos, a médica veterinária Fernanda Yamamoto diz que o conceito não é consenso.

Para a Association of American Feed Control Officials, a organização nos EUA que estabelece diretrizes e padrões para a produção de alimentos para pets, o termo se aplica a alimentos com ingredientes de fontes vegetais, animais ou minerais que não sofreram processamento químico sintético. Ou seja, a dieta natural pode ter processo físico (como trituração), térmico (cozimento) ou outros, como extração. Mas não admite compostos artificiais, como conservantes e corantes sintéticos.

Para alguns, alimentação natural é o que mais se assemelha ao produto na natureza. Por outro lado, existem técnicas e recursos, que não envolvem aditivos artificiais, que permitem que um alimento dure mais tempo sem precisar de refrigeração, caso de embalagem a vácuo e autoclave.

Outra pergunta que pode surgir: sendo natural, o mais certo não seria fornecer alimentos crus? Eles fazem parte do conceito. No entanto, a questão é complexa porque envolve escolha de ingredientes, preparo, manipulação e conservação. Essa opção pode ser um risco para a saúde do bicho por ter grandes riscos de contaminação, se o tutor criar a dieta por sua conta, sem orientação de especialistas.

“Nossa refrigeração é caseira”, pondera Fernanda. “E, para eliminar patógenos, é preciso cozinhar o alimento em alta temperatura”, alerta. Para garantir o frescor, seria necessário fazer o prato do pet diariamente. Nem todos têm esse tempo.

Diante disso, o que vem ganhando aderência é a alimentação natural que envolve cozimento. É essa proposta que tem feito surgir negócios na esteira dos anseios dos tutores em oferecer uma comida que tenha mais a cara do que eles próprios comem.

Uma das razões para a dieta natural estar em alta é a ideia de que ela é mais saudável do que a ração seca. Para isso, ela precisa ser orientada por um especialista. Assim, a refeição do pet será suplementada e equilibrada, ressalta Fernanda. O mais comum, porém, é o tutor pegar dicas da internet e das redes sociais.

Uma pesquisa feita por veterinários da USP, publicada em 2019 em uma revista científica, analisou 100 receitas caseiras de 35 fontes diferentes da web: 75 eram para cães e 25 para gatos. Nenhuma tinha nutrientes balanceados ou poderia ser considerada um alimento completo. Isso demonstra como é fundamental contar com um veterinário com expertise em nutrição para indicar como preparar uma refeição caseira adequada, se o tutor tiver condições de cuidar pessoalmente disso.

Outro motivo que gera maior interesse pela alimentação natural – ou “alimentação não-convencional”, como dizem os especialistas em nutrição animal – é a afetividade. “As pessoas querem cozinhar para seus pets, que consideram membros da família”, explica Thiago Vendramini, professor das disciplinas de nutrição e nutrologia na Faculdade de Medicina Veterinária e Zooctenia da USP.

Dieta orientada

Com 14 anos atuando como especialista em nutrição, a médica veterinária Carla Maion conta que os profissionais da área são mais procurados hoje e estão presentes em mais clínicas e hospitais. Mas as consultas ainda são pouco acessíveis para muitos tutores. “Normalmente, o animal já está sendo tratado por outro especialista quando ele é encaminhado para um nutrólogo”.

Quem pode investir na alimentação natural e consultar um especialista para orientar a dieta tem ganhos importantes. Ela traz benefícios como a maior proximidade de humanos e pets, já que os tutores buscam o melhor para seu companheiro de quatro patas. Ela pode oferecer maior palatabilidade e tem mais umidade – o que pode ajudar a combater a obesidade. Traz personalização porque o profissional vai prescrever dietas mais indicadas para o perfil do animal, seja jovem ou idoso, esteja acima do peso ou com alguma enfermidade.

É preciso ficar atento a mais um ponto: seguir a dieta conforme a prescrição. A ração industrializada vem com nutrientes balanceados e não irá sofrer alterações em sua composição. No preparo em casa, não é raro o tutor substituir um ingrediente por outro por não encontrar o item, como levar frango no lugar de patinho, ou deixar de comprar o suplemento indicado pelo veterinário. Isso pode desequilibrar a receita. “Na nutrição humana, posso variar os ingredientes. No caso dos pets, variar pode ser um risco”, observa Vendramini.

Segundo Carla, há uma maior compreensão da importância da nutrição em cada fase da vida do animal. Além disso, os bichos de estimação já estão vivendo mais tempo do que se via décadas atrás. Garantir uma nutrição adequada é oferecer mais chances de o pet ter qualidade de vida quando envelhecer. E se esse cuidado puder ser oferecido com um olhar mais personalizado, melhor, defende. “Quanto mais individualizada for a dieta, menos problemas aquele pet terá”.