Igor Bachião faz parte da quinta geração de uma família de cafeicultores de Nova Resende, no Sul de Minas Gerais. O jovem agrônomo de 24 anos se prepara para assumir os negócios da família e está à frente de uma mudança profunda no jeito de fazer café na região em que mora.

Nos próximos anos, metade dos 200 hectares da propriedade da família, a Fazenda São João, deverá receber irrigação por gotejamento, algo impensável há poucos anos para os cafezais mineiros.

Igor Bachiao ok

As mudanças climáticas têm castigado particularmente a cultura do café no Brasil, que ora sofre com geadas intensas, ora com secas prolongadas e altas temperaturas. 

Bachião é um recém convertido à condição de irrigante. Em 2023, instalou irrigação por gotejamento em uma área de 15 hectares que havia arrendado em 2016. Os primeiros anos de operação dessa terra foram decepcionantes, com produtividade de 12 sacas por hectare – um quarto da média do rendimento de sua fazenda. 

“Fizemos de tudo do lado agronômico, como análise da qualidade da argila e remineralização do solo, e nada funcionava. Foi então que partimos para a cereja do bolo, que foi instalar irrigação,” Bachião disse ao Brazil Journal. “No primeiro ano com irrigação, na safra 2024, saímos de uma produtividade de 12 para 30 sacas por hectare. E na safra de 2025, devemos chegar a 55 sacas por hectare, em média.” 

O investimento feito na terra arrendada já se pagou praticamente na primeira safra, e a Fazenda São João virou alvo da curiosidade dos produtores da região.

Assim como Bachião, muitos cafeicultores mineiros que têm sofrido prejuízos por causa do clima estão adotando a irrigação. É claro que com a cotação do café na faixa dos R$ 2.600 a saca – um aumento de 200% em relação ao final de 2023 – a decisão é mais fácil. O investimento é, em média, de R$ 20.000 por hectare irrigado.  

“O preço está bom, mas muita gente não está ganhando dinheiro porque o clima derrubou a produção. Com a irrigação, dá para fazer uma safra boa e ‘ganhar arreio’ de novo,” diz Bachião. 

Tradução para a Faria Lima: “ganhar arreio” é sair da fase capenga (em cima do cavalo) e estar firme de novo.

A procura por irrigação nos cafezais no Sul de Minas tem provocado uma corrida por licenças ambientais, infra-estrutura e mão de obra na região.

Mas não é só lá que a irrigação está avançando.

Em 2024, o Brasil teve um aumento de 14% da área irrigada com pivôs centrais – os sistemas que distribuem água por aspersão – totalizando cerca de 2,2 milhões de hectares. Considerando as diferentes técnicas, o País tem 9,6 milhões de hectares de áreas irrigadas, o que equivale a 12% da área agrícola nacional.  

Estimativas do Ministério da Agricultura apontam que o Brasil tem potencial para ampliar essa área para 53,4 milhões de hectares, divididos entre pastagens e terras agrícolas. 

“O Brasil tem pouco mais de 10% dos pivôs instalados nos Estados Unidos. Só o Nebraska tem 70 mil pivôs, enquanto o Brasil inteiro não chega a 40 mil,” diz Rodrigo Parada, o CEO para as Américas da Bauer, uma empresa austríaca que fornece equipamentos de irrigação.

A irrigação no Brasil sempre foi o último degrau de uma longa escada de necessidades dentro das fazendas. Primeiro, o agricultor melhora a qualidade dos fertilizantes e sementes que coloca no solo. Depois, adquire máquinas mais modernas, implementa gestão e IoT. (Recentemente, os drones viraram obsessão dos produtores.) Agora é a vez da irrigação e dos painéis solares. 

“Agricultura irrigada é série A. É como se o produtor fosse jogar a Champions League. Uma vez que ele passa a ter o controle hídrico, a fazenda pode produzir os 12 meses do ano. Antes, o produtor tinha uma boa safra, duas se desse sorte,” diz Ricardo Almeida, CEO para o Mercosul da Netafim, uma empresa israelense de equipamentos. “Com irrigação, a complexidade da gestão da fazenda se multiplica.”

Ricardo Almeida ok

A Netafim é uma das maiores do mundo na fabricação de sistemas de irrigação. Em 2020, o Brasil era apenas o 10º mercado da companhia (em geral, o mercado brasileiro costuma estar entre os top 3 para as multinacionais, dado o tamanho do agro nacional).

Mas com o avanço da adoção da tecnologia, a filial brasileira agora é a segunda maior em vendas para a companhia. 

Foi no Oeste da Bahia que houve o maior avanço do uso da tecnologia: de 2022 a 2024, 100 mil hectares receberam pivôs de irrigação, totalizando 332 mil hectares no estado. 

Vários estados têm atualizado a legislação para disciplinar e destravar os investimentos em irrigação. O Rio Grande do Sul acabou de fazer mudanças para a concessão da outorga do uso de águas subterrâneas. Os governos de São Paulo, Minas Gerais e Paraná também criaram iniciativas para estimular a adoção da tecnologia frente às estiagens recorrentes.

“Em 2024, 220 cidades paulistas registraram um aumento de 1,5 grau na temperatura ao longo do ano. No centro do Brasil, foram 150 dias secos, começando antes do esperado e terminando depois,” diz Almeida, da Netafim, um agrônomo com 30 anos de experiência em irrigação. “Com as perdas, os agricultores estão se organizando e cobrando mais celeridade dos governos nas decisões sobre irrigação.”

Ana Paula Zerbinati ok

Produtores têm reportado a demora no licenciamento nos órgãos estaduais – sobretudo nas regiões em que há menor disponibilidade de água subterrânea. 

Bachião, o cafeicultor do sul de Minas, deu entrada há seis meses em um novo licenciamento para a expansão de sua área irrigada no Instituto Mineiro de Gestão de Águas. “Antes levava três meses para sair a aprovação. Agora está demorando mais.” (Sem o licenciamento, os produtores não conseguem financiamento com os bancos.) 

Além da disponibilidade de água, é preciso ter fornecimento firme de energia elétrica, caso contrário a conta não fecha para a implantação do projeto. 

A BrasilAgro, que atua na negociação de terras e produção de commodities, sabe bem disso. 

Em 2019, a companhia comprou uma fazenda no Oeste da Bahia e preparou 2 mil hectares para irrigação – incluindo a instalação de uma rede elétrica para abastecer os pivôs. Quando estava tudo pronto para o início do plantio, veio a surpresa: a energia elétrica prometida pela concessionária local, a Neoenergia Coelba, não estava disponível.

“Tivemos que rodar três safras com as bombas de irrigação movidas a diesel. Só no ano passado a energia elétrica chegou, o que trouxe uma redução significativa no custo na operação irrigada,” conta Ana Paula Zerbinati, a head de RI da BrasilAgro.

Nas contas da empresa, o custo do milímetro irrigado com energia elétrica é de aproximadamente R$ 6. Com diesel,  custa R$ 14.

Com cerca de 30 mil hectares irrigados nos estados do Maranhão, Mato Grosso e Bahia, a empresa planeja irrigar mais 8 mil hectares no Oeste baiano nos próximos anos.