Existem no Brasil 875 deep techs – startups que desenvolvem tecnologias com pesquisas na fronteira do conhecimento científico – e 40% delas atuam em alguma área da biotecnologia.
Fazendo o recorte dessas novas empresas pelos setores da economia – ou seja, de seus potenciais clientes futuros – metade delas são de soluções para a saúde humana ou para o agronegócio.
As informações estão no Deep Techs Brasil 2024, um estudo inédito e abrangente sobre o perfil dessas startups no País.
O trabalho, que deve ser feito anualmente a partir de agora, foi realizado pela Emerge, uma consultoria que trabalha para conectar grandes empresas com as deep techs. O relatório teve o apoio do Cubo do Itaú, do CAS – a division of the American Chemical Society – e da Suzano Ventures.
Os números desse amplo raio-x do setor resultaram do cruzamento de bases públicas e privadas, observando critérios internacionais.
As deep techs mapeadas foram classificadas em 12 tendências da fronteira científica, envolvendo áreas como biotecnologia, computação em nuvem, nanotecnologia, inteligência artificial e blockchain e tecnologia aeroespacial.
Foram analisados mais de 1.200 negócios, chegando às 875 deep techs identificadas.
Mais da metade delas surgiram no estado de São Paulo, incubadas em centros de pesquisa como USP, Unicamp e ITA.
Quase 70% delas são do Sudeste, mas há iniciativas regionais – como o Inova Amazônia – que estão contribuindo para o surgimento de novos hubs de pesquisa de ponta e incubação de startups.
O estudo será debatido no Deep Tech Summit, em novembro.
O primeiro grande desafio para uma deep tech ganhar escala é comprovar a viabilidade da tecnologia desenvolvida por ela, e esse é o estágio em que se encontram 70% das startups analisadas pela Emerge.
O estudo concluiu que 30% já estão na fase de ganhar escala comercial.
E aí pode surgir um obstáculo, dadas restrições de financiamento no Brasil. Nas incubadoras há fontes públicas, mas a disponibilidade de capital para as startups escalarem suas soluções é menor, aponta o estudo.
“Precisamos destravar esse potencial agindo em vários canais – seja na questão da burocracia, do financiamento, da aproximação de universidades e pesquisadores com as empresas,” disse Daniel Pimentel, um dos fundadores da Emerge.
Para Guy Perelmuter, um gestor de investimentos em deep techs e fundador da Grids Capital, as barreiras para o desenvolvimento dessas startups não se restringem ao financiamento.
Ele lista como prioridade o incentivo na educação em áreas da ciência ‘dura’ e de base, como física, química, biologia e matemática. Outro ponto é ter uma legislação robusta e confiável que promova o desenvolvimento do ecossistema de inovação.
“A concorrência entre as deep techs é global – são pesquisadores de todo o mundo buscando soluções análogas para os grandes desafios científicos,” disse Perelmuter.
Mas o ecossistema de inovação vem amadurecendo, segundo o estudo, especialmente nas áreas em que o Brasil ostenta vantagens comparativas e vocações naturais. Há também uma crescente diversificação nas fontes de financiamento para as fases de pesquisa, desenvolvimento e validação da tecnologia.
“O agro é um dos setores mais promissores para deep techs, especialmente em biotecnologia, dado o papel do País como um dos maiores produtores e exportadores de grãos do mundo,” disseram os autores do trabalho.
Segundo Lucas Delgado, o cofundador e diretor de novos negócios da Emerge, outra vocação evidente do Brasil está na sustentabilidade.
“Essa área envolve cleantech, por exemplo a captura de carbono, mas se desdobra também para tecnologias como as de substituição de ativos químicos por outros que utilizam fontes renováveis,” afirmou Delgado.
Entre as deep techs analisadas pelos consultores, 55% delas tiveram receita com seus negócios em 2023, e 72% devem ter faturamento em 2024.
O estudo mostra que o principal modelo de negócio das deep techs é o desenvolvimento de tecnologias para serem vendidas ou licenciadas para grandes empresas.
Em um relatório recente, a McKinsey afirma que as deep techs têm um ciclo de negócios e taxas de sucesso similares ao de startups tradicionais de tecnologia – ou seja, pouco mais de 2% sobrevivem para se tornarem empresas maduras.
Mas de acordo com a consultoria, os fundos de investimentos americanos e europeus focados em deep tech têm obtido rentabilidade superior à dos fundos de tecnologia em geral – 17% contra 10%, em média.
Isso ajuda a entender por que essas empresas embrionárias estão atraindo um volume crescente de aportes nos EUA e na Europa, depois de um ciclo em que os aportes se concentraram em setores como fintechs e marketplaces.
Entre os fundos de VC da Europa, as deep techs já aparecem no primeiro lugar entre os setores de maior aporte. Foram US$ 14,7 bilhões no ano passado, à frente dos US$ 11,9 bilhões em energia, US$ 8 bi em saúde e US$ 7,8 bi em transporte.