Rico, vasto, poderoso, o Império Romano não tinha café.
A bebida, afinal, só seria descoberta pelos árabes no século XV, mil anos depois da queda de Roma para os bárbaros.
É seguro afirmar, portanto, que Sêneca – o filósofo e senador que viveu em Roma no primeiro século da era cristã – jamais bebeu um expresso ou um latte.
No entanto, o americano David Fideler convida o leitor, no título de seu livro, a tomar Um Café com Sêneca (Sextante; 240 páginas; tradução de Heci Regina Candiani).
É verdade que a tradução não é de todo literal: em inglês, o título é Breakfast with Seneca. Mas isso ainda está em descompasso com o tempo do pensador romano, no qual as refeições matinais não incluiriam itens típicos do breakfast americano, como panqueca, cereal Kelloggs e…. café.
O anacronismo é deliberado: Fideler, um professor de filosofia antiga hoje radicado em Sarajevo, sinaliza assim que o pensamento de Sêneca segue relevante e útil nestes dias em que se encontra um Starbucks em qualquer shopping. “O mundo de Sêneca é o nosso mundo,” afirma o autor.
As virtudes simples mas exigentes que Sêneca pregava – a confiança modesta em si próprio, a serenidade diante das adversidades, o desprendimento em relação aos bens materiais – guardam de fato um valor universal, que Fideler transmite em prosa clara e direta, como quem dá conselhos ao leitor.
Ele simplifica as ideias de Sêneca, mas não trai seu espírito. O próprio Sêneca era, afinal, inimigo da expressão empolada. “O que sentimos, falemos; o que falamos, sintamos; concorde a linguagem com a vida,” recomendava o filósofo em uma de suas epístolas.
O livro também apresenta outros pensadores da Antiguidade, como Marco Aurélio, o imperador filósofo do século II. Tal como Sêneca, todos pertencem à escola filosófica conhecida como estoicismo – a palavra vem de Stoa Poikilé (“pórtico pintado” em grego), pois Zenão de Cítio, o primeiro filósofo dessa corrente, dava suas aulas sob um pórtico de Atenas, por volta de 300 a.C.
Hoje, o adjetivo “estóico” costuma ser entendido como sinônimo de rígido, impassível, frio. Mas isso é um equívoco, Fideler esclarece. O estoicismo não pregava a repressão das emoções – apenas ensinava seus adeptos a resistir a paixões violentas e sentimentos negativos, como a ira e a inveja.
O estoicismo postulava que a natureza obedecia a uma ordem superior. Aceitar essa ordem natural, incluindo vicissitudes como a pobreza e a morte, conduz à sabedoria e à felicidade.
Há quem diga que o próprio Sêneca era hipócrita quando pregava princípios estóicos como a simplicidade e a frugalidade. Nascido em Córdoba e criado em Roma, ele vinha de uma família proeminente e sempre foi rico. (Não conheceu o café, mas apreciava um bom vinho.)
Fideler discorda da acusação. Segundo ele, o estoicismo não proíbe a riqueza, apenas ensina que nossa felicidade não deve depender dos bens materiais.
De resto, Sêneca também teve suas agruras e consta que as enfrentou serenamente. Caiu em desgraça com Messalina, mulher do imperador Cláudio, e por isso foi exilado na Córsega em 41 d.C. Sete anos depois, voltou a Roma para ser tutor de Nero, filho de Cláudio com sua segunda esposa, Agripina.
Em 65, Sêneca seria implicado (falsamente, ao que parece) em uma conspiração para matar seu mais poderoso aluno. Imperador cruel e caprichoso, Nero ordenou que o filósofo tirasse a própria vida. Sêneca obedeceu, estoicamente cortando as veias para sangrar até a morte.
Um Café com Sêneca apresenta o ideal de sabedoria estóica em capítulos breves, com temas que se relacionam a problemas cotidianos: a ansiedade, a administração do tempo, dificuldades financeiras, a morte de pessoas queridas.
Fideler propõe exercícios mentais para quem deseja buscar a tranquilidade estóica – por exemplo, a “contemplação da impermanência,” que consiste em se conscientizar de que tudo o que possuímos nos é dado por empréstimo e pode ser perdido de um dia para o outro (uma boa prática para quem tinha ações das Americanas).
Sêneca nos oferece o vislumbre de uma vida tranquila e plena, mas talvez o estoicismo não seja para todos. Em tempos de incerteza econômica e política, a entropia anda à espreita para bagunçar a tal ordem perfeita da natureza.