Depois de meses comprimidos em território negativo, os spreads das debêntures incentivadas de infraestrutura abriram nas últimas semanas, acendendo o alerta numa das vitrines da renda fixa brasileira.

A alta das taxas — ou seja, a queda no valor dos papeis — está machucando as cotas dos fundos dedicados, aumentando o risco de resgates num produto que voou na captação nos últimos dois anos, impulsionado pela isenção de IR e retornos consistentes.

A virada neste mercado ocorre semanas depois de o Congresso tirar da pauta, em 1 de outubro, a proposta de taxar novas emissões. A ameaça disparou uma corrida por debêntures incentivadas — e empurrou os spreads para níveis irracionais.

Agora, a maré está voltando.

“Na semana passada, os spreads médios abriram 30 pontos-base. Para um duration médio de 7 anos, isso significa uma queda de cerca de 2% no preço do título,” Rafael Fritsch, sócio da Root Capital, disse ao Brazil Journal.

Um relatório do Bradesco publicado na segunda-feira mostra uma abertura de 40 basis points nos spreads em duas semanas. 

No low, em 13 de outubro, esses papéis chegaram a negociar com um desconto de 53 basis points em relação às NTN-Bs, segundo o Idex-Infra, índice da JGP que acompanha esse mercado e é composto principalmente por títulos triplo A. 

Hoje o desconto é de 6 bps. Na média dos últimos 12 meses, esses papéis negociaram com um prêmio de cerca de 30 bps em relação às NTN-Bs (cujo retorno, vale lembrar, é tributado).

A dúvida agora é qual será o novo ponto de equilíbrio e como o investidor, vendo a cota negativa, vai reagir. Dependendo do tamanho do resgate, os gestores podem ser forçados a vender papéis com pressa — o que pode acelerar a pressão negativa nos preços.

“Vamos ver se o produto foi bem vendido e se o investidor entende que renda fixa tem volatilidade,” disse Fritsch. “Essa correção é saudável, mas vai testar o mercado.”

Para Victor Tofolo, head de gestão de crédito na Bradesco Asset, “é natural haver algum resgate, mas o setor, de forma geral, está protegido, porque muitos fundos têm resgate em D+30”.

Pelas regras dos fundos de debêntures incentivadas,   após seis meses de existência as carteiras têm de manter 67% do PL nesses papéis; após dois anos, o percentual vai para 85%. 

Novos fundos foram lançados recentemente para dar conta da demanda, o que levou gestores, na obrigação de alocar, a comprar papéis a preços não atrativos, ou sem muita margem de segurança. 

“Um dia a nossa cota aqui caiu 0,10 e vimos que tinha fundo com queda quase quatro vezes maior. Ou seja, há gestoras não apenas muito alocadas, mas alocadas em papéis de prazo longo e com spreads bem amassados,” disse um gestor de crédito.

Alguns papéis de rating AAA com mais de 7 anos de duration atingiram preços no mercado secundário que não traziam vantagem em relação às debêntures simples, tributadas, dos mesmo emissores, casos de Suzano, CTEEP, Vale, CPFL, entre outros.

“Estava mais interessante comprar o papel tributado do que o incentivado do mesmo emissor,” disse Ulisses Nehmi, sócio da Sparta.

Neste ano até meados de outubro, os fundos de debêntures incentivadas captaram aproximadamente R$ 21 bilhões – o pico foi em agosto, com R$ 5,4 bilhões. Nas duas primeiras semanas de outubro, a captação estava em R$ 1,6 bilhão. 

Para Jean-Pierre Cote Gil, sócio da Vinland, apesar da coincidência temporal entre a alta das taxas e a saída de pauta da MP que tributaria essas debêntures, este evento teve menos peso do que aparenta no movimento recente. 

Segundo Gil, já havia um desconforto com os spreads negativos e a sensação de que os mercados primário e secundário estavam testando novas mínimas de taxa pela necessidade de enquadramento dos fundos que continuavam captando de maneira relevante, e não pela convicção de que as taxas deveriam de fato ser “tão amassadas”.

“Esse tipo de correção raramente ocorre de maneira leve e gradual. Assim que o primeiro gestor começou a testar a venda de lotes maiores, gerou uma sensação generalizada de que aquele exagero tinha chegado ao fim.”

Segundo um gestor de crédito, os bancos começaram a apertar tanto os spreads nas emissões no mercado primário que até mesmo as grandes gestoras dos próprios bancos deixaram de entrar nas operações. “Estava ficando irracional.” 

Como a demanda caiu, disse esse gestor, os bancos exerceram cada vez mais a garantia firme, encarteirando operações. “Agora, já estão começando a oferecer papéis no mercado secundário com desconto de preço nos títulos. Os fundos seguraram a demanda, esperando por essa venda dos bancos.”

Em emissões recentes houve exercício de 70% da garantia firme em operação da Smartfit; 79% em BRK; 75% na da Equatorial e 70% na da Arteris, por exemplo. 

Se os saques vierem, fazendo com que gestores vendam papéis com desconto, isso pode gerar oportunidades para gestores que fizeram alocações mais conservadoras ou têm caixa hoje para investir. 

“Esse movimento pode ser uma oportunidade excepcional para quem não alocou a qualquer preço, ou para os fundos listados, que não têm resgates,” disse Ulisses, da Sparta.