As ferramentas de inteligência artificial devem ganhar uma importância crescente nos próximos anos no tratamento dos tumores pancreáticos.

Uma pesquisa publicada recentemente mostrou que algoritmos de deep learning possibilitaram a identificação de pessoas com elevado risco de desenvolver essa doença até três anos antes de o diagnóstico ser confirmado.

Os tumores no pâncreas são difíceis de serem diagnosticados – e por isso estão entre os mais letais. Foi esse tipo de câncer que ceifou precocemente a vida de Steve Jobs, Luciano Pavarotti e Patrick Swayze.

No câncer, a descoberta da doença em seus primeiros estágios eleva enormemente as chances de sobrevida.

O trabalho foi liderado por um grupo de pesquisadores da Harvard Medical School e da Universidade de Copenhague, em colaboração com o VA Boston Healthcare System, com o Dana Farber Cancer Institute e com a Harvard T.H. Chan School of Public Health.

O estudo, publicado recentemente na Nature Medicine, mostra que o monitoramento da população com a ajuda de ferramentas de IA pode ser um instrumento eficaz para indicar quem são as pessoas com a maior possibilidade de serem vítimas desse tumor.

A partir desse alerta inicial, é possível realizar novos exames e monitorar com maior precisão a possível evolução da doença.

De acordo com estimativas de estudos recentes, apenas entre 2% e 9% dos pacientes de câncer no pâncreas sobrevivem quando o tumor avança para além do local de sua origem.

No caso de diagnóstico nos primeiros estágios da doença, cerca de 44% dos pacientes sobrevivem pelo menos cinco anos após o diagnóstico. O problema: apenas 12% dos casos são diagnosticados nessa fase.

Chris Sander

Segundo Chris Sander, pesquisador da Harvard Medical School e um dos coordenadores do estudo, as baixas taxas de sobrevida ocorrem mesmo depois de todos os avanços nos tratamentos e nas técnicas de cirurgia.

Por isso, para além de terapias mais sofisticadas, é necessário avançar no diagnóstico – e nisso a IA traz uma contribuição poderosa.

No estudo, um algoritmo foi treinado para analisar dois conjuntos de dados, totalizando as informações de 9 milhões de pacientes na Dinamarca e nos EUA. A partir dos prontuários médicos, a ferramenta rastreou indicadores biológicos associados ao tumor.

Os cientistas testaram diferentes versões dos modelos preditivos. Com os resultados em mãos, concluíram que as análises feitas a partir da ferramenta de IA foram tão precisas quanto testes de sequenciamento genético.

Atualmente, apenas pessoas com algum histórico da doença na família fazem exames mais detalhados – e caros – para investigar antecipadamente, antes de qualquer sintoma, se possuem esse tumor ou a chance de desenvolvê-lo. Com o IA, esse monitoramento poderá ser feito de maneira muito mais abrangente e econômica.

“O potencial para as aplicações de IA na biomedicina são enormes,” diz Chris Sander ao Brazil Journal. “Para explorar ao máximo essas possibilidades e aperfeiçoar a precisão de aprendizagem dessas ferramentas, precisamos de muitos mais dados a respeito do histórico médico das pessoas.”

Dados como o código genético das pessoas que aceitem compartilhá-los, bem como os dados coletados pelos aplicativos de saúde e wearables devem ser guardados em bases de dados seguras, disse Sander.

“A tecnologia desses dispositivos tem avançado rapidamente, e com elevada proteção dos dados,” afirma Sander. “O uso deles poderá ampliar o alcance das ferramentas de IA não apenas para identificar antecipadamente os riscos de doenças graves, mas também para que seja possível recomendar ações preventivas.”

A oncologia é um dos ramos que deverá colher diversos benefícios dessas inovações. Mas, de acordo com os pesquisadores, a IA também ajudará a enfrentar doenças neurodegenerativas, como a demência.

Na opinião de Sander, as pessoas deveriam ser incentivadas a optar pelo compartilhamento de seu histórico médico e informações biológicas.

Nos EUA, esse já pode ser feito pela adesão ao programa All of US, financiado pelo National Institute of Health. O objetivo inicial da iniciativa foi levar as pessoas a compartilhar as suas informações genéticas – o sequenciamento do genoma – e, dessa maneira, contribuir para modificar não apenas as suas vidas, mas também de outras que poderão se beneficiar das pesquisas.

No Reino Unido e nos países escandinavos há campanhas semelhantes.

Para Sander, a população deve ser esclarecida sobre os baixos riscos de as informações vazarem ou serem exploradas de maneira nociva.

“Os profissionais da área médica são treinados para seguir uma ética rígida, de não causar danos e ter como objetivo central o benefício dos pacientes,” disse o pesquisador. “O monitoramento preventivo e a análise de riscos podem ter um impacto significativo.”