Décadas atrás, um editor da Sports Illustrated teve a ideia de fotografar atletas e celebridades de biquíni para aumentar as vendas num mês fraco em eventos esportivos.
Foi um sucesso: a swimsuit edition estreou em 1964, tornou-se parte da cultura americana e resiste até hoje, não sem boas doses de controvérsia. A edição deste ano trouxe Martha Stewart, 81 anos, de maiô na capa.
Agora, a Sports Illustrated agora acaba de se envolver em uma nova polêmica. Foi flagrada publicando artigos de autores que não existem – com direito a foto no perfil.
Detalhe: a revista não informou os leitores. O caso só veio a público graças a uma reportagem do site Futurism – que, como o nome diz, é entusiasta do futurismo, mas achou aquilo um pouco demais e denunciou a revista.
O “jornalista” Drew Ortiz, por exemplo, “cresceu em uma casa de fazenda” e adora a “viver na natureza,” mas ele simplesmente não existe. Seu retrato, no alto do artigo, pode ser encontrado num banco de imagens.
Depois da reportagem do Futurism, a Sports Illustrated removeu os jornalistas fake e seus artigos do site. Em seguida, disse que os textos na verdade eram de uma agência de marketing.
O leitor não tinha como saber – e nem os jornalistas de verdade da revista, que se disseram “horrorizados” com a notícia.
A AdVon Commerce, uma empresa de marketing que mantém parceria com a revista, assegurou que só os perfis foram criados por IA; os textos teriam sido escritos (ainda) por humanos.
Os investidores temem o dano à marca. As ações do Arena Group, que publica a revista, caíram 11% na semana.
O caso da Sports Illustrated mostra como a inteligência artificial está levantando questões éticas na mais sensível das profissões – o jornalismo – que depende de credibilidade.
Já há diversos casos de aplicação de AI substituindo repórteres e editores.
Com um time de apenas quatro pessoas, a News Corp na Australia já publica “3.000 matérias por semana” produzidas por IA, incluindo boletins sobre meteorologia, trânsito e preço de combustíveis.
A Associated Press terceirizou para as máquinas boa parte das matérias sobre os resultados de empresas. Diz que assim os jornalistas podem se concentrar em “trabalhos mais elaborados.”
A AP também vem utilizando IA para produzir os previews de partidas da Major League Soccer a partir de informações fornecidas por empresas de dados e estatísticas. “A tecnologia de automação permite que os previews sejam produzidos diretamente dos dados, sem a intervenção de editores,” diz a agência de notícias.
Por enquanto, a criação de imagens por IA e a fabricação de informações são vetadas. Ainda bem, mas como ter a certeza disso num futuro próximo?
Algumas publicações às vezes postam disclaimers dizendo que o texto foi produzido “com a ajuda de IA.”
Mas isso pode se tornar irrelevante quando sumirem as fronteiras entre nós, jornalistas, e as máquinas. Parece questão de tempo.