A inflação descontrolada e os juros nas alturas têm afetado todos os negócios – mas a MRV talvez seja um dos que mais sentiu o bafo do dragão.
Nas vendas do Casa Verde Amarela, que ainda representam mais de 50% do negócio, a MRV vende os imóveis na planta com o preço travado – o que a impede de repassar a inflação.
Quando o INCC está em 4%-5%, o tradeoff é positivo, já que a incorporadora recebe o dinheiro antes. Mas com a inflação da construção em 30%, o impacto na margem é um show de horror.
Historicamente na casa dos 32%, a margem bruta da empresa dos Menin despencou para 20% nos últimos trimestres – e a margem líquida beijou o chão.
A boa notícia é que as coisas estão começando a melhorar, o CEO Rafael Menin disse ao Brazil Journal.
“A margem das vendas vem subindo todos os meses. Obviamente, a gente está orçando uma inflação que é o consenso de mercado. Se o petróleo for para US$ 180 e o dólar para R$ 6,5, o cenário volta a ser dramático. Mas se tivermos um INCC de 10% este ano e de 5-6% ano que vem, isso está na minha conta,” disse.
Na sexta-feira passada, conversamos com Rafael Menin, o CFO Ricardo Paixão e o CEO da Resia, Ernesto Lopes, sobre o momento atual e os novos negócios da empresa.
Quão ruim está o mercado para vocês hoje?
A fotografia contábil do momento não é boa, e vai permanecer assim ao longo de 2022. Mas olhando o copo meio cheio, o dever de casa que estamos fazendo já está dando resultado, e olhando mais à frente eu não tenho dúvida de que ele vai colocar a MRV num patamar completamente diferente das outras empresas de real estate no Brasil.
Diversificamos nosso negócio com a Resia [a antiga AHS, a incorporadora do grupo nos EUA], a Luggo [de aluguel de apartamentos] e a Urba [de loteamentos], que está crescendo 100% ao ano e com margem bruta super elevada e baixa competição. Tem um oceano azul aí.
Também fizemos ajustes operacionais na MRV que vão permitir, num ambiente em que haverá menos concorrência, que a gente recupere as margens brutas no nosso segmento core.
Esse segmento core, o programa Minha Casa Minha Vida, que hoje se chama Casa Verde Amarela, já representou quase 100% do nosso negócio. Este ano vai ser de cerca de 50%, e em dois ou três anos vai ser uns 30%.
Mas o que vocês estão vendo na ponta? Uma melhora incremental? Estagnação?
A demanda no segmento econômico é enorme, mas a renda nesse estrato social é muito frágil. E com o aumento do preço de venda em função da inflação de 30% nos últimos 24 meses houve um desencaixe da capacidade de pagamento vis-à-vis o novo preço ofertado pelas incorporadoras.
Isso fez com que o mercado diminuísse de tamanho – a despeito de uma demanda enorme.
As vendas estão caindo há quanto tempo?
As vendas do mercado como um todo caíram 30% no Brasil no segmento econômico no primeiro semestre contra o mesmo período do ano anterior. Mas no nosso caso a venda caiu muito menos. porque houve ganho de market share.
O que aconteceu? Esse é um segmento altamente competitivo, super pulverizado, com milhares de incorporadoras de todos os tamanhos Brasil afora. O que estamos percebendo é que as empresas menores, com uma estrutura de capital mais frágil, têm uma enorme dificuldade de continuar operando neste ambiente macro que está aí.
Então, o nosso crescimento de market share se deu muito mais por essa fragilidade do mercado do que por algo que fizemos.
E os custos? Como vocês estão lidando?
É claro que a empresa sempre busca ganho de eficiência, mas num cenário em que tivemos 30% de inflação e atraso na cadeia de fornecimento, é muito difícil que haja um ganho de eficiência capaz de compensar esse aumento num prazo tão curto.
O que a empresa tem feito é repassar gradativamente esse aumento de custos para o consumidor visando uma recuperação incremental da margem daquele período. Mas de novo, dado que a renda é muito frágil, é difícil que a gente consiga repassar preço na mesma magnitude que aconteceu o aumento de custos.
Qual foi o impacto disso na margem de vocês? Quanto ela está hoje e qual era a margem histórica de vocês?
Nossa margem bruta histórica, se pegar de 2013 até o fim de 2019, foi de 32%. Já a margem bruta no quarto tri do ano passado e no primeiro tri deste ano foi por volta de 20% – e vai continuar assim até o final do ano.
Lembrando que a nossa margem bruta é formada pelo resultado de vendas de vários trimestres, várias safras de lançamentos. Então, se a gente olhar a venda que está sendo feita no segundo trimestre, essa venda já tem uma margem melhor do que a margem contábil reportada.
Você está dizendo que, na margem, a margem está melhorando?
Exatamente.
Ricardo Paixão, CFO: Só um detalhe. Dentro do crédito associativo, que é o nosso negócio principal, uma vez que eu vendo o imóvel e repasso para a Caixa, eu fico com o valor congelado. Então eu fico short em inflação.
A margem reportada hoje na verdade é uma safra de 2020 que eu vendi e repassei. Começou a pandemia, demos um pouco de desconto e a margem baixou de 32% para 28%. Mas fomos pegos de surpresa, meio com a calça na mão, com esse problema do INCC. Não imaginávamos que ia ter uma inflação tão grande. Ninguém imaginava.
Como é o fluxo de pagamento do cliente que compra pelo programa Casa Verde Amarela?
Tem uma entrada que ele dá, normalmente de 4% do valor do imóvel, e ele fica com mais 12% do valor do imóvel para pagar pra gente. Os outros 84% são uma soma de três fatores.
Um é o subsídio [que não vem do Tesouro, e sim do lucro do FGTS], outro é o saldo na conta do FGTS que o cliente pode usar, e o outro é o loan-to-value (LTV) do banco. Esses 84% que ficam é um valor congelado. Então, numa casa de R$ 100 mil, R$ 84 mil eu repassei para o banco.
A vantagem disso é que eu começo a receber ao longo da construção. Então à medida que eu construo a Caixa me paga, mas esse valor não é corrigido. Então quando vem a inflação muito alta, isso é um problema…
Rafael Menin: No passado isso era um tradeoff positivo. Quando a inflação era de 4%, valia a pena você ter uma redução da margem em relação ao momento da venda porque você recebia o dinheiro durante a fase de obra e esse recurso você estava aplicando em CDI. Então essa equação era boa.
Mas quando você tem uma inflação de 30% e esse saldo está congelado, esse tradeoff machuca demais a margem.
Qual foi a margem da safra que capturou o pico dessa inflação de 30%?
Foi uma margem abaixo de 20%. Como a margem atual das vendas está em 20%, para dar uma margem contábil de 20% significa que as margens brutas das vendas em 2021, em vários meses, ficaram abaixo de 20%.
Só que a companhia tem SG&A, tem impostos, juros… aí a margem líquida ficou próxima de zero. Foi um período dramático que a MRV como empresa de capital aberto nunca havia enfrentado.
Por que você diz que ‘foi’ um período dramático? Me parece que ainda é, não acabou ainda…
Boa pergunta. Ele foi mais dramático e hoje é menos dramático.
Se estivéssemos vendendo hoje com uma margem bruta de 18%, ele continuaria super dramático. Só que a margem das vendas vem subindo todos os meses. Obviamente, a gente está orçando uma inflação que é consenso de mercado.
Se o petróleo for para US$ 180 e o dólar para R$ 6,50, o cenário volta a ser dramático. Mas se tivermos um INCC de 10% este ano e de 5%-6% ano que vem, isso está na minha conta, e a margem está subindo mês a mês, muito mais por redução na oferta do que melhoria no mercado.
A partir de que mês a margem começou a melhorar?
O vale foi do segundo trimestre do ano passado até o quarto tri do ano passado. Foram trimestres muito ruins. A partir daí começou a recuperar gradativamente e todo mês temos conseguido repassar o preço acima da inflação.
Agora, é importante lembrar que fizemos escolhas muito importantes a partir de 2018 justamente para tornar a MRV & Co uma empresa mais resiliente nesses momentos. A entrada nesses outros segmentos é justamente para ter ciclos diferentes dentro da mesma companhia, inclusive com a entrada em outros países com a Resia (a antiga AHS).
Quando a gente vê o mortgage rate subindo nos EUA, como isso impacta o negócio da Resia?
Ernesto Lopes, CEO da Resia: Ele impacta de várias formas. De forma negativa, o nosso custo de financiamento da construção fica mais caro, e o custo para o comprador do empreendimento no final do ciclo também fica mais caro. Lembrando que a gente vende o empreendimento inteiro para investidores institucionais.
O lado positivo é que hoje custa duas vezes mais para o americano comprar uma casa. Além disso, tem um empobrecimento da classe média que limita a compra de imóvel e leva mais gente para o mercado de aluguel.
O mercado já tem uma oferta muito menor do que a demanda, principalmente no segmento onde a Resia atua, e residência é um custo que a pessoa não pode cortar. Ela pode deixar de comer num restaurante, mas de ter onde morar, não.
Quando conversamos no ano passado, vocês falaram que iam buscar uma rodada privada na Resia. Isso ainda está on track?
Rafael Menin: Sim, está. A tese continua muito positiva. Obviamente, nós não damos muita abertura sobre o processo, mas ele está caminhando bem, há um bom engajamento de potenciais investidores.
Queremos sair de uma empresa de 3.000 unidades/ano em 2021 para quase 6.000 em 2022 e chegar a 12.000 em 2026, e para financiar isso nossa ideia é fazer essa rodada e, no futuro, um IPO.
Que avaliação você faz do seu valor de mercado hoje?
Eu acho que a MRV hoje é uma grande pechincha. Para quem está olhando só o relatório contábil do primeiro e segundo trimestre, a fotografia não é boa. Mas para quem está olhando MRV & Co, e sabendo que a operação core está em recuperação, a empresa nunca esteve tão barata. Hoje a empresa negocia a 0,6x o book e o market cap é praticamente igual ao do IPO há 15 anos.
O EV também é similar?
Não. Aí você tem razão. Quando a gente fez o IPO a gente quase não tinha dívida. Mas era uma empresa com receita de R$ 400 milhões por ano.
A questão é que naquela época a incorporação era a bola da vez e hoje o mercado está de mau humor com todo o setor. Mas a MRV, apesar da fotografia, é um bicho muito diferente das empresas listadas e está com um desconto gigantesco. Tem exagero, uma lupa muito grande olhando a DRE do trimestre e uma falta de profundidade do diagnóstico do que foi feito nos últimos 2, 3 anos e do será essa companhia em pouco tempo.
O mercado tende a ser muito otimista em alguns momentos – e talvez tenha sido no IPO da MRV, no auge do boom das incorporadoras – e muito depressivo em outros.