Toda vez que Gabriel Souza, Matheus Cruz e Eduardo Nascimento se encontram, a conversa sempre termina no mesmo assunto: “Você conhece algum outro negro em banco de investimento?”

A resposta também é sempre igual: “Só vocês…”

No Brasil, menos de 1% dos profissionais de investment banking são negros.

11697 ae319794 54b8 270a da34 a885b20ccbe7Uma mulher negra neste meio?  Há apenas uma, na Goldman Sachs.

Um managing director? Una vez más, solamente uno, no Bank of America.

Os dados fazem parte de um levantamento de 851 profissionais do mercado, e, ainda que possam não ser cientificamente exatos, refletem uma realidade que está na cara de todo mundo. 

Essa representatividade desproporcional — que replica na Faria Lima a desigualdade mais ampla da sociedade brasileira — foi o pontapé inicial para a criação do Black Finance, um movimento que quer aumentar a presença de negros nos investment banking usando a arma mais poderosa que encontraram: a educação.

Os três — junto com Victor Satiro, um estudante bolsista do Insper — criaram o projeto em abril. A estratégia: preparar alunos negros de universidades para vagas de estágio nos IBs de b(r)ancos.

A partir deste mês, a Black Finance vai dar um curso de mentoria de 10 semanas para uma turma de 15 alunos aprovados em seu processo seletivo. Depois, vai conectar estes alunos com bancos e boutiques de M&A para ajudá-los a se inserir no mercado. 

Segundo Gabriel, as aulas vão desde questões mais básicas — o que é um IPO e um M&A — até matemática financeira e valuation.  

Mas além da parte técnica, a Black Finance vai ajudar os alunos com aulas de soft skills — um dos grandes gargalos para boa parte desses estudantes, que na maioria das vezes não está acostumado com o habitat da Faria Lima. 

“Eu demorei bastante para conseguir compreender o mundo em que eu estava sendo inserido,” diz Gabriel, que trabalhou no IB do Votorantim e numa boutique de M&A em Nova York, e hoje trabalha com debt capital markets na Virgo Inc. 

“Pra gente, não é um processo só de ‘eu preciso aprender bem o meu trabalho, que é um trabalho complexo e que demanda muito.’ É um processo de ‘eu preciso aprender também sobre esse ambiente social completamente novo onde eu estou entrando.’” 

O choque de realidade vai de coisas pequenas até questões mais complexas. 

Um associate de um grande banco americano disse ao Brazil Journal que, em seu primeiro emprego na Faria Lima, ele deixava um sapato guardado no banco, mas ia para o trabalho de tênis. 

O motivo: o rapaz morava em Guarulhos, e todo dia tinha que passar a pé por uma região que simplesmente não tinha asfalto — o que o fazia chegar ao trabalho com o tênis sujo. 

“As pessoas simplesmente não entendiam isso, e eu tinha dificuldade de explicar,” diz o associate.

11698 2110afea d0cb 3dbd 5341 d48a1a0dde15Com o tempo, a ideia da Black Finance é aumentar o escopo do projeto para estimular a inserção de negros no mercado financeiro de modo geral, e não apenas no IB.

“Tínhamos que começar por algum lugar, e esse era o segmento que achamos que tinha o pior cenário e onde achamos que é mais difícil aumentar a diversidade,” diz Victor, ele próprio fruto do empurrão de um terceiro.

Hoje estudante bolsista do Insper, Victor só conseguiu entrar lá com a ajuda de Gabriel. 

Quando estava terminando o ensino médio, ele lembra que foi conversar com o amigo para pensar nos próximos passos e pedir orientação. “Na época, eu estava pensando em fazer um curso técnico e o Gabriel me perguntou se era isso mesmo que eu queria ou se essa era a única opção que eu tinha,” diz Victor.

Gabriel o levou para conhecer o Insper e disse que, se ele estudasse o suficiente, conseguiria entrar lá com uma bolsa. 

“Eu nem sabia que o Insper existia, e hoje quando falo pros meus amigos que estudo no Insper, ninguém também sabe o que é… É algo completamente fora da nossa realidade.”

“Como você vai sonhar com uma coisa que você nem sabe que existe?”