O encontro com a base eleitoral na Geórgia foi tenso. 

O deputado republicano Rich McCormick tentava aplacar a ira dos correligionários, que estavam contra as demissões em massa de servidores públicos e os corte de gastos feitos pelo DOGE, o Department of Government Efficiency liderado por Elon Musk.

“Se continuarmos aumentando o tamanho do governo e não pudermos custear isso, haverá falta de recursos para o Medicare, para o Medicaid, para a Previdência Social,” disse o republicano.

“Tudo isso é razoável,” respondeu um dos eleitores presentes. “O que não é razoável é esse método de motosserra. Estão demitindo as pessoas erradas.”

Musk está deixando a esquerda perplexa, como previsto, e a direita indignada – o que não estava nos planos.

O corte de programas federais e o enxugamento de agências públicas estão afetando a transferência de recursos para os estados republicanos, que recebiam muito – até por questões eleitorais – no Governo Biden.

Enquanto empunha a motosserra que ganhou de presente de Javier Milei, Musk coleciona ataques esperados, como os do economista Paul Krugman, um democrata raiz, mas também recebe golpes de expoentes do Partido Republicano.

Steve Bannon, o antigo estrategista de Donald Trump, advertiu que certos gastos precisam ser enfrentados com cuidado, senão os próprios apoiadores de Trump ficarão enfurecidos – como começa a acontecer de fato.

Bannon lembrou que vários dos mais fiéis seguidores do MAGA dependem fortemente de programas como o Medicaid, o seguro de saúde público para os idosos de baixa renda.

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“Parece haver apenas confusão e caos em Capitol Hill. Mas talvez eu esteja enganado, talvez eles estejam fazendo algum progresso,” Bannon disse semana passada em seu podcast War Room.

No Substack, Krugman afirmou que Musk e seus jovens ‘assessores’ no DOGE “não sabem nada a respeito das agências que eles supostamente vão tornar mais eficientes.”

O título do artigo de Krugman resume: “Nosso Governo está passando por uma desmontagem rápida e não programada,” advertiu Krugman. “Musk está se movendo rápido e quebrando coisas importantes.” 

As demissões e cortes de recursos já atingiram órgãos como o National Forest Service, vital no combate a incêndios florestais, e o Centers for Disease Control and Prevention – e isso diante do risco de uma pandemia de gripe aviária. A motosserra ceifou também vagas na Federal Aviation Administration.

Milei concentrou seus cortes em transferências políticas e em cargos de funcionários sem concurso indicados pelos governos peronistas. Já o DOGE vai desorganizando o trabalho de algumas das principais agências federais que lidam com segurança pública e assistencialismo.

Musk vem recebendo críticas também por conflito de interesse, porque está interferindo no trabalho de algumas agências que regulam e fiscalizam diretamente suas empresas, como a Tesla, a Starlink e a SpaceX. 

“A estratégia parece evidente: Musk e seus minions decidiram demitir sumariamente quantos servidores federais for possível sem mesmo fazer qualquer esforço para entender o que esses trabalhadores fazem, e se eles são importantes,” disse Krugman.

Musk está replicando em escala federal o que fez no Twitter quando assumiu a gestão da empresa em 2022. Certo dia, os funcionários abriram a caixa de email e havia uma mensagem em que se lia algo como: “Aceite um conjunto amplo de mudanças no local de trabalho ou peça demissão.”

Foi mais ou menos o que aconteceu na última semana no Governo Federal dos EUA.

Na noite de sábado, o time de Musk enviou um email para 2,3 milhões de funcionários públicos dizendo que eles deveriam escrever como resposta cinco atividades que haviam executado na semana anterior. O prazo dado foi até as 23h59 de segunda-feira.

“Para deixar claro, a barra é bem baixa aqui,” postou Musk no X. “Um email com alguns bullet points que façam algum sentido já é aceitável! Deve levar menos do que cinco minutos para escrever.”

Foi um fim de semana de revolta e confusão na administração federal. O email chegou até mesmo para agentes do Pentágono, do FBI e da CIA, cujas atividades quase sempre precisam ser mantidas em sigilo.

Muitos chefes de departamento, inclusive alguns nomeados por Trump, disseram aos servidores para ignorar a exigência. Outros deram as respostas em nome dos subordinados.

Trump lançou um programa de demissão voluntária com o qual espera reduzir entre 5% e 10% o quadro de servidores, poupando algo como US$ 100 bilhões/ano.

A meta estabelecida por Musk é cortar US$ 2 trilhões de um orçamento que este ano deverá chegar a US$ 7 trilhões. Especialistas já disseram que o número é implausível – ao menos no curto prazo – levando em consideração que os gastos discricionários são de ‘apenas’ US$ 1,7 trilhão.

Musk já disse que se contentaria com US$ 1 trilhão, mas vem enfrentando crescentes barreiras legais e políticas – os checks and balances de uma nação que não é uma república das bananas.

Os métodos da motosserra de Musk estão longe de ser uma unanimidade, mas há um consenso razoável de que os EUA precisam agir para atacar seu desequilíbrio fiscal.

Em 2024, as despesas somaram US$ 6,75 trilhões, enquanto as receitas foram de US$ 4,92 trilhões. O déficit ficou em US$ 1,83 tri – o equivalente a 6,4% do PIB, ante uma média histórica de 3,8% nos últimos 50 anos.

Por razões demográficas, a tendência é de aumento dos desequilíbrios nos próximos anos. Se nada for feito, os juros tendem a abrir, atingindo em cheio o custo de capital e atividade econômica.

Por isso as iniciativas de Musk – embora atabalhoada e desafiando limites constitucionais – conta com a simpatia de nomes importantes, sobretudo em Wall Street.

“O Governo é ineficiente, não muito competente, e precisa de muito trabalho,” Jamie Dimon, o CEO do JP Morgan, disse na CNBC. “Não é apenas sobre desperdício e fraude, é resultado.”

Dimon afirmou que é necessário e bem-vindo o esforço do Governo Trump em controlar as despesas.

“Por que estamos gastando nessas coisas? Estamos recebendo aquilo que merecemos? O que deveríamos mudar?” perguntou Dimon. “Não se trata apenas do déficit, e sim de construir as políticas e os procedimentos corretos para o Governo que merecemos.”

Para Dimon, “os tribunais vão conter” as investidas do DOGE caso “elas ultrapassem as barreiras da lei.” “Mas tenho a expectativa de que seja bem-sucedido,” disse ele.

Scott Bessent, o secretário do Tesouro, tem dito que um dos objetivos de sua gestão é reduzir os juros longos, sobretudo as taxas dos títulos de 10 anos, a principal referência do custo de dinheiro nos EUA e na economia global.

“O Presidente quer juros mais baixos,” Bessent disse à Fox. “Ele e eu estamos focados no yield dos Treasuries de 10 anos.”

Até agora, a estratégia parece estar funcionando – mas talvez não pelo motivo imaginado.

Os rendimentos desses títulos estão em queda desde que Trump tomou posse. Hoje o yield recuou para 4,296% – o nível mais baixo desde dezembro.

Estaria o DOGE fazendo preço?

Para alguns analistas, o driver principal dessa queda foram os sinais de que o PIB do país já está em franca desaceleração.

“A economia está prestes a ter o tapete puxado debaixo de seus pés, porque as políticas vindas de Washington estão causando uma rápida perda da confiança nos consumidores,” disse um economista na CNBC. “A economia vai ter um crash landing. Pode apostar. O mercado de títulos está apostando.”

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