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Uma das máximas dos negócios diz que as estratégias vencedoras hoje não serão as mesmas que vão garantir o sucesso amanhã – e ela é particularmente verdadeira para momentos de mudança.
É num desses momentos de transformação que o mercado de reposição de autopeças se encontra. Com o avanço dos carros elétricos, a digitalização do consumo e a disrupção nos modelos de negócio, quem quiser conquistar uma parcela relevante do setor vai precisar de altas doses de inovação.
O cenário é promissor. Nos próximos anos, o mercado brasileiro deve quase dobrar de tamanho em termos reais, escalando dos atuais US$ 13 bilhões para US$ 25 bilhões em 2040.
São dois os principais fatores impulsionando esse crescimento. De um lado está o aumento e envelhecimento da frota. Aos atuais 47 milhões de unidades em circulação, serão somados cerca de 2 milhões de novas unidades ao ano, com a média de idade dos veículos chegando a 12,8 anos para os modelos à combustão e 5,6 anos para os elétricos – o que vai demandar mais reposições e reparos. O aumento resultante da frota se dará pelo aumento da população adulta (ainda que em taxas decrescentes) e da renda per capita.
Do outro lado está o incremento na sofisticação do conteúdo dos automóveis. Com cada vez mais recursos, como câmeras e sensores, a variedade e o volume de peças a serem repostas ao longo da sua vida útil tendem a aumentar.
Os dados são da mais recente pesquisa da McKinsey & Company, que mostra que o potencial de crescimento do setor está intimamente ligado à capacidade dos competidores de atender – e antecipar – novas demandas do consumidor.
O futuro é elétrico
Até 2040, espera-se que 55% das novas vendas e 21% da frota brasileira sejam de carros elétricos, totalizando 11 milhões de veículos desse tipo circulando nas ruas.
Os gastos com reposição de peças dos carros elétricos deverão ser 40% mais baixos do que com os de motor à combustão. Essa redução significativa poderá ser compensada por um aumento no valor agregado da manutenção. Com software e outras tecnologias embarcadas, veículos elétricos exigem uma mão de obra mais qualificada e custosa para realizar reparos que levam mais tempo de trabalho do que consertos mecânicos. Para isso, será imprescindível a capacitação dos prestadores de serviços.
Apesar do aumento no volume de elétricos, os carros à combustão vão seguir como a maior parte da frota brasileira, e a comercialização de seus componentes deve apresentar um crescimento ainda relevante até 2030. Enquanto isso, a venda de componentes dos elétricos apresentará o maior crescimento no período apesar da participação ainda limitada no mercado até 2040.
Ainda no quesito componentes, o segmento de pneus tem seu crescimento estimado em 150%, resultado de mudanças em suas dimensões. Nos carros mais modernos, eles são maiores e mais largos e, especificamente nos carros elétricos, são mais reforçados para suportar estruturas mais pesadas.
Digitalização: oportunidade para novos negócios
Num mercado predominantemente analógico, tem a vantagem competitiva quem investir no digital, como os canais de venda online. Nos Estados Unidos, a gigante Amazon somou mais de US$ 10 bilhões em vendas de autopeças em 2020. No Brasil, espera-se que as vendas de pneus pela internet atinjam 20% do total da receita até 2027.
O digital também é uma oportunidade para novos negócios. Na seara da manutenção automotiva, por exemplo, startups americanas já oferecem via aplicativo serviços que vão da realização de diagnósticos de reparos à solicitação remota de troca de pneus. Segundo pesquisa da McKinsey, 60% dos consumidores americanos entre 25 e 44 anos se declaram muito interessados nesse tipo de serviço mobile.
Na busca pela fidelização dos clientes, grandes fabricantes também têm apostado nos aplicativos com ofertas que variam de agendamento de assistência técnica à verificação remota do tanque de combustível e da temperatura do ar-condicionado do veículo.
Criando valor em meio à transformação
Na acelerada transformação do setor, diferentes estratégias podem ser exploradas – muitas delas de forma complementar:
1- Digitalização dos canais de venda. Seja por meio de e-commerce proprietário ou parceria com marketplaces estabelecidos, canais digitais de venda alinham-se com os novos comportamentos do consumidor. Além de viabilizar transações comerciais, estas plataformas impactam diretamente a eficiência da força de venda e permitem processos como gestão da conta do cliente e ajustes dinâmicos de preço.
2- Captura do potencial da analítica avançada. Tecnologias como inteligência artificial e machine learning capturam informações precisas e dinâmicas sobre o consumidor. Com isso, abrem-se oportunidades com a identificação de novas demandas em segmentos ou geografias antes pouco visados, a precificação com base em valor e a otimização da cadeia de suprimentos.
3- Fortalecimento do relacionamento com o cliente. O relacionamento com o cliente é ainda mais relevante num mercado digitalizado e cria oportunidades para aumentar a recorrência de vendas e a fidelização. Modelos de assinatura e programas de fidelidade são algumas das alternativas.
4- Criação de novos negócios. A diversificação para oferecer uma solução integrada e mais completa ao cliente será um fator-chave para conquistar mercado e melhorar o modelo de negócio. Empresas podem, por exemplo, investir em novos produtos, disponibilizar acesso a serviços financeiros, como financiamentos, ou expandir o escopo de atuação, treinando prestadores de serviço para as novas demandas dos carros elétricos.
O apetite de cada empresa vai apontar a melhor estratégia de curto a longo prazo, levando em conta fatores como investimentos, riscos associados e perfil dos consumidores.
Algumas empresas vão se identificar como inovadoras, assumindo empreendimentos que experimentam novas ideias com alta tolerância ao risco. Outras, vão se definir como mais céticas, enfrentando um custo maior para adotar inovações trazidas por aquelas que se arriscaram mais cedo e aprenderam mais rápido.
Em qualquer posição desse espectro, é preciso mover-se rápido: o mercado de reposição vai se desenvolver significativamente nos próximos anos – e ficar parado não pode ser uma opção. É hora de rever seu posicionamento, entender como se diferenciar no cenário emergente e traçar novas estratégias para se manter ou chegar ao topo.
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Roberto Fantoni é sócio sênior da McKinsey & Company
Felipe Fava é sócio da McKinsey & Company
Colaboraram Daniele Nadalin, sócio associado, e João Paulo Laager, gerente de projetos.