Um habitante de Jerusalém nos tempos de Jesus, há 2.000 anos, que fosse transportado para a Jerusalém do ano 1800, sob o domínio otomano, veria uma cidade maior do que aquela dos tempos do Império Romano.
Ainda assim, a vida das pessoas não havia sido alterada de maneira significativa.
Se esse viajante do tempo saltasse outros 100 anos no futuro, para 1900, ele ficaria surpreso ao ver a sua cidade completamente transformada.
Pensaria, provavelmente, que as máquinas e novas tecnologias eram coisa de bruxaria. Além do mais, as antigas habilidades de seu ofício seriam obsoletas numa economia em que boa parte das ocupações já exigia uma educação formal.
Praticamente do dia para a noite, em termos históricos, a população mundial experimentou uma dramática melhora na qualidade de vida, como descreve o economista israelense-americano Oded Galor, em A Jornada da Humanidade (Intrínseca; 336 páginas), já traduzida em 30 idiomas e que acaba de ser publicado no Brasil.
A ambição do livro, nas palavras de seu subtítulo, é decifrar “as origens da riqueza dos países e também da desigualdade”. Galor realiza um trabalho fantástico. Sintetiza em relativamente poucas páginas, de maneira fluente, como a humanidade se desenvolveu a partir de suas origens, há cerca de 300 mil anos, na savana africana.
Professor da Brown University, Galor concebeu o que chama de teoria unificada do crescimento econômico, o resultado de duas décadas de pesquisas na busca de compreender dois grandes “mistérios”: o mistério do crescimento – por que as nações começaram a ficar ricas, depois de uma estagnação de séculos – e o mistério da desigualdade – por que algumas regiões largaram na frente e outras ficaram para trás.
Enquanto alguns estudiosos do tema centram suas análises no desenvolvimento das instituições e do capital humano, Galor estuda as raízes mais profundas das disparidades, que podem ser resultado da influência da estrutura social existente nos primórdios de uma nação ou até mesmo da geografia.
“As forças que se formaram no passado distante são muito difíceis de serem removidas,” afirma Galor, em sua entrevista ao Brazil Journal.
Na conversa abaixo, o economista comenta por que os EUA se tornaram um país rico e o Brasil não, apesar de terem nascido praticamente ao mesmo tempo e com muitas características semelhantes. Ele fala também sobre como a educação pode ser o instrumento capaz de reduzir as desigualdades.
Muitos economistas e cientistas sociais já tentaram responder por que algumas nações ficaram ricas e outras nem tanto. Qual a contribuição de sua pesquisa a respeito desse tema?
Procurei explorar as raízes da desigualdade em todo o mundo. Uma parcela significativa dessa desigualdade pode ser atribuída a forças que operaram no passado distante – centenas de anos atrás, milhares de anos atrás.
Alguns pesquisadores olharam apenas na superfície. Observaram que alguns países são ricos porque têm mais educação ou porque usam máquinas melhores. Mas isso não nos leva a lugar nenhum, porque a questão é compreender por que algumas sociedades não investem adequadamente em educação e falham em aplicar tecnologias mais avançadas.
Existem dois mistérios fundamentais, o mistério do crescimento e o mistério da desigualdade. Algumas sociedades transitaram para o regime de crescimento moderno no início do século XIX, ou ainda antes, enquanto outras ficaram para trás.
Essa transformação representou, em média, um aumento de 14 vezes na renda per capita, e, portanto, aquelas que decolaram antes ampliaram sua distância. Uma enorme desigualdade se formou.
Então precisamos questionar por que vimos isso acontecer? Isso nos leva a estudar o colonialismo, as instituições, a cultura das sociedades. Finalmente, nos leva de volta ao papel dos fatores geográficos. O momento da revolução neolítica, o êxodo do homem moderno da África e seu impacto na diversidade.
Muitos economistas atualmente enfatizam o papel das instituições como fator crucial para o desenvolvimento. Mas você parece não dar a mesma ênfase. Por quê?
Sim, as instituições podem explicar muito da desigualdade entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. Talvez 100% da desigualdade entre os países. Existem alguns casos em que as instituições políticas e econômicas podem explicar boa parcela das divergências, mas em muitos deles não.
O desenvolvimento das instituições foi um subproduto do processo de desenvolvimento. Particularmente no contexto da América Latina, as instituições não surgiram do nada.
Na América Latina e no Caribe, fatores geográficos contribuíram para o surgimento de plantations e foram formados grandes latifúndios. Na sequência, surgiu uma aristocracia fundiária que, para preservar o poder, interfere na criação das instituições, tornando-as mais extrativistas e escravocratas em algumas regiões. As instituições refletem, portanto, forças mais profundas.
Na Itália, a renda per capita no Sul é 2/3 da do Norte – e ambas as regiões estão sob as mesmas instituições. A divergência pode refletir fatores geográficos e históricos.
Por que é tão difícil reverter as disparidades?
As forças que se formaram no passado distante são muito difíceis de serem removidas. Um fator importante é a diversidade de uma sociedade, algo com implicações conflitantes para o desenvolvimento.
Se você pensar na sociedade brasileira, é uma sociedade altamente diversa culturalmente. Por um lado, é positivo para produtividade e inovações. Mas a diversidade pode levar à falta de coesão social, desconfiança, falta de coordenação nas políticas públicas. Torna-se uma fonte de conflito.
Como o Brasil pode enfrentar esse desafio?
O sistema educacional brasileiro deveria enfatizar a tolerância, com respeito à diferença e ao pluralismo, de modo a gerar mais coesão social e aproveitar a diversidade como motor de inovações. O segundo elemento importante é que, dado o legado da escravidão e das instituições que havia no passado, vários grupos da sociedade estão sendo marginalizados no processo educacional.
O número de anos de estudo dos brasileiros é relativamente baixo. Mas ainda mais relevante é que a qualidade da educação, medida por diferentes padrões internacionais, é baixa.
Uma educação flexível permite que os indivíduos lidem com um ambiente tecnológico em rápida mudança. Traz mais progresso tecnológico e adaptação. É o elemento mais importante na capacidade das sociedades de florescer a longo prazo.
Existem muitas características comuns na história dos EUA e do Brasil. O que explica o surgimento do enorme fosso que separa hoje os dois países?
Essa lacuna é baseada em duas forças fundamentais.
Em primeiro lugar, a distribuição da propriedade da terra foi muito mais desigual no Brasil do que nos EUA, devido à maior aptidão das terras para o cultivo de culturas que requerem grandes plantações. A maior concentração da propriedade da terra no Brasil levou ao surgimento de uma poderosa elite fundiária que bloqueou avanços na educação, uma vez que a educação tornava os trabalhadores mais atraentes para o setor urbano.
Além disso, a poderosa elite latifundiária fomentou a adoção de instituições extrativistas e escravocratas destinadas a manter a desigualdade. Em contraste, uma distribuição mais igualitária da propriedade da terra nos Estados Unidos levou a grandes investimentos em educação e à adoção de instituições inclusivas e promotoras do crescimento.
Em segundo lugar, os EUA foram colonizados inicialmente pelos britânicos, que trouxeram consigo as instituições mais inclusivas que prevaleciam na Inglaterra na época, enquanto o Brasil foi colonizado pelos portugueses que trouxeram consigo as instituições mais extrativistas que prevaleciam em Portugal.
Essas diferenças na educação e nas instituições políticas persistiram ao longo do tempo e levaram à atual lacuna na prosperidade econômica entre o Brasil e os EUA.
O mundo enfrenta desafios em diversas frentes, com polarização política, conflitos sociais, o impacto das novas tecnologias e a ameaça das mudanças climáticas. Continua otimista com relação à jornada da humanidade rumo ao progresso?
Quando você escreve um livro do escopo de A Jornada da Humanidade, percebe como houve abalos significativos no decorrer da história. Se pensarmos desde o surgimento do Homo sapiens há 300.000 anos, houve muitos momentos em que a humanidade parecia estar à beira de uma catástrofe e à beira da extinção. Mas sempre a engenhosidade humana prevaleceu.
A respeito dos desafios atuais, as mudanças climáticas são algo muito relevante. Se não formos complacentes e avançarmos gradualmente para tecnologias mais favoráveis ao ambiente, se educarmos devidamente a população, teremos ações coordenadas para implementar novos padrões mais sustentáveis.
Nunca fomos capazes de prever, no passado, o tipo de tecnologia que surgiria três ou quatro décadas à frente. O mesmo é verdade hoje. A engenhosidade humana nos permitirá ter as tecnologias que acabarão por mitigar o curso atual das mudanças climáticas e, talvez, até o final do século, tornar essa ameaça uma memória distante.