Fernando Campana nasceu em 1961 em Brotas, quando a cidadezinha a 244 km de São Paulo tinha apenas 13 mil habitantes.

Junto com o irmão mais velho, Humberto, também nascido e criado por lá, Fernando criou uma das grifes mais reconhecidas internacionalmente no mundo do design, da moda, da cenografia e do luxo.

A dupla inventou interiores de hotéis na Grécia, Tailândia e França – incluindo o Café Campana, no Museu D’Orsay – e fez peças exclusivas para a Louis Vuitton, Edra, Camper, Baccarat, Alessi, criando de joias a moda, de mobiliário a cenografia.  Os irmãos já tiveram peças expostas no MoMa, no Pompidou, no Design Museum de Londres e no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio.

Fernando Campana, o mais jovem da dupla, morreu esta semana aos 61 anos, de causa não-revelada, depois de ficar internado dez dias. Há apenas duas semanas, havia aberto uma exposição com seus trabalhos artísticos mais recentes e inéditos na Galeria Luciana Brito, Polifonia Campana. A exposição fica em cartaz até janeiro.

Fora do diminuto nicho da arquitetura e do design, muitos brasileiros não têm ideia do renome da dupla que abraçou uma brasilidade colorida, lúdica, irreverente e nada, nada blasé em suas criações.

Em um ambiente de modernismo longevo, com linhas retas, madeiras e contenção nas cores, os Campana levaram ursinhos de pelúcia, retalhos, cordas trançadas de cores muito vivas, carnaval e o kitsch a seus trabalhos.

Antes da reciclagem se tornar imperativa, já reutilizavam plásticos-bolha, cordas, novelos de linha, sarrafos de madeira. Numa retrospectiva no MAM carioca, comemorando os 35 anos de carreira em 2020, Fernando brincou com o resultado lúdico de suas misturas. “É atraente sobretudo para as crianças, mas vai dar trabalho para a segurança do museu…”

Fernando se formou em Arquitetura pela Belas Artes, de São Paulo, enquanto o mais velho, Humberto, se formou em Direito pela USP. Muito rapidamente, ambos descobririam e abraçariam a vocação para o design, criando o Estúdio Campana em 1984.

Numa parceria prestes a completar 40 anos, eles começaram na Vila Anglo-Brasileira, passaram décadas em um ateliê em Santa Cecília – muito antes desta se tornar um reduto hipster – e se instalaram recentemente no bairro paulistano da Pompeia.

Há mais de 20 anos, as grandes marcas de luxo do mundo recorrem aos Campana para rejuvenescer ou dar bossa à sua imagem.

Conheci os irmãos quando eu morava em Pequim. Ambos eram os convidados de um evento da Lacoste em uma colaboração inusitada. O desafio: como dar alguma rebeldia à tradicional polo com o pequeno jacaré – criado em 1933 em homenagem ao tenista e empresário da moda René Lacoste, chamado pelos americanos “the alligator”?

Os Campana fizeram a camiseta inteirinha com jacarés espalhados, uma cena digna do Pantanal ou da Flórida, de jacarés, criando um conjunto inesperado e mais selvagem.

Muitos especialistas acreditam que o trabalho dos brotenses é mais festejado no exterior que em casa. No final dos anos 90, já eram chamados de “gênios brasileiros do design” pela revista britânica Wallpaper, a bíblia do estilo de então, estampando revistas com seu sofá Boa, produzido pela italiana Edra, vendido então a 20 mil euros. (Uma dessas peças aparece em tudo quanto é selfie de quem se esparrama no lobby do hotel Unique.)

A indústria brasileira foi muito modesta nas encomendas à dupla, reforçando o clichê contra os santos de casa (no Brasil, muitos ainda acham que o barroquismo um tanto cansado de Philippe Starck ainda seja luxo inovador).

Seus trabalhos mais conhecidos no País são algumas cenografias para a São Paulo Fashion Week, a decoração do bar-restaurante do Theatro Municipal de São Paulo, uma ou outra peça para Melissa, H. Stern e TokStok, e até uma peça-instalação para o mercado imobiliário.

Seu projeto do parque de bolso com feirinha de orgânicos – que ligaria a avenida Paulista à Cidade Matarazzo – não saiu do papel, após enfrentar a oposição da vizinhança da Bela Vista, que chegou a ir à Justiça. Azar dos vizinhos.

Em 2008, Humberto e Fernando criaram o Instituto Campana para catalogar seu acervo e desenvolver trabalhos sociais e profissionais com artesãos e jovens da periferia.

No ano passado, anunciaram que estavam transformando um sítio da família em um museu a céu aberto, que celebraria a arte, o design e o verde onde cresceram. Ambas empreitadas serão continuadas agora por Humberto, que tem 69 anos.

Décadas depois, Brotas só chegou aos 24 mil habitantes – e se tornou um destino para os amantes do rafting e da canoagem. Que em breve, muito breve, ela também seja lembrada como a terra dos grandes embaixadores do design nacional.

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