“Não somos nada para eles.”
A frase, dita por uma das strippers no filme “As Golpistas”, refletia o sentimento de todas: o de que reduziam-se a meros objetos despertando o desejo dos homens no inferninho Clube do Pecado.
As mulheres, de forma geral, predispõem-se a ser objeto de desejo de homens – contanto que não se limitem a isto, como no filme. Elam querem também ser objetos de amor e serem envolvidas por palavras de amor. Serem tratadas por aqueles homens, noite após noite, com indiferença, despeito e violência, lembravam-nas que não eram amadas.
A importância que a dimensão amorosa tem na vida de uma mulher é em nada comparável à que tem na de um homem. O amor supre uma certa falta, uma dada inconsistência de ser que é estrutural na mulher. “É pelo que ela não é, que a mulher quer ser desejada e amada”, diz Lacan.
Ora, se a mulher busca formas de lidar com este sentimento bem feminino de falta, o homem, em contrapartida, procura evitar sentir qualquer falta. Desde pequeno, ao se deparar com a visão da diferença anatômica dos sexos, fantasiosamente pensa faltar algo no corpo da mulher (algo que ele “tem”…). Embora supere esta crença infantil, mantém em seu inconsciente uma marca do medo de “não ter”; agarrando-se ao seu “ter”. Assim, é levado a pensar que “tem” o falo — uma representação imaginária que, apesar de construída a partir do órgão do homem, não é a (mesma) coisa. De fato, ninguém possui (“tem”) o falo, pois como símbolo de poder, ele circula…
Para o homem, é mais confortável e tranquilo desejar uma mulher do que amá-la. Para amar, é necessário aceitar que se tem uma falta – inclusive falta de uma mulher. A fórmula lacaniana de amor é bem esta: “amar não é dar-se o que se tem e sim o que não se tem, isto é, do que se sente falta”.
Os homens que frequentam o Clube do Pecado insistem em esbanjar o que “têm”; no caso, o dinheiro. “A quantia que eles gastam no clube não lhes faz falta,” dizem as mulheres. Contra o “nós não somos nada para eles”, do qual tanto se ressentem, as mulheres revidam: “e eles não são nada para nós”.
O que isto significa? Que as mulheres também têm suas condições para desejar um homem. Um homem é desejado por ser portador dos atributos fálicos em seu corpo e em sua vida (dinheiro, poder, charme, tudo o que ele possa “ter”). Mas ele também é desejado quando não se sente o super-homem, quando sente “faltar-lhe” algo.
É por esta “falta” que a mulher encontra a brecha através da qual o amor entre eles é possível. E o amor, como escreveu Vinicius, “é o que, pela via do imaginário, permite tornar suportável e mesmo agradável, a arte do encontro, enquanto desacordo”.
Não esperando amor da parte dos homens, “as golpistas” do filme o encontram nas relações afetivas que estabelecem entre si. Um ambiente de cordialidade, compreensão e alegria nos camarins acolhia-as para suportar a condição de sujeição que viviam. Vemos desfilando uma série de figuras “maternas” afetuosas e acolhedoras, oásis de paz: a responsável pelo camarim é chamada de Mãe (Mom); a avó de Destiny – que a recolhera ao ela ser abandonada pela mãe – é uma figura meiga e generosa. Não é outra a imagem transmitida na cena em que Ramona (Jennifer Lopez), a rainha das strippers, acolhe a jovem Destiny (Constance Wu) — que viera em trajes leves lhe falar de sua admiração por ela no terraço — em seu amplo casaco de peles.
A crise de 2008 que atingiu o mundo financeiro alterou vários cenários; inclusive o que se desenrolava no Clube, desenhando novo horizonte nas relações entre os homens e mulheres que nele evoluíam. Afinal, aqueles homens haviam sofrido perdas e não apareciam mais. Para sobreviverem, as strippers tinham que se (re) inventar.
A decisão orquestrada por Ramona para que o quarteto formado por elas perpetrasse atos para forçarem homens a despender quantias consideráveis pode ter sido motivada – para além da necessidade de elas amealharam dinheiro – por uma vingança contra a posição deles de sempre terem se gabado de “ter”.
Afinal, uma nova modalidade de abordar o falo seria trazida à tona nessa relação. Ao doparem e fragilizarem os homens, elas se apropriam de seus cartões de crédito – e é interessante como estes passam de mão em mão entre as strippers; os cartões são, no caso, metáfora do falo que circula e que ninguém na verdade possui. Assim, destituindo os homens de somas consideráveis, elas os obrigam a sentir falta de algo, sim. Mais do que o dinheiro, são sobretudo estes aspectos que, tudo indica, dão àquelas mulheres machucadas um enorme prazer.
Malvine Zalcberg é psicanalista e autora de “De menina a mulher: cenas da edificação da feminilidade no cinema e na psicanálise” (Edições de Janeiro, 2019).