Dono da Bridgewater Associates, o maior hedge fund do mundo — onde administra 165 bilhões de dólares de clientes muito ricos — Ray Dalio é uma lenda no mercado financeiro.
Matt, seu filho, quer mudar a vida dos que têm muito pouco.
Dalio (o filho) e um sócio brasileiro trabalham há cerca de três anos num dos mais ambiciosos projetos para levar um computador aos sem-PC — um público de 4,4 bilhões de pessoas ao redor do mundo, principalmente, é claro, em países emergentes.
Na semana passada, eles anunciaram o lançamento do Endless, um desktop que mistura o design elegante dos primeiros iMacs com as boas intenções do ‘One Laptop per Child’, a utópica ideia que Nicholas Negroponte, do MIT, tentou fazer decolar na década passada.
Talvez chamar o Endless de ‘desktop’ seja um pouco de exagero: ele não vem nem com monitor nem teclado. Com preço de varejo de 169 dólares no modelo de 32 GB, a mais básica de três versões, ele é uma CPU que pode ser conectada a qualquer aparelho de TV ou até a um monitor velho — obviamente, explorando o fato de que quase todo mundo tem TV em casa. A versão mais cara tem 500 GB, Wifi e caixa de som embutida, e custa 229 dólares.
Mas o Endless não é apenas um computador ‘mais barato’. Diferentemente de outros PCs ou laptops, ele já vem com todo o conteúdo da Wikipédia e 700 vídeos da Khan Academy, a escola virtual fundada por Salman Khan, que oferece vídeo-aulas gratuitamente no Youtube. Ao todo, são 100 apps educacionais e ferramentas de trabalho que funcionam mesmo quando o computador está offline, e que dão ao Endless uma dimensão educacional que outros produtos não têm.
Para chegar a esta configuração, foram três anos de pesquisa com potenciais usuários — na Rocinha, na Guatemala e na Índia. “Queríamos algo intuitivo, para quem nunca teve acesso à tecnologia, e que tivesse relevância para quem mora em áreas sem conexão de internet”, diz Marcelo Sampaio, o sócio brasileiro da Endless. Hoje, a empresa tem 60 pessoas, das quais cerca de 10 trabalham em seu escritório no Rio.
Mas por que a Endless insiste em explorar um mercado — desktops — em que as vendas declinam ano a ano? O PC não está morto? Por que não investir em celulares ou tablets?
“Depois de conversar com usuários, a gente concluiu que os smartphones e tablets são úteis para consumir informação e se comunicar, mas que os computadores ainda são a principal opção para ‘gerar conteúdo’: trabalhar, fazer pesquisa de escola. Todo mundo que tem condição de ter um computador tem um. E queremos que todo mundo tenha essa oportunidade”, diz Sampaio, lembrando que a Endless não planeja vender o produto nos EUA, só em países emergentes.
A Endless busca uma operação milimetricamente cirúrgica: ela não quer focar na ‘base da base’ da pirâmide (onde as pessoas frequentemente não têm nem internet nem eletricidade), nem brigar no meio da pirâmide, onde concorreria direto com marcas como a Acer. Seu ‘sweet spot’ é, digamos, a elite do andar de baixo. Mesmo que esse desafio dê errado, tem gente da indústria apostando que a verdadeira inovação da Endless está no seu software, carregado de conteúdo relevante para este público.
Para dificultar ainda mais sua execução, o Endless chega num momento em que o Google ameaça virar de ponta cabeça o conceito de computador. Há duas semanas, o Google anunciou o Chromebit, uma CPU em formato de pendrive com um conceito parecido com o Endless. Por 100 dólares, o aparelho se conecta à TV por meio de HDMI, e ao mouse e ao teclado via bluetooth.
Mas o device do Google vai rodar no sistema operacional Chrome, que é muito dependente da internet, enquanto o Endless e seu sistema operacional, baseado no Linux, ganham relevância em locais onde não existe conexão com internet ou onde ela é cara e ruim — em suma, locais onde vivem 60% da população mundial.
Dalio hoje tem 31 anos, dois diplomas de Harvard (psicologia e economia) e um MBA por Stanford. Sua preocupação com os menos afortunados começou quando ele tinha 11 anos. O pai ofereceu a todos os filhos a oportunidade de morar fora, e Matt foi o único que aceitou. Passou um ano na China e aprendeu mandarim morando com uma família e frequentando uma escola chinesa. Aos 16, fundou uma ONG chamada China Care, que financia cirurgias e atendimento médico para crianças órfãs.
Apesar de todas as implicações sociais de seu produto, a Endless gosta de ressaltar as diferenças com o projeto de Negroponte. “Não somos uma ONG nem empresa social. Vamos vender o computador para quem puder comprar, desde que a um preço justo”, diz Dalio.
No Brasil, onde tem funcionários fazendo pesquisa de campo e design de software, a Endless ainda enfrenta um desafio de preço.
Enquanto o produto chega ao mercado mundial com um preço de entrada de 169 dólares (versão 32GB sem wifi), no Brasil, com os impostos que ainda rendem homenagem à Lei de Informática dos anos 70 — Joaquim, olha aí uma boa microrreforma! — um Endless básico não sairia por muito menos de 1.000 reais.
“Mesmo diante do enorme desafio tributário, estamos fazendo todos os esforços para trazer nossos produtos para o menor preço possível”, diz Sampaio, que ainda não sabe quanto custará o Endless aqui.
Uma das possibilidades em estudo, até que se tenha uma fábrica ou parceria para produção no Brasil, seria embarcar o software — o sistema operacional com os aplicativos — em máquinas já existentes em escolas públicas.