BRASÍLIA — O governo Bolsonaro pode enfrentar um shutdown ainda no primeiro ano de mandato. E o risco — em grande parte fora do radar do mercado — não é novidade para ninguém em Brasília: nem para a equipe econômica de Paulo Guedes, nem para o governo que se despediu em dezembro.
Para cumprir a chamada regra de ouro — que impede o Tesouro de emitir dívida para cobrir gastos correntes — o Governo precisa aprovar até 30 de junho um pedido de crédito suplementar de R$ 248 bilhões.
O pedido, que já constava no Orçamento de 2019, é essencial para manter gastos correntes essenciais tais como o pagamento de benefícios do INSS e outras obrigações.
Nos últimos dias, integrantes da equipe econômica reconheceram ao Brazil Journal que será muito difícil o governo convencer o Congresso a correr contra o tempo para autorizar a emissão de dívida e evitar a falta de recursos que ocorrerá já a partir de julho.
“Junho é um mês curto no Congresso”, disse uma fonte, referindo-se ao mês em que os parlamentares do Nordeste param por pelo menos uma semana para as festas juninas nas suas bases eleitorais. A aprovação precisa ser por maioria absoluta nas duas casas: 257 votos na Câmara e 41 no Senado.
Para piorar a situação, neste momento o governo usa todas as suas fichas para fazer andar a reforma da previdência, e o pedido de crédito suplementar será usado como moeda de troca por muitos parlamentares.
O rombo nos cofres públicos em 2019 já era projetado há um ano pela equipe econômica do Governo Temer, que fez inúmeros malabarismos e apertos no orçamento para conseguir fechar as contas em meio a déficits recorrentes nos últimos anos.
O tema foi discutido com o Congresso e chegou-se a ventilar uma emenda constitucional para resolver de forma estrutural o impasse da regra de ouro. A ideia era criar mecanismos semelhantes aos do teto dos gastos, com gatilhos que fechariam as torneiras antes do estouro da regra. O texto, apresentado à época pelo deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), não andou em 2018, em parte porque havia uma eleição presidencial no meio do caminho.
“A proposta foi rechaçada por economistas e políticos,” Marcos Lisboa escreveu na Folha, alertando para o problema. “Foi interpretada como uma licença para gastar. O governo que se virasse para cumprir a regra de ouro. Foram de pouca valia as explicações de que, sem reformas profundas como a da Previdência e outras medidas legais, muitas na contramão da nossa jurisprudência atual, o problema seria inevitável.”
A solução criada pelo Governo Temer foi incluir no Orçamento de 2019 um pedido de crédito suplementar para honrar gastos sociais como o Bolsa Família, o BPC (assistência social), o pagamento de benefícios do INSS e subsídios agrícolas, além de compensações pela desoneração da folha de pagamento. (Os salários dos servidores estão de fora.)
Uma forma de deixar o rombo menor seria utilizar o resultado do Banco Central e apressar a devolução de créditos devidos pelo BNDES ao Tesouro Nacional, mas o pagamento precisaria ser feito ainda no primeiro semestre deste ano. Mesmo assim, a conta não fecha.
A regra de ouro proíbe o governo de se endividar para pagar despesas correntes. A única forma de resolver este problema, quando o rombo é maior do que o esperado, é pedir autorização ao Congresso para emitir dívida. Caso não obtenha essa autorização, o governo é forçado (neste caso, a partir de julho) a deixar de cumprir suas obrigações, levando a um shutdown parcial que afetará em cheio gastos sociais.
Se, por outro lado, o Governo for adiante e continuar fazendo os repasses, isso caracteriza crime de responsabilidade fiscal, deixando o Presidente exposto a um processo de impeachment.
O Governo Temer já sabia que a situação deste ano seria dramática, mesmo que a aprovação da reforma da previdência houvesse ocorrido no primeiro trimestre. Ao incluir o pedido de crédito suplementar no Orçamento de 2019, imaginou, entretanto, que o novo governo teria capital político suficiente para convencer deputados e senadores de que a autorização para emitir mais dívida era questão de sobrevivência coletiva.
Faltou incluir na conta a desarticulação política do novo Governo e a ausência de uma base de apoio no Congresso.