Todo País precisa de uma consciência crítica.
Se além de inteligente e engraçada, esta consciência for capaz de explicar a realidade em termos didáticos, servindo um prato de política a um público jovem que tem nojo do assunto, melhor ainda. E se tudo isso acontecer na televisão e puder virar clipes no YouTube, nirvana.
Nos últimos 16 anos, Jon Stewart prestou este serviço público aos EUA.
Essa semana marcou o último episódio do seu The Daily Show, o programa de humor mais longevo e influente da televisão americana, com um texto capaz de destrinchar o noticiário do dia e mostrar onde o público estava sendo enganado por Washington. Ou por Wall Street.
Infelizmente para nós, não há um Jon Stewart na televisão brasileira, um comediante que desconstrua diariamente os políticos e as mistificações do poder, chamando as mentiras pelo que elas são: bullshit.
Programas como o CQC e os talk shows mais recentes tentam botar o pezinho nessa água, mas neles, o humor tem precedência sobre o argumento, enquanto no Daily Show ocorria o contrário — o que elevava o programa ao estado de arte.
No Brasil, talvez o humor que melhor se conecta com a fome da sociedade brasileira por uma crítica ácida esteja no Porta dos Fundos, que ajuda a iluminar assuntos tratados de forma superficial ou burocrática por boa parte da imprensa. São épicas as desconstruções que o Porta — um trabalho de equipe, não de um homem só — faz da bullshitagem pseudoteológica na política, e da voracidade de alguns políticos pelo alheio.
Em muitos aspectos, os EUA nunca precisaram tanto de Jon Stewart. O candidato que lidera as pesquisas de opinião no Partido Republicano é a definição do perfeito idiota americano, com um penteado caricato e um ego XXXL. O fato de que Donald Trump lidera — ainda que momentaneamente — a corrida dentro de seu partido mostra como os políticos tradicionais conseguiram, finalmente, transformar a política num circo, ainda que de horrores.
Já o Brasil, este nunca precisou tanto de um Jon Stewart. Aqui, certamente, haveria ainda mais material.
Uma piada que corria no WhatsApp essa semana mostrava uma foto da Presidente Dilma Rousseff com um papagaio na mão. A legenda dizia: “É um animal que fala com dificuldade, não tem um raciocínio claro e ninguém entende muito bem o que quer dizer.” E o complemento: “O Outro é um papagaio.”
Forte? Talvez, mas quando a sociedade está enfurecida, só o humor dá conta do recado, e só um Jon Stewart poderia fazer melhor, certamente com mais classe.
E que tal a outra piada brasileira, prato cheio para uma desconstrução stewartiana? O presidente da Câmara que, acuado num escândalo de corrupção, bota em votação projetos que dinamitam as contas públicas no momento exato em que o País tenta consertá-las, fazendo explodir, enfim, suas cores Frank Underwood. Cobrado, faz cara de paisagem e diz aos repórteres que ali não há vingança, apenas uma Câmara sendo independente. Chamem o Jon….
As piadas nossas de cada dia o PT nos dá hoje, como o programa do partido na TV que zombou dos panelaços. Aliás, a recusa do PT e de Dilma de fazerem um mea culpa apropriado é mais um material do tipo que fez a carreira de Stewart. Ele certamente faria um editorial mostrando que a comida com a qual o PT diz ter enchido as panelas foi devorada pela inflação e sequestrada pelo desemprego.
Não bastasse seu talento como comediante, Jon Stewart mostrava diariamente ter um grande coração. Era genuína sua revolta com os argumentos feitos sem base factual, sua defesa do interesse público quando este era subjugado pelo privado, bem como seu horror a pontos de vista baseados em dois pesos e duas medidas.
E num show business repleto de gente com pouco conteúdo e uma opinião estratosférica sobre si mesma, Stewart era justamente o oposto. Humilde apesar do sucesso avassalador, era generoso com os que trabalhavam com ele, sempre dividindo o crédito pela qualidade do programa e ajudando colegas a decolar em carreiras solo (John Oliver, do Last Week Tonight, na HBO, é o caso mais conhecido.)
Por sua inteligência e humanidade, um Jon Stewart ajuda uma sociedade a pensar nos seus problemas enquanto ri de si mesma. Ajuda uma democracia a respirar melhor.
Tavez o Brasil — um País onde toda crítica é ‘pessoal’, onde as superficialidades são ditas em público e as verdades, em particular — não esteja ainda pronto para um crítico deste calibre. Ou, se é que o ovo vem mesmo antes da galinha, tavez nunca estaremos prontos, por não nos permitirmos começar.