Warren Buffett é fã de Howard Marks.
“Quando vejo os memorandos do Howard Marks no meu email, eles são a primeira coisa que abro e leio”, Buffett disse certa vez.
Os memos de Marks aos clientes da Oaktree Capital Management versam sobre estratégias de investimento e a economia em geral, e o transformaram numa franquia de ponderação em Wall Street. Seu livro ‘The Most Important Thing’ (ou ‘De Zero a Cem’ na tradução para o português) vendeu mais de 6 milhões de cópias.
A própria Oaktree também mudou de patamar na crise de 2008. Pouco antes, ela havia levantado o maior fundo de dívida ‘distressed’ da história — US$10,9 bi — que gerou retornos fabulosos para os clientes da casa.
Marks começou no mercado no então Citicorp, e em 1985 se juntou à TCW, a empresa de private equity, onde supervisionou investimentos em títulos high yield e conversíveis.
Foi na TCW que, em 1988, ele e Bruce Karsh levantaram um dos primeiros fundos de dívida em dificuldades de uma instituição financeira tradicional. Em 1995, Marks e cinco outros sócios saíram da TCW para fundar a Oaktree em Los Angeles. Hoje, a gestora administra US$ 122 bilhões e Marks é seu co-chairman.
Ele esteve no Brasil no início do mês para conversar com investidores. A Oaktree e sua sócia local, a Itajubá Investimentos, esperam captar R$ 300 milhões para o Oaktree Global Credit Fund, que reúne as 10 estratégias de crédito líquidas da Oaktree. É a primeira vez que a Oaktree cria um veículo local para captar em reais.
Marks conversou com o Brazil Journal. Ele acredita que o ciclo de alta nos Estados Unidos está próximo do fim – e afirma que a ‘injeção de adrenalina’ na economia americana com o corte de impostos de Trump pode ser o estopim da crise.
Se há uma coisa que está clara em todos os seus textos é que investir não é um jogo de adivinhação. Ainda assim, vou te pedir um chute. A próxima crise deve dar ainda mais oportunidades (a quem estiver líquido) do que a anterior?
Essa não é uma resposta fácil. A última crise foi global, e eu não acredito que a próxima crise também será. Os bancos não estão tão alavancados e o principal combustível para a última crise foram as hipotecas subprime – um mercado gigantesco de um produto que, essencialmente, era fraudulento. Como os bancos não estão tão alavancados, e os hedge funds não vem atraindo tanto dinheiro, não acredito que o próximo ciclo de baixa será um crash, vai ser um ciclo de baixa mais convencional. Então, quantitativamente, eu não acho que as oportunidades serão tão boas.
Mas, falando de forma qualitativa, elas podem ser, porque o volume de empréstimos cresceu muito desde então. Há o dobro de bonds e empréstimos sem investment grade do que havia em 2007. Os padrões são muito baixos, a indústria de private equity levantou uma quantidade enorme de recursos. Eles estão sentados numa pilha de US$ 1,5 trilhão de capital que ainda não foi alocado, e até onde eu sei, estão pagando preços bem mais altos pelas empresas do que antes da última crise, com taxas de alavancagem bem mais altas. Resumindo: o volume de oportunidades não será tão grande, e não acho que haverá uma ameaça ao sistema financeiro como houve há 11 anos, mas acho que quando as coisas piorarem elas vão ficar muito ruins.
Onde surgirão as oportunidades na próxima baixa? Nos Estados Unidos? Ou elas serão globais?
Acho que as piores violações de crédito aconteceram nos Estados Unidos – que foi o primeiro país a dar estímulos, o primeiro a reduzir as taxas de juros, o primeiro a fazer o QE [quantitative easing], a primeira economia a começar a se recuperar e está na recuperação mais longa e que atingiu o ponto mais alto.
Neste momento, as melhores oportunidades estão fora do Estados Unidos. Vários fundos da Oaktree aplicaram na Europa, uma parte foi para a América Latina, outra para a Ásia. Mas acho que o próximo fundo vai principalmente para os Estados Unidos.
Você disse sobre as oportunidades do próximo ciclo de baixa de forma quantitativa e qualitativa. Dá para dizer quão próximos estamos dele?
E quem sabe? Eu faço isso há 50 anos e uma das coisas que aprendi é que os nós investidores às vezes temos uma ideia do que vai acontecer, mas nunca sabemos quando. Pensar que sabemos o timing é arrogância, e normalmente é a principal fonte de erros.
Feita essa ressalva, acho que estamos no oitavo inning [referência ao baseball, que normalmente tem nove innings] – eu só não sei quantos innings tem neste jogo. Não dá para durar mais muito tempo. Hoje, a economia dos Estados Unidos parece muito forte e o corte de impostos do Trump dá muito estímulo. Mas eu acho que em parte esse estímulo é falso. É como uma injeção de adrenalina: os médicos não dão uma injeção de adrenalina para pacientes saudáveis. Nossa economia já estava muito saudável em dezembro ou janeiro, eles deram essa injeção e nós tivemos um segundo trimestre com crescimento de 4,1%, que é o maior em quatro anos.
Então, a pergunta é: esse estímulo vai fazer com que a economia decole ou vai provocar um superaquecimento que a levará para um nível a partir do qual não dá mais para continuar? Nós não sabemos.
Como investidor, como você enxerga o Brasil hoje?
Acho o Brasil muito interessante. O país tem muitos recursos fortes, tanto naturais quanto do ponto de vista humano. E muito potencial. A questão é: dá pra reduzir ao menos um pouco a ciclicalidade? A gestão econômica pode ser saudável? Isso depende do governo. Estamos esperançosos com o Brasil, temos uma visão otimista neste sentido, temos uma atividade forte nos mercados de dívida e ações emergentes e investimos no Brasil de tempos em tempos. Estamos prontos para aumentar nossa alocação no Brasil se as condições que eu mencionei se materializarem. Espero que isso aconteça.
Em junho, o senhor escreveu um ‘memo’ chamado “Investindo sem pessoas”, analisando tendências como investimento em ETFs, fundos passivos e estratégias quantitativas. Quais suas principais visões em relação à ascensão de investimentos passivos e baseados em algoritmos?
Número 1: as pessoas normalmente não tem a capacidade preditiva que dizem ter ou precisam ter para ser investidores superiores. Número 2: as pessoas cometem erros e só conseguem lidar com uma quantidade limitada de dados. Número 3: elas são emocionais e as emoções podem interferir na performance de investimento. Então não é todo mundo que pode tomar boas decisões de investimento e, historicamente, os investimentos têm sido precificados sob a hipótese de que todo mundo na indústria de investimento está fazendo um bom trabalho.
Em outras palavras: a maioria dos gestores não são acima da média e está cobrando taxas como se fossem. Essa não é uma oferta atrativa, e não deveria ser uma surpresa o fato de as pessoas não quererem mais comprá-la. Na verdade, o que é intrigante é que levou 40 anos para que as pessoas parassem de comprá-la.
Acredito que os fundos passivos e quantitativos podem fazer um trabalho melhor que – quem sabe? – 90% dos gestores ativos. Eu ainda não acho que eles podem fazer um trabalho melhor do que os gestores que estão no topo da cadeia. Se alguém consegue transformar de forma consistente um dólar em dois, esse cara sempre terá o trabalho. Hoje o mundo entende que os gestores excepcionais são ainda mais excepcionais do que se pensava.
Há toda uma indústria voltada a dizer que investir é fácil e dando fórmulas prontas de como investir em ações. O que o senhor tem a dizer a essas pessoas – pessoas comuns, não aquelas que estão do mercado financeiro – que querem ganhar dinheiro? Recomenda que comprem um fundo passivo?
Acho que as pessoas são mais bem servidas por um fundo passivo. Para a maioria das pessoas, acho que o mais importante são taxas mais baratas e não faz sentido ficar pulando de um ativo para outro. Se você investir num bom portfólio de ações, com taxas baixas e segurar pelos próximos 30 anos, provavelmente vai se dar melhor e todas as alternativas são piores para a maioria das pessoas.
Investir é contraintuitivo. A maioria das pessoas não sabe o que isso significa e não consegue fazer isso. As pessoas não tem o que é necessário para comprar na baixa quando as coisas estão péssimas e vender na alta quanto tudo parece maravilhoso. É uma atividade difícil e a maioria das pessoas é mais bem servida dando seu dinheiro para que outros o administrem e, principalmente, de forma passiva. Se você quiser me visitar em Nova York, provavelmente você não vai daqui até lá pilotando. A maioria das pessoas não deveria estar gerenciando seu dinheiro de forma ativa.
E o novo livro, sai agora em outubro?
Sim, no dia 2. Esse novo livro é sobre o ciclo econômico. Ele se chama ‘Mastering the Market Cycles’ e a coisa mais importante nele é o subtítulo: ‘colocando as chances a seu favor’. Se você investe quando estamos na baixa do ciclo e espera que ele suba, então as chances estão a seu favor. Se você chega atrasado no ciclo, então as chances estão contra você. Esse não é um livro de história, não é um livro técnico, e vamos descrever as origens dos ciclos e como pensar sobre elas. E acho que vai ser muito interessante para os brasileiros. Meu primeiro livro foi traduzido para o português e acho que o próximo também será.
Na crise de 2008, a Oaktree levantou o maior fundo de dívida distressed da história, e teve ótimos retornos para os investidores. Vocês já estão levantando outro fundo?
Em 2015, nós já levantamos um fundo – dois, na verdade. Um já 100% investido, de US$ 3,5 bilhões, que é nosso fundo X. Esse fundo tem um prazo de investimento de três anos, está quase no fim e tem mostrado um retorno muito bom até agora, mesmo com as oportunidades de distressed ainda esparsas nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo, levantamos um fundo de US$ 8,5 bilhões, chamado XB, que ainda não foi investido. São compromissos de investimento, que estão na prateleira, reservados para esse fundo. Dizemos aos investidores que não vamos investir até que seja a hora e não cobramos nenhuma taxa até que os investimentos efetivamente comecem.
É a mesma estratégia que usamos com o nosso fundo lá na época da crise de 2008 – e há uma distinção importante aqui, porque não podemos levantar recursos depois que a crise já está instaurada. Todo mundo está apavorado e pensa, na hora, que nunca mais vai investir num fundo de novo. Então, para comprar na crise – como fizemos nas últimas semanas de 2008, quando investíamos US$ 500 milhões por semana –, é preciso organizar o fundo antes do evento e ter esse compromisso dos investidores já garantido.