As pequenas e médias empresas (PMEs) representam 98% das empresas do Brasil, geram 60% dos empregos e são responsáveis por 40% do PIB total do país. Mesmo com tanta relevância para a economia, este segmento nunca foi o foco dos grandes bancos. O resultado disso é que, segundo dados do Sebrae, até 2018 mais de 50% dessas empresas não eram bancarizadas, precisando recorrer a cooperativas e financeiras independentes para obterem crédito, por exemplo.

As principais instituições financeiras do Brasil historicamente focaram em servir grandes empresas, segmentos tipicamente mais rentáveis, e sempre tiveram dificuldades em encontrar um modelo adequado para atender o pequeno e médio empreendedor. Com alta mortalidade – mais de 20% das PMEs no Brasil fecham as portas após 1 ano e até 75% delas não sobrevive 10 anos, segundo o IBGE –, elevado custo de aquisição devido à grande fragmentação, falta de informação e pouca previsibilidade de fluxo de caixa, o setor de PMEs ficou subatendido. Esses desafios foram por muito tempo potencializados pela falta de ferramentas digitais e pelo escasso desenvolvimento de técnicas para análise e processamento de dados, hoje muito mais presentes.

No entanto, em 2014 essa realidade começou a mudar. A indústria de pagamentos incumbente, que sempre teve grandes barreiras de entrada como manufatura, logística de pós-venda e escala mínima de processamento, sofreu com a entrada de novas adquirentes e subadquirentes. A chegada de ferramentas digitais, novas tecnologias como mPOS e a virtualização do modelo de vendas e atendimento permitiu que novos entrantes ganhassem força entre PMEs, oferecendo serviços de recebimento e processamento a taxas mais lucrativas do que em outros segmentos. Como resultado, nos últimos anos a taxa de aceitação de cartões neste setor tem crescido e já ultrapassa 50%. A oferta de produtos de pagamentos tornou-se uma porta de entrada para acessar outras necessidades financeiras, e empresas do setor rapidamente ampliaram sua oferta com produtos de crédito, gestão de caixa, gestão de estoque e contabilidade, entre outros.

Na esteira dessas empresas, os bancos se movimentaram e entraram na briga oferecendo modelos de servir mais baratos, análise avançada de dados e modelagens mais precisas de crédito. De acordo com o McKinsey Global Banking Pools, até 2025 a receita dos bancos neste setor deve crescer em média 6,5% ao ano no Brasil, devendo representar um dos maiores crescimentos do pool de receita bancária.

No entanto, a disputa por esses clientes está longe de acabar. Fintechs, varejistas, bancos tradicionais e outros devem continuar inovando para conquistar o segmento. Observamos algumas dessas tendências, conforme a seguir:

Digital Attackers focados – para ampliarem sua atuação, vemos algumas empresas lançando digital attackers focados no setor, como o New10 do ING na Europa. Para o New10, uma estrutura tecnológica apartada e um modelo de servir quase 100% digital garantem baixos custos operacionais que viabilizam a economia unitária deste cliente. Além disso, novos modelos como o crédito lastrado em recebíveis da cadeia de pequenos fornecedores de grandes parceiros e modelos de análise avançada de dados estão ganhando força e girando volume de capital.

Bancos com Ecossistema para PMEs – outro caminho utilizado por alguns bancos é montar um ecossistema completo para PMEs, incluindo em sua proposta de valor diversas partes da jornada deste cliente, como fez o DBS na Ásia com o 99SME. Além de oferecerem crédito e outros produtos bancários, os bancos podem ampliar sua cesta e também oferecem toda a verticalização de aceitação e pagamentos (de mPOS a software de automação comercial), além de atenderem outras necessidades de vendas online, como o marketplace. Neste contexto, o banco ajuda esses empreendedores a se digitalizarem e venderem online, seja em seus próprios marketplaces – que dão acesso a enormes bases de clientes – ou em marketplaces parceiros. Nunca se soube tanto sobre o segmento de PME e, para não ficarem para trás e coletarem mais dados, os bancos precisam entender como criar novas capacidades e servir toda a cadeia de venda destes empreendedores.

Cooperativas entrando na cadeia produtiva – as cooperativas, por sua vez, que sempre estiveram presentes suprindo necessidades não atendidas, também enxergaram a oportunidade de aumentarem seu alcance e oferecerem mais produtos financeiros e não financeiros para seus clientes, como apoio contábil, legal e operacional. Muitas delas têm estruturado grandes ecossistemas no mundo rural, fazendo parcerias com outras empresas da cadeia de valor do agricultor, oferecendo, por exemplo, software de gerenciamento de safra e acesso a marketplaces para compra e venda de insumos agrícolas.

Empresas de pagamentos ampliando oferta – já as empresas de pagamento que, conforme mencionado anteriormente, foram um dos primeiros grupos a prestarem atenção a esse segmento, continuam atacando, modificando significativamente sua estratégia, ampliando a oferta e se tornando provedores bancários completos, ofertando crédito, cartão e conta para quem já tinha maquininha. Algumas empresas como o Square foram além de crédito e antecipação, passando a oferecer diversos produtos de valor agregado como antifraude, software de estoque e inteligência de CRM. A barreira de entrada em pagamentos nunca esteve tão baixa e vemos empresas de múltiplas indústrias tentando penetrar neste setor.

Varejistas atingindo toda a jornada do seller – para completar o cenário, consideramos grandes marketplaces varejistas que compreenderam que atender as necessidades do seller é o principal fator para fazerem crescer suas plataformas. Não basta apenas adquirir esses pequenos lojistas e colocá-los para dentro para venderem seus produtos; é preciso apoiá-los em todas as suas necessidades de venda física e online para que tenham sucesso. Foi o que fez o Alibaba com seu ecossistema B2B. Além de ser uma das maiores plataformas de marketplace do mundo, através do MyBank o Alibaba fornece crédito e produtos bancários para quem vende em sua plataforma, oferta todo o serviço logístico através de sua empresa Cainiao, disponibiliza ferramentas de análise avançada e inteligência de preço e promoção através de sua agência Alimama, além de todo o sistema de pagamentos, aceitação e automação comercial do AliPay.

Ao observar essas movimentações, depreendemos três grandes lições. Primeira: para conquistar o relacionamento deste cliente, não basta oferecer apenas um produto, é preciso estar presente na maior parte da sua jornada. Segunda: pagamentos é uma parte fundamental, pois é o que gera uma maior frequência de relacionamento e a maior quantidade de dados contextuais, essenciais para alimentar modelos de crédito. Terceira: digitalização e acesso ao mercado online tornaram-se uma parte importante do crescimento deste cliente. Dessa forma, é preciso suprir suas necessidades financeiras, mas também ajudá-lo a vender mais e melhor.

Bancos, cooperativas, empresas de pagamentos e varejistas estão todos se lançando ao ataque e oferecendo produtos fora de seus negócios principais para ganharem este jogo. Resta saber quem conseguirá construir (ou comprar) essas novas capacidades de forma mais rápida.

Vijay Gosula é sócio sênior da McKinsey.

Marina Mansur é sócia associada da McKinsey.

Gustavo Tayar é sócio da McKinsey no escritório de São Paulo.

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