“Encaro a Bottega como uma oficina – com uma longa e multifacetada história na Itália. Envolve um trabalho artesanal coletivo entre os artesãos que confeccionam o produto e as pessoas que o usam. É aí que as mãos e o coração se encontram.”
A declaração pragmática (e um tanto poética) da estilista inglesa Louise Trotter sintetiza sua coleção de estreia como diretora criativa da Bottega Veneta, a marca italiana do grupo Kering que Tomas Maier refreshed ao longo da última década.
O desfile, no último fim de semana, foi o hot ticket da Semana de Moda de Milão, só perdendo para a comemoração dos 50 anos da Giorgio Armani, que teve a abertura da mostra retrospectiva do trabalho do maestro, morto recentemente.
Hoje com 55 anos, Trotter tem passagens de sucesso no varejo de moda. Trabalhou nas americanas Gap, Calvin Klein e Tommy Hilfiger; nas britânicas Jigsaw e Joseph; e em dois clássicos franceses, a Lacoste e a Carven.
Sua convocação pela Kering – a holding de marcas como Gucci, Saint Laurent, Balenciaga e Boucheron – para assumir a Bottega, célebre por suas bolsas e acessórios de couro, foi vista com surpresa na indústria.
Além de ser a única mulher no cargo de diretora criativa no grupo, Trotter substitui o belga Matthieu Blazy, que agora senta-se no sacrossanto trono da maison Chanel e é, sem dúvida, a estreia mais aguardada da temporada em curso.
Mas o que Louise colocou na passarela milanesa satisfez não só os paladares apurados – os críticos velhos de guerra, clientes fiéis e fashionistas sambados – como viralizou nas redes (via celebridades e influencers assanhados).
O couro tressê – couro trançado, ou “intrecciato”, como faz questão o vernáculo da marca – que é a identidade estabelecida da Bottega e dispensa o uso de logotipo não só apareceu com brio como serviu de mote para o evento. Passado e futuro, tradicional e contemporâneo, história e legado entrançados no couro das bolsas carregadas junto ao corpo pelas modelos e, principalmente, na esfuziante mistura de materiais.
Em jaquetas, saias e pulls com plumas naturais e franjas de plástico reciclado; na alta alfaiataria sem gênero (para meninos e meninas) de formas amplas; nos vestidos de silhueta fluida e escorregadia (alças que pendem para um lado ou para outro); nos tricôs com pontos gigantes (“intrecciato” mais uma vez) além de sedas, suede, cashmere, couro sedoso ou croco. Mais sapatos, sandálias e cintos.
O verde Bottega, de tom abacate meio fluorescente exclusivo da marca, misturou-se aos rosa pálido, azul bebê, vermelho encarnado, caramelos, terrosos e, claro, preto, branco, bege e cinza. Mesmo nos contrastes e no ocasional brilho, nada grita, apenas sussurra, como manda o tal “quiet luxury”.
Os convidados sentaram-se em bancos de vidro de Murano assinados pela grife de decoração 6am-glass especialmente para o evento. Na trilha sonora, o cineasta Steve McQueen mixou as vozes de Nina Simone e David Bowie na canção “Wild Is The Wind”, gravada em 1966, o ano em que a Bottega foi fundada.
Ano que vem, fará 60 anos desde que Renzo Zengiaro e Michele Taddei, dois italianos do Vêneto, fundaram seu negócio de produtos artesanais de couro de alta qualidade, batizado singelamente de “Loja Veneziana”.
Uma boutique que prosperou acima das expectativas, sobretudo por conta das bolsas feitas na técnica do couro “intrecciato”.
Seis anos depois da fundação, e então dirigida por Laura Braggion – a ex-mulher de Taddei – a Bottega abriu uma boutique em Nova York e caiu nas graças de gente como Andy Warhol – que até fez um curta sobre a marca – e Jackie Kennedy Onassis.
A eterna primeira dama se encantou com a elegância discreta e a exclusividade da Bottega – “Quando as suas iniciais bastam” era o slogan da marca – no que foi acompanhada pelas socialites “old money” americanas. “A energia de Veneza, a extravagância de Nova York e a essência de Milão” passou a ser a definição da casa.
Crises consecutivas balançaram as finanças da empresa mas não o prestígio da marca, que também produzia sapatos e uma linha de bagagens. E mesmo considerada esnobe e um tanto fora de moda pelas novas gerações, a Bottega passou a produzir roupas nos anos 1990. A aquisição pela Gucci (atual Kering) em 2001 levou a um rebranding, tendo Tomas Maier como diretor criativo; ele permaneceu 17 anos no cargo e é apontado como responsável pela ressurreição da marca. Hoje são cerca de 307 lojas no mundo, com um faturamento de aproximadamente 1,7 bilhão de euros no ano passado.
Na primeira fila do desfile da semana passada, la signora Braggion, hoje afastada da moda, sentou-se ao lado da ex-top model e ícone fashion Lauren Hutton – uma das bolsas mais vendidas da Bottega leva o seu nome – mas evitou ser fotografada. Apenas chamou atenção para o fato de que a moda italiana “é feita de histórias de família.”
Já Louise, a estrela do show, saudou a presença da matriarca no desfile e afirmou ter sido totalmente inspirada por ela nessa largada como diretora criativa da Bottega: “Voltar ao início para seguir em frente,” filosofou. Discretamente, como é praxe da casa.