O Tribunal Federal do Rio de Janeiro decidiu hoje de forma unânime que as empresas de capital aberto terão que dar publicidade à remuneração média dos seus executivos, numa vitória histórica da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da governança corporativa no Brasil.
Ainda cabe recurso, mas nenhum deles com efeito suspensivo. Ou seja: assim que a decisão for publicada, todas as empresas listadas vão ter que dar publicidade aos dados de remuneração média, máxima e mínima dos diretores, exigidos pela Instrução CVM 480 desde 2009.
A decisão resolve uma pendenga criada em 2010, quando o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (IBEF) conseguiu uma liminar que suspendeu a transparência – contrariando uma tendência adotada em todo o mundo, especialmente após a crise financeira de 2008.
A informação é relevante porque, apesar de os acionistas terem que aprovar o total de remuneração global a ser paga a todos os diretores em assembleia, não é possível saber quanto ganha cada um deles individualmente – e se uma parcela desse valor total está sendo direcionada desproporcionalmente para algum executivo.
Um levantamento feito recentemente pelo Valor Econômico mostra que, de 214 companhias listadas na Bolsa, apenas em metade dos casos é possível saber a remuneração máxima paga a diretores. Boa parte das empresas preenche o formulário de forma incorreta mesmo. Mas 23% delas – incluindo gigantes como a Vale – se apoiam na liminar do IBEF para não divulgar o número.
A alegação principal do IBEF é que a norma coloca em risco o direito de privacidade, ainda que, ao contrário do que acontece nos Estados Unidos, o salário do executivo não seja divulgado de forma nominal. (O instituto chegou a apresentar um parecer contrário à norma da CVM feito por Luís Roberto Barroso, hoje ministro do STF).
Na primeira instância, o choro colou: o juiz Firly Nascimento Filho deu ganho de causa ao IBEF em maio de 2013. Na sentença, ele disse que “os executivos não se confundem com agentes públicos, cujas remunerações podem ser levadas ao conhecimento da comunidade, uma vez que derivados de verbas públicas” e citou a “violência brasileira” como uma das causas do sigilo.
A CVM recorreu, mas o recurso demorou quase cinco anos para ser julgado. Na tarde de hoje, os três desembargadores deram ganho de causa à autarquia.
“Nenhum desembargador comprou os argumentos furados lá de trás, que pertencem a um Brasil velho e preso às trevas”, disse Mauro Cunha, presidente da Associação Brasileira de Mercado de Capitais (Amec). “Os tempos são outros e ganhou a transparência”.
A Amec, a Apimec e a CFA Society participaram do processo como amicus curiae. Os advogados Walter Albertoni, Eduardo Boccuzzi e Renato Vetere produziram memoriais defendendo a validade da regulamentação da CVM.
Nos últimos anos, diversos fundos vem pressionando por mais transparência em relação à remuneração. A Glass Lewis, que aconselha investidores estrangeiros para votação em assembleia, recomenda abstenção em todas as decisões envolvendo remuneração em empresas que não dão publicidade à remuneração média.
O fundo britânico Hermes, que administra mais de £ 33 bilhões e é conhecido por seguir princípios de governança e sustentabilidade (ESG), resumiu a questão num documento recente sobre governança, direcionado ao Brasil: “Nas organizações em que o pagamento dos funcionários representa uma parcela alta dos custos gerais, temos a preocupação de que os níveis de remuneração e os critérios de desempenho possam criar incentivos perversos e de curto prazo para os funcionários. Por isso incentivamos as empresas a melhorar sua divulgação sobre como os incentivos atribuídos às pessoas com capacidade de afetar materialmente o desempenho do negócio estão vinculados aos interesses dos acionistas de longo prazo.”