Será que o Banco Central desistiu de perseguir a meta de inflação de 2023 e já está de olho em 2024?
Numa entrevista coletiva desenhada para reduzir o ruído sobre a política monetária, Roberto Campos Neto tentou matar a especulação de que o BC poderia desistir de buscar o centro da meta de 2023, que é 3,25%.
Segundo ele, a autoridade monetária vai atuar para que a inflação do próximo ano fique “ao redor, mas abaixo de 4%”, e “2024 ainda não está em nosso horizonte relevante.”
Analistas têm questionado a coerência do discurso do BC porque as expectativas para o próximo ano estão piorando – num momento em que, pela sinalização do Copom, o ciclo de alta da Selic já está perto do fim.
Os menos hawkish, entretanto, julgam não fazer sentido manter uma política de juros agressiva neste momento. Em 13,25%, a Selic já está em território contracionista.
“O ajuste adicional que o BC precisaria fazer para entregar a inflação na meta em 2023 seria muito significativo, em termos de impacto na atividade econômica,” Alvaro Mollica, o estrategista de mercados emergentes do Citi em Nova York, disse ao Brazil Journal. “Isso em um contexto em que se prevê uma desaceleração no próximo ano e até mesmo uma recessão técnica.”
O BC começou a subir os juros mais cedo do que a maioria dos países e contratou um “colchãozinho” de proteção, disse Alvaro. “O BC já fez o trabalho dele.”
Para o estrategista, o pico de alta de preços no Brasil ocorreu em abril e, depois da alta já telegrafada para agosto, é hora de interromper o ciclo e reavaliar o cenário.
Alguns gestores também preveem uma desaceleração relevante nos próximos trimestre. Por isso, não haveria benefício em seguir a toada dos juros ladeira acima, sobretudo porque boa parte das pressões inflacionárias vem de fora.
Na entrevista de hoje, o BC não cravou nenhum cenário, deixando em aberto suas ações futuras.
Há quem defenda que a meta do próximo ano deveria ser ajustada para acima como forma de absorver os impactos da inflação global. Mas agora à noite, o Conselho Monetário Nacional (CMN) manteve a meta de 2023 em 3,25% e a de 2024 em 3%. Além disso, decidiu que a meta de 2025 também será de 3%.
“O problema é que as projeções do Banco Central para a inflação estão muito destoantes das projeções do mercado”, disse Solange Srour, a economista-chefe do Credit Suisse Brasil. “Acho que nunca tivemos uma diferença tão grande. O discurso do BC não está combinando com as projeções.”
Hoje, a projeção para a inflação do próximo ano no boletim Focus está em 4,7%, mas para Solange, esse número vai subir nas próximas semanas. O CS projeta 5,3%, mas deve rever o índice para cima. A meta oficial é de 3,25%, com limite superior de 4,75%. Já as projeções do BC estimam que a inflação ficará em 4%.
Historicamente, o BC nunca interrompeu ciclos anteriores de alta enquanto as expectativas de inflação não estivessem solidamente ancoradas dentro da meta – o que não é o caso agora.
As eleições de outubro são um desconforto adicional para o BC. Indagado sobre possíveis pressões políticas, RCN devolveu rápido: “A política do Banco Central é independente do ciclo eleitoral.”
Muita gente no mercado tem dúvidas. Reservadamente, ex-diretores do BC e gestores dizem que o BC evitará a todo custo mexer nos juros perto do período em que os eleitores estarão apertando o “Confirma”.
“Seria muito ruim para o Banco Central aparecer nas manchetes dos jornais em setembro, às vésperas da eleição. As intervenções na Petrobras dão um indício do calor político que pode acontecer lá na frente”, disse o estrategista de um grande banco de investimentos. “A questão será ver o quão arranhada sairá a credibilidade do BC.”
Apesar das enormes incertezas tanto no cenário brasileiro como na conjuntura internacional, Eduardo Scarceli, sócio da ARAM Capital, acredita que 2023 pode trazer alguma inflexão.
“Uma desaceleração da inflação, combinada com o fim da indefinição política, traz a oportunidade de uma diminuição dos juros. Será uma conjuntura mais favorável para o crédito, para os consumidores, para as empresas e os mercados,” disse Eduardo.
Com o múltiplo da Bolsa brasileira a um desconto de cerca de 30% em relação à média histórica, “juros em queda e maior crescimento poderão criar o ambiente para uma reprecifiação”, disse ele.