MOUNTAIN VIEW, Califórnia — Doug Leone é um desbravador do venture capital.

Há mais de uma década, quando a Sequoia Capital já tinha feito fortuna nos Estados Unidos investindo em gigantes como Google, Yahoo, LinkedIn e PayPal ainda em seus estágios iniciais, ele decidiu que era hora de explorar o mundo.

Abriu filiais e contratou times locais na China e na Índia numa época em que falar em inovação em países emergentes ainda parecia maluquice. Hoje, mais de metade do retorno dos investidores da Sequoia vem de fora dos Estados Unidos.

Nascido na Itália, Leone migrou para Nova York com a família aos 11 anos. Não falava inglês. Começou a carreira como executivo de vendas na Sun Microsystems e entrou na Sequoia em 1988. Tornou-se sócio em 1996 e hoje supervisiona os investimentos globais da firma.

Na Brazil at Silicon Valley, o evento promovido por estudantes brasileiros em Stanford, Leone contou por que a Sequoia investe pouco no Brasil — e deu conselhos preciosos para que o País se torne uma potência empreendedora.

As prioridades número 1, 2 e 3, na sua visão: formar engenheiros de software. Mais: inovar para resolver problemas realmente brasileiros, em vez de apenas replicar modelos vencedores em outros países.

Num papo descontraído, ele foi entrevistado por David Vélez, o fundador do Nubank — uma das raras investidas da Sequoia no Brasil.  A seguir, trechos da conversa.

Sobre a decisão de investir fora dos Estados Unidos

Na época nós nos fizemos uma pergunta simples e tivemos dificuldade em respondê-la: onde as companhias mais valiosas do mundo vão ser criadas nos próximos 20, 25 anos?

Para criar companhias valiosas, precisa-se de uma economia grande e em crescimento. Ou seja, você tem que ir para a China, para a Índia, para o Sudeste da Ásia… Ainda que eu tenha crescido na Itália, você não vai para a Europa porque ela é grande e não está crescendo.  Você também não vai para o Vietnã: ele está crescendo, mas não é grande. Isso nos levou à China e a Índia.

Se olharmos para o Brasil, não consigo pensar em um país que está mais bem posicionado: vocês têm petróleo, localização geográfica, tem comida. Agora, se vocês vão conseguir parar de se atrapalhar é uma conversa completamente diferente. O Brasil deveria estar na posição de um líder mundial.

Por que a Sequoia investe pouco no Brasil

Antes de mais nada, tenha em mente que minha visão do Brasil é de 2012, 2013. Fui ao Brasil seis, sete, oito vezes. Mas começamos a perceber que as companhias naquela época eram ‘look alike companies’ [companhias que replicam modelos de outros países]. E uma das lições que aprendemos na China é que as companhias ‘look alike’ não duravam tanto.

Nós não víamos muitas inovações no Brasil. Vamos olhar para o número de graduados nas chamadas carreiras STEM: ciência, tecnologia, engenharia e matemática. No Brasil, são 170 mil por ano. Nos Estados Unidos – que não é benchmark nesse sentido – são 600 mil. Na China, esse número é de 6 milhões. E o que você precisa, para além desse sentimento do empreendedorismo estar crescendo, é de muitos engenheiros de software.

E o que vimos foi um pouco de falta de inovação e talvez não tantos engenheiros de software como gostaríamos de ver. Isso nos levou a dizer: o Brasil é importante, podemos fazer investimentos lá – já investimos no Rappi, no Nubank – mas o esforço e a dor de ter outro time, outro fundo, e uma nova série de dores de cabeça parecia ser muito alto. Isso em 2013.

Prioridades 1, 2 e 3: formar engenheiros de software

Se você olhar para todas as ciências: biologia, química, física… Hoje é tudo uma combinação dessas áreas com engenharia de software. Hoje tudo é sobre computadores. E eu pudesse dar um conselho a qualquer um com papel de liderança no Brasil, seria: faça tudo que você puder, em termos de cultura, de dinheiro, de dar bolsas, até mesmo de garantir educação gratuita para engenheiros de software. Vocês precisam mudar isso.

O dinheiro vai seguir a regulação do governo:  quanto menos, menor. Exceto, é claro, para garantir que a competição seja justa e impedir que as grandes corporações, com suas redes de influência locais, tentem de forma legal ou ilegal sufocar as empresas menores.

Mas além disso, a questão são os engenheiros de software. Essa é a questão que precisa ser resolvida – prioridades número um, dois e três.

Um conselho ao governo: Keep things simple

Se o governo quer desenvolver um ecossistema de inovação, tem que deixar o caminho livre. Precisa criar um sistema legal em que, se você quer que alguma coisa seja feita, não precise de 400, 500 páginas de documentos para tirá-la do papel. Eu queria fechar uma empresa em Boston e foi uma pilha de documentos. Aqui no Vale os term sheets tem uma ou duas páginas. Just keep things simple.

As empresas também têm que ter a capacidade de contratar e demitir. Não é que elas sejam cruéis com os empregados, mas as empresas menores têm certas limitações –- elas muitas vezes desaparecem, encolhem… Então tem que haver espaço para se fazer certas coisas.  E, por fim, o que eu já disse: aumentar o número de engenheiros de software.

E parte desse senso de empreendedorismo vem devagar. Tem que haver um ecossistema que é amigável com as startups, um mindset amigável… e uma confluência gradual das coisas, o que inclui um ou dois grandes sucessos.

Veja o caso do Nubank, que na minha opinião vai ser uma companhia muito bem sucedida. Vocês tem que fazer muito marketing do Nubank para que ele seja um exemplo para o governo, outros empreendedores e todo mundo. Tudo começa com um sucesso.

Por que o ecossistema de startups floresceu na China (apesar do governo)

Do ponto de vista das pessoas, você tem uma cultura que é muito mercantil. Eles são fazedores de negócio e, sob certa perspectiva, dá para dizer que eles são até um pouco apostadores.

E agora eles são a primeira geração que tem recursos, um pouco como os Estados Unidos na década de 1950, 1960. Hoje os Estados Unidos é um país de ricos. As pessoas estão preocupadas com seus likes no Instagram. Na China, elas estão preocupadas em jantar rápido para voltar para o trabalho.

E não vamos nos esquecer das políticas de governo. Lembre do número de graduados nas carreiras STEM. Não é por acaso, é uma cultura na China. Então você pega essa combinação: mercado grande, crescimento da classe média numa velocidade rápida, e grandes companhias sendo construídas muito rapidamente.

E para terminar tem uma outra coisa muito importante: é um país que admira as pessoas que atingiram o sucesso. Isso é diferente da Índia, onde você é apedrejado – linguagem figurada – quando é bem sucedido.

O método para escolher os empreendedores

Antes de mais nada, eles têm que ser inteligentes. Têm que conseguir pensar dois ou três passos à frente. Precisam ser genuínos. Os mais genuínos são aqueles que resolvem um problema que eles mesmos enfrentam. E minha primeira pergunta é: como você teve o insight?  E procuro por times pequenos de fundadores. Se você já começa com um presidente, um chairman, um COO… Pode esquecer.

E procuro por pessoas teimosas. Alguns desses adjetivos que são colocados como negativos para alguns fundadores, na verdade eu acho positivos. Pessoas teimosas, que não são as melhores em ouvir as pessoas, que tem um ego grande… Para começar uma companhia, você tem que ter algumas dessas características. É isso que eu procuro.

Sobre ser obcecado com alimentação e exercícios

É uma combinação de duas coisas. Primeiro: estar na minha melhor performance mental 24 horas por dia. Segundo: eu sou muito inseguro, principalmente no que diz respeito a perder os meus diferenciais. E, para mim, na vida, o melhor jeito de sobreviver é acelerar. Os sistemas funcionam assim: ou eles crescem, ou eles morrem. É como a própria natureza funciona.

Então, eu faço tudo que está ao meu alcance para manter minha mente até que eu tenha que sair do jogo quando chegar a hora. Já estabelecemos esse tempo no meu caso – ainda não posso divulgar isso publicamente. Mas você tem que acelerar, performar no melhor nível, e quando não for possível, sair do caminho. Essa é a resposta honesta.

O Don Valentine [fundador da Sequoia] ficou muito impressionado uma vez quando, numa reunião com uma empresa e seus sócios, o fundador dormiu. Ele não queria ser o dono velhinho que caía no sono na reunião. Foi por isso ele que passou o comando.