Com a discussão em torno dos temas ESG (enviroment, sustentability and governance) ganhando cada vez mais relevância no Brasil e no mundo,  o assunto se tornou obrigatório para as companhias, seus controladores e administradores. Além de tocar corações e mentes, passou a tocar também os bolsos.  

A boa notícia é que no Brasil, graças a Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira — homens não só de elevado espírito público, mas também de inteligência superior, visão e gênio — as companhias, abertas ou fechadas, desde o projeto da Lei das SA, estão aparelhadas para lidar com estes temas, independentemente de outras disposições legais. 

A despeito de sua crença no capitalismo, na liberdade e na economia de mercado, Bulhões Pedreira e Lamy não se encantaram servil e cegamente com o artigo seminal de Milton Friedman — que acaba de fazer 50 anos — onde se afirmava que a responsabilidade social da empresa era aumentar seu lucro.

 
Nossa Lei das SA tem o cuidado, de maneira pioneira, de tratar os assuntos, reconhecendo a realidade tanto no plano do acionista controlador quanto no plano dos administradores. Deixaram o terreno sedimentado inclusive para a sociedade de capital pulverizado, na qual, como reconhecem, na falta do acionista controlador, o verdadeiro poder reside na administração e não nas assembleias gerais de acionistas, sendo dever e responsabilidade a contrapartida deste poder.  

Por isso a nossa Lei, cujo anteprojeto também está próximo de completar meio século, fala nos arts. 116 e 154, em “interesse social”, na satisfação “às exigências do bem público e da função social da empresa”, além de exigir o “respeito aos direitos e interesses dos trabalhadores e da comunidade onde atua” e recordar a “responsabilidade social” da empresa.  

Este fato deveria nos encher de orgulho quando se constata que em diversos países uma discussão a respeito do que seria o propósito da companhia tem ganhado preeminência, de que é exemplo o embate onde se questiona se a chamada primazia dos acionistas deveria se deslocar para dar lugar à prevalência dos stakeholders — na falta de uma melhor tradução. Discussão acalorada pelos debates incitados, entre outros, pelo professor Lucien Bebchuk de Harvard, de um lado, e, de outro, pelo mítico advogado Martin Lipton, com ecos que chegaram ao Fórum de Davos.  

Na mesma linha, no ano passado o Business Roundtable, que congrega muitas das maiores companhias norte-americanas, alterou o seu “Statement on the Purpose of Corporation”, ampliando-o consideravelmente para além dos interesses dos acionistas. 

Em muitos países, a discussão sobre ESG hoje passa pela eventual necessidade de se alterar a legislação para se afastar da concepção “Friedmaniana” e do conceito da sociedade com o propósito exclusivo de gerar lucros para os sócios, como se deu na França em 2019 com a modificação do art. 1833 do Código Civil Francês, abrindo-se espaço para se estabelecer estatutariamente a sua raison d’être. Em sentido análogo, nos Estados Unidos se discute a extensão do dever fiduciário dos administradores, e no Reino Unido, houve a reforma do Companies Act de 2006 (art. 172). 

É fácil perceber que, no Brasil, não é preciso nem entrar na discussão de interesse social de longo prazo versus curto prazo para saber que o controlador e o administrador que queiram aprofundar temas ESG, para muito além do verniz superficial que caracteriza o greenwash, têm os meios e a proteção legal para tanto e bem assim os chamados stakeholders que queiram cobrar das companhias o aprofundamento desta agenda.  

Função social da empresa, interesse público, respeito à comunidade onde atua e aos trabalhadores, bem como responsabilidade social, são termos que inequivocamente compreendem os temas ESG, permitindo ainda o comportamento solidário que diversas companhias adotaram durante a pandemia e quem sabe venha a se perenizar. 

A covid ofereceu uma oportunidade para que as sociedades anônimas se descobrissem, mobilizassem e cumprissem seu papel para muito além de gerar empregos, riqueza e impostos, o que, reconheça-se, já não é pouco.  

Portanto, acionista controlador e administrador têm ampla latitude para perseguir estes temas, conciliando os diversos interesses em jogo e buscando o equilíbrio necessário de forma a assegurar que a empresa seja também o “lugar de inovação e renovação”, conforme já dizia o Relatório (rapport) Sudreau sobre a reforma da empresa, de sorte que a sociedade anônima possa orgulhar-se do papel que exerce de maneira abrangente, não só na economia, mas sobretudo na sociedade desigual em que vivemos. 

É uma agenda importante, sem volta e, mais que isto, é uma agenda correta, que convém perseguir — melhor ainda se por convicção. 

Antes de se pensar em mudar a Lei das SA, faz-se necessário compreendê-la e explorar toda a sua potência, que não é pequena, pois a todo instante esta belíssima obra de Bulhões Pedreira e Lamy nos encanta e surpreende com a sua atualidade. A discussão de legislações estrangeiras sobre sociedades anônimas e questões ESG é apenas mais um exemplo eloquente deste fato.

 
 
Luiz Antonio de Sampaio Campos é sócio do BMA Advogados.