Não é à toa que a música do programa proclamava que Abelardo Barbosa “está com tudo e não está prosa.” Chacrinha foi um dos maiores comunicadores que a rádio e a TV brasileira já conheceram, deixando uma marca na cultura.

Se estivesse vivo, certamente Chacrinha seria hoje um jovem senhor iconoclasta de 101 anos.

Seu legado vem sendo amplamente celebrado. Nos últimos três ou quatro anos, ele ganhou uma biografia (por Denilson Monteiro), um musical (com roteiro de Pedro Bial), um especial na Globo e ainda virou tema de desfile da Grande Rio.

Agora, “Chacrinha: o Velho Guerreiro” – o longa-metragem – acaba de estrear nos cinemas, com direção de Andrucha Waddington e coprodução da Globo Filmes. Vem por aí ainda um documentário e uma micro-série, também dirigidos por Andrucha para a Globo.

Interpretado no filme por Stepan Nercessian e Eduardo Sterblitch (que faz o Chacrinha jovem), Abelardo Barbosa foi uma figura quase universalmente amada por quem  assistia TV – esta indústria hoje claudicante – a despeito de sua cafonice e impropriedade sem tamanho, traços talvez amplificados pelo olhar escrutinador do presente.

O filme de Andrucha sintetiza isso com maestria. Ao mesmo tempo em que reverencia e trata com certo carinho o personagem, não se furta a mostrar as muitas polêmicas que marcaram a vida do apresentador: da fama de ‘jabazeiro’ a um caso extraconjugal com Clara Nunes, da pouca atenção com os filhos ao mau gosto e falta de profissionalismo que tantos dissabores renderam ao então diretor de programação da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni.

O filme trata da ascensão, decadência e volta por cima do apresentador, tendo como pano de fundo os programas na TV e, em particular, seu turbulento relacionamento com Boni, que também assina o filme como produtor associado.

Foi Boni quem levou Chacrinha, então um talento em ascensão na Tupi e depois na TV Rio, para a Globo em 1967.

A audiência era um estouro, mas o artista não era fácil. Certa vez, Chacrinha organizou um campeonato de pulgas que infestou os estúdios da Globo, e mandou sequestrar uma médium que participaria de um programa na concorrente Tupi.

O filme toma licenças poéticas, como atribuir ao episódio da médium o desentendimento que levou Boni a retirar o programa do ar – medida extrema que fez Chacrinha pegar sua buzina infame e bandear para outra emissora (não sem antes quebrar os equipamentos do estúdio).

Esse episódio, na verdade, aconteceu um ano depois, em 1972, em uma das muitas vezes em que Chacrinha estourava o tempo do programa, irritando Boni, que tinha de zelar pelo cumprimento da grade de programação.

Boni e Chacrinha ficaram dez anos sem se falar, até que o diretor conseguiu novamente seduzir o apresentador: o Cassino do Chacrinha passou a dominar a tarde de sábado, e ficou no ar até a morte do apresentador em 1988.

Os millennials não entenderiam, mas Chacrinha jogava bacalhau para a plateia e humilhava calouros. Certa vez foi parar na delegacia por desacato, depois de xingar uma policial da censura que foi ao estúdio reclamar da indecência do visual das ‘chacretes’.   Era uma outra época, da qual um dos últimos remanescentes é Silvio Santos.

Apesar de exibir os traços nada edificantes da personalidade de Chacrinha, o filme tem o mérito de levar o espectador a ter simpatia pelo protagonista.

O público é conquistado logo na largada, quando se depara com o início da trajetória do jovem estudante pernambucano, que atracou por acaso no Rio nos anos 30. Ao chegar na capital federal, colocou na cabeça que faria o que fosse preciso para se tornar uma estrela do rádio. A TV só viria a aparecer – para complementar sua ambição – duas décadas depois.

O filme conta os perrengues do primeiro emprego, os primeiros nãos, o início do romance com Florinda, sua mulher de toda vida, além da decadência na meia idade.   

Chacrinha ensinou ao Brasil que “Quem não se comunica, se trumbica!” e declarou, para a posteridade: “Eu vim para confundir, e não para explicar”.  Chacrinha, aquela esfinge, não há mais, mas seus adágios permanecem na epiderme da cultura nacional, e este filme é uma justa e bela homenagem.

Abaixo, o trailer do filme, em distribuição nacional.