NOVA YORK — Em maio, pouco antes de reabrir o Eleven Madison Park, o chef suíço Daniel Humm chacoalhou a imprensa gastronômica ao anunciar que o restaurante — dono de três estrelas Michelin e uma legião de clientes espalhados pelo mundo — eliminaria carnes, aves e peixes de seu cardápio.

Ou seja: depois de uma reflexão existencial provocada pela covid, o Eleven Madison estava aderindo ao veganismo.

Apesar de sempre haver operado sua cozinha “com sensibilidade em relação ao impacto que o restaurante tem em seu entorno,” Humm disse que a pandemia deixou ainda mais claro que o sistema alimentar atual “não é sustentável em vários aspectos.”

11699 ae3cca41 0f79 d91e ba30 2165a14763baDepois de 15 meses fechado, o restaurante finalmente reabriu em junho, ostentando receitas inéditas mas seguindo o mesmo estilo minimalista, com pratos visualmente estonteantes, e o mesmo preço apimentado: o menu degustação de 10 pratos sai por US$ 335 — não incluídos o vinho, o imposto e a gorjeta. (Um casal facilmente desembolsa mil dólares pela experiência.) 

Tudo parecia ‘awesome as usual’… até que o crítico do New York Times fez uma visitinha. 

Para dizer o mínimo, Pete Wells comeu e não gostou.

Sua resenha azeda, publicada esta semana, foi o ‘talk of the town’ na cidade onde comer bem é uma religião, e o Eleven Madison Park, uma catedral.

Acompanhada por belíssimas fotos dos pratos, da cozinha e do chef, o texto dizia que Humm “faz coisas estranhas com os vegetais,” e que “na performance de hoje, o pato será interpretado por uma beterraba.”

Incomodado com a forma como Humm “distorceu” os sabores dos alimentos, Wells distribuiu um coice a cada parágrafo:  “Alguns [legumes] passam por carne ou peixe de uma forma tão óbvia que sinto pena deles.” 

A crítica se estendeu ainda ao fato do preço do menu ter permanecido intacto — apesar da ausência de carnes. Mais: apesar de sua nova identidade vegana, o Eleven Madison Park permitirá que (apenas) os clientes de suas salas privadas tenham acesso a um prato opcional de carne.

“É uma espécie de metáfora de Manhattan, onde sempre há um nível mais alto de luxo — uma sala secreta onde os ricos comem filé mignon e os demais ganham uma canoa de berinjela,” comparou Wells, incorporando Karl Marx. 

O crítico só demonstrou compaixão com os coquetéis e as sobremesas — os únicos sobreviventes da resenha-carnificina. “Caso [a confeiteira Laura Cronin] esteja se esforçando exaustivamente perante o desafio de cozinhar sem leite e ovos, não se percebe.”  Ufa.

As chicotadas de Wells causaram ainda mais impacto porque ele próprio havia condecorado o restaurante com a nota máxima (quatro estrelas) em 2015.

A reação do público foi acachapante — a maioria em defesa de Humm, que já foi chamado pela Esquire de “o melhor chefe dos Estados Unidos, talvez do mundo”.

Leitores do New York Times fizeram quase 1.600 comentários, e o post teve 142 mil reações no Instagram. Na resposta mais aclamada (3 mil likes), a blogger vegana Nisha Vora (quase 600 mil seguidores) disse que “em fazendas e frigoríficos no país inteiro, há práticas horríveis exercidas em vacas, porcos, carneiros e galinhas. Mas Wells está preocupado com vegetais tendo que exercer papéis alheios.” 

Outra leitora lembrou que desde março de 2020, o Eleven Madison Park, numa parceria com a ONG Rethink Food, já doou mais de cinco milhões de refeições para pessoas em estado de insegurança alimentar. (O restaurante tem um caminhão só para isso, e o trabalho é feito pela própria equipe.)

Com pé-direito alto e uma decoração clássica, o Eleven Madison Park leva o nome de seu endereço e ocupa o térreo do Metropolitan Life North, um prédio de 30 andares em estilo art déco que abriga também a sede do Credit Suisse. Humm e sua equipe servem apenas 80 pessoas por noite. 

Aos 44 anos, o chef é conhecido por invenções sublimes com pato, lagosta e caviar, mas a iniciativa vegana foi bem recebida, ressaltando uma tendência da gastronomia global. 

“Temos pouco poder de falir um restaurante,” me disse certa vez a chef e escritora Ruth Reichl, que ocupou a mesma cadeira de Wells no New York Times na década de 90 e também editou a Gourmet Magazine. “Depois de uma resenha ruim, quem gosta do restaurante apoia a casa para dizer que o crítico é um imbecil. O estabelecimento que acaba fechando é aquele que numa situação destas não recebe apoio: ele iria falir de qualquer maneira.” 

O Eleven Madison não tem mesas disponíveis antes de dezembro.