A segunda oferta de ações da Azul em apenas cinco meses após o IPO está gerando dúvidas entre os investidores sobre a validade do ‘lockup’, um instrumento comum nas aberturas de capital pelo qual alguns acionistas se comprometem a não vender novos papéis por um determinado período.

O IPO da Azul tinha um lockup clássico de 180 dias, contados a partir da divulgação do prospecto definitivo, datado de 11 de abril. A restrição se encerrava, portanto, em 11 de outubro.

Mas ontem, aproveitando o mercado em alta, a Azul anunciou que certos acionistas pretendem vender até 44 milhões de ações esta semana, e o roadshow já começou hoje em Nova York.

No Fato Relevante divulgado ontem à noite, o controlador da empresa, David Neeleman, disse que conseguiu uma dispensa do lockup junto à Bolsa para vender cerca de 2 milhões de ações que devem ser transferidas a sua ex-mulher, Vicki Labrum.

A primeira e mais importante questão é: sob quais circunstâncias o lockup pode ser revogado?

Neeleman argumentou à B3 que a venda fazia parte de seu acordo de divórcio e que ele não seria o beneficiário dos recursos da venda. Mas que diferença isso faz para os minoritários que verão agora uma enxurrada de ações no mercado antes do fim do prazo acordado? Aparentemente nenhuma.

Alguns bancos que fazem parte da oferta têm dito que a empresa pediu a dispensa porque a liquidez do papel estava insatisfatória para grandes investidores institucionais.

Ok.  Se divórcio vale e liquidez também é argumento, quais outros argumentos seriam aceitáveis?

Outra pergunta: quem tem autoridade para conceder a dispensa do lockup?

Segundo um grande advogado, a competência para conceder a dispensa é dupla:  a B3, enquanto órgão regulador do Nível 2 (segmento de listagem em que a Azul está inserida) e o sindicato de bancos que coordenou a oferta.

Essa autoridade dos coordenadores da oferta gera um conflito evidente: os bancos querem sempre estar bem com os clientes, seja a empresa emissora ou um grande fundo de private equity que quer vender o papel antes do fim do lockup.  Além disso, os bancos que receberão comissões pela oferta de agora são exatamente os mesmos do IPO.  Todos serão remunerados.

“A dispensa deveria ser pedida em assembleia aos acionistas que compraram o que estava no prospecto da oferta”, argumenta um gestor. “A confiança de que lockups e normas existem para serem respeitadas vai sendo drenada pouco a pouco do mercado de capitais”.

Também não está claro quem está coberto pela dispensa do lockup.

O Fato Relevante da Azul afirma que o pedido feito à B3 diz respeito apenas a um dos veículos controlados por Neeleman, o ‘Saleb II Founder 1’, que é dono de 0,7% das ações.

Mas esta é uma parte irrisória da operação.  A venda total inclui 14% das PNs, detidas pelos fundos TPG, Weston Presidio e Peterson Partners, que estavam na companhia desde antes do IPO, e o Grupo Águia Branca, dono da TRIP, comprada pela Azul em 2012.

Todos eles venderam parte das ações durante o IPO e estavam amarrados pelas cláusulas de lockup. Nas palavras do prospecto: “a companhia, os membros do conselho de administração e diretoria da companhia, os acionistas vendedores e os acionistas titulares de, pelo menos 1% das ações de emissão da companhia e/ou 1% do valor econômico da companhia celebraram os lockup agreements”.

É possível que os outros acionistas vendedores tenham, assim como Neeleman, obtido suas dispensas individuais, mas o Fato Relevante da Azul não faz referência a eles.

Mais um buraco: a Azul diz que a B3 considerou que “a data requerida para a dispensa e a data estimada de encerramento do período de lock-up são consideravelmente próximas, possuindo apenas em torno de 10 dias de diferença”. Ora, se a oferta será precificada até o fim desta semana, ainda restarão mais de três semanas para o fim do lock-up previsto no prospecto. Qual a data que efetivamente vale?

Todos os questionamentos constantes neste texto foram encaminhados à B3 e à Azul.

Até a publicação deste artigo, a B3 não havia respondido às perguntas enviadas.

A Azul disse que não poderia comentar e que “todas as informações estão claras e dispostas em nosso prospecto”.

Muita gente no mercado discorda.

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Atualizado às 16h30:  Em email ao Brazil Journal, a B3 confirmou que cabe a ela a dispensa por conta do regulamento do Nível 2 de governança corporativa, e notou que este é o primeiro caso sobre dispensa de lockup submetido à sua análise. 

Segundo a Bolsa, o lockup da Azul terminaria em 9 de outubro — o que mantém a incongruência com o prazo descrito pela Azul em seu Fato Relevante. No FR, a Azul diz que “a B3 considerou também os seguintes argumentos apresentados no Pedido de Dispensa”. O primeiro argumento era que “a data requerida para a dispensa e a data estimada de encerramento do período de lock-up são consideravelmente próximas, possuindo apenas em torno de 10 dias de diferença.”  (grifo nosso).

 
A B3 disse ainda que só deu aval à venda de ações de Neeleman e que, dentre as ações que serão vendidas na oferta, apenas as de Neeleman estavam sujeitas ao lockup — o que não parece correto tendo em vista o que está no prospecto. 
 
“Apenas o referido percentual para cumprimento da obrigação junto à esposa de Neeleman do universo de ações ‘locapadas’ será alienado. As demais ações da oferta não estão nesse conjunto”, afirmou a Bolsa em sua nota.

 
Segundo o prospecto, o lockup inclui “a companhia, os membros do conselho de administração e diretoria da companhia, os acionistas vendedores e os acionistas titulares de, pelo menos 1% das ações de emissão da companhia e/ou 1% do valor econômico da companhia.)